sexta-feira, 4 de abril de 2025

Queria ter 40 anos em 1969 - Parte II

 Da Série "Um artigo para chamar de meu" - Publicado em junho 2009 no www.paraibaonline.com.br 


Tivemos as estréias do Concorde, do Boeing 747, da ArpaNet, embrião da Internet, e se isolou um gene. Nada como Neil Armstrong pisar em solo lunar e dizer a tal frase que, acho, não foi de sua lavra. Os soviéticos não vacilaram e a Soyuz 6 foi dar uma voltinha no espaço. De quebra, foi à primeira transmissão de televisão via satélite para o mundo. Contava minha mãe que assistiu aquilo tudo, emocionada, enquanto eu resumia 1969 ao precioso líquido que jorrava do peito dela. 


Para o bem e para o mal, estreou o Jornal Nacional da Rede Globo, com Cid Moreira, que já tinha cabelos brancos, e Jackie Stewart foi campeão na Fórmula 1. Com o alterego de Edson Arantes do Nascimento, que fez seu milésimo gol, o Santos foi campeão e meus times, Campinense Clube e Flamengo, não ganharam nada – resguardavam-se para me alegrar no futuro.

 Nos EUA, Charles Manson mandou os fanáticos de sua seita assassinarem a atriz Sharon Tate e a imprensa usou o fato para desviar a atenção das atrocidades que o exército cometia no Vietnã, como o massacre de My Lai em 1968. Nixon entrou na Casa Branca e foi lépido e fagueiro até o desastre da guerra. 250.000 pessoas marcharam em Washington pedindo o fim da Guerra do Vietnã. Na Líbia, Kadhafi tomou o poder com um golpe e teve sólida carreira de ditador. O Congresso Nacional Palestino apontou Yasser Arafat como líder da OLP e Charles de Gaulle renunciou à presidência devido às ebulições do “maio francês”. Prova que 1968 acabou e foi sucedido por 1969, goste-se ou não disso. O processo histórico é assim mesmo. 

A VPR, de Lamarca, e a ALN, de Marighella, sequestraram o embaixador Elbrick. Puderam, por momentos, emparedar a ditadura. Mas, ela deu o troco e fuzilou Marighella no final do ano. Morria um ícone da esquerda, daí tantos amaldiçoarem 1969. Já Lamarca desertou do quartel onde servia e foi à luta armada, fez uma imperceptível cirurgia plástica e namorou a musa da revolução, Iara Iavelberg. Tudo em 1969, não dava para perder tempo, logo ele, também, seria morto. 

Achando o AI-5 limitado, Costa e Silva decretou 11 Atos Institucionais em 1969 e outorgou a 7ª Constituição Brasileira, que incorporou todos os atos e decretos desde o golpe de 1964. A ditadura era legalista, o suprassumo do autoritarismo era disposto em lei. Pródiga em crises institucionais, teve uma séria quando Costa e Silva teve uma trombose e afastou-se. Assumiu uma junta de três militares, logo alcunhada de “os 3 patetas”, que impediu o vice (civil) Pedro Aleixo de assumir para ele aprender a não ser “do contra”, pois tinha se recusado a assinar o AI-5. Os “patetas” baixaram o AI-14, instituindo a Lei de Segurança Nacional – que previa pena de morte, prisão perpétua e banimento. A linha dura bancou a candidatura de Médici, tido como o pior dos ditadores, mas outro qualquer seria igual, era a lógica da época. Para moldar a geração que viria (a minha) o Decreto-Lei nº 869 pôs “Educação Moral e Cívica” no sistema educacional. E para encerrar o ano político de 1969, Paulo Maluf assumiu a prefeitura de São Paulo, iniciando uma eficiente carreira de predador do Estado. 


Sinto inveja de Benjamin Button, o personagem de Scott Fitzgerald que nasce velho e morre bebê. Poderia ter nascido em 1929 com 80 anos. Regredindo, em 1969 teria 40 anos e veria os fatos aqui descritos. Assistiria a um show de Chico Buarque e refletiria sobre as canções, ao invés de ir para os shows de hoje onde se pede para ²tirar os pezinhos do chão e jogar as mãozinhas para cima². Ouviria os lançamentos da época: Abbey Road, Led Zeppelin II, Tommy, Ummagumma, discos de Chico, Caetano e Gil, ao invés de ter que aturar o excremento que a indústria musical atual produz. Acompanharia as lutas e fatos políticos da época, ao invés de assistir a pasmaceira previsível que se tornou a política atual. Me preocuparia com o “pequeno” passo de Armstrong, ao invés da gripe suína, do aquecimento global e da corrupção no Brasil. Gostaria de ter 40 anos em 1969 e acompanhar tudo in loco. Mas, assim, tal qual Button, hoje eu teria dois meses de vida e seria inane. Como diria Lennon & McCartney, let it be... 

Dedico este artigo a minha “Daisy” (eterna namorada). “No curioso caso de Benjamim Button”, Daisy (Cate Blanchett) é sua paixão. Enquanto ele rejuvenesce, ela envelhece, mas o amor deles resiste a tudo, principalmente ao tempo. Em meu caso, minha Daisy não envelhece. Com seu amor, ternura e alegria oxigena minha vida, impedindo que eu mesmo envelheça. Assim, nosso amor nos eterniza!


Queria ter 40 anos em 1969 - Parte I

Da Série "Um artigo para chamar de meu" - Publicado em junho 2009 no www.paraibaonline.com.br 


Faço 40 anos como se degustasse um vinho raro, sorvendo sua essência. Aos 40 não se é mais jovem, imprudente, mesmo que ainda não se ganhe lenços e meias. Sinto-me bem, os cabelos brancos não me inquietam e o colesterol está em 166. Tenho esposa e filhos que me amam, um mínimo de experiência, já fiz algumas coisas boas, e outras nem tanto, e ainda não penso na aposentadoria. 


Nasci em 1969, o ano maldito em oposição a 1968, que para muitos não terminou. Se um não findou, o outro não pode ter começado. Já li que 1969 começou na fatídica 6ª feira, 13\12\, quando o AI-5 foi decretado. Nessa excêntrica visão, fatos parecem não se processarem, acontecem de forma estanque ou são randomicamente postos nos anos. Se ‘68’ mudou vidas, ‘69’ fez o quê? Meu apreço por este ano se dá pelo que nele aconteceu e não porque nele nasci. Farei uma seleção, arbitrária como todas, de fatos que queria ter visto in loco, não importando se bons ou ruins, pois a realidade é assim, diferente do ideal. Veremos que o “museu de grandes novidades”, do qual Cazuza falava, começou aqui. 

Em 1969 “Butch Cassidy and the Sundance Kid”, com Paul Newman e Robert Redford, foi lançado, com bela trilha sonora. O 6° filme de James Bond, “007 a serviço de sua majestade”, saiu com George Lazenby – pior, só Daniel Craig que desconhece a psique bondiana. Tivemos ainda clássicos como “Satiricon”, “Macunaíma”, “Meu ódio será sua herança”, “Perdidos na noite”, “Easy Rider”, “Z” de Costa-Gravas e “O dragão da maldade contra o santo guerreiro” de Glauber Rocha. 


Meus heróis, The Beatles, fizeram “Abbey Road” - arte em forma de disco. Nasci embalado por Something, Come Together, Here Come the Sun, Golden Slumbers, Octopus´s Garden. Eles se apresentaram pela última vez, no telhado da Apple Records, em Londres. O show foi encerrado pela polícia, eles riram e John Lennon sentenciou: “the dream is over”. Lennon disse que era só mais uma banda de rock que acabava, pois havia uma nova realidade. Era “apenas” uma banda de rock, mas que banda! Azar meu, cheguei quando eles iam embora. 

Pink Floyd lançou Ummagumma – experimentação e psicodelismo levados as últimas consequências.The Who, com Daltrey & Townshend drogadíssimos, lançou a ópera-rock “Tommy” e em Led Zeppelin II o rock era como tinha que ser: guitarras pesadas e distorções. Caetano Veloso lançou seu “álbum branco” e os Mutantes fizeram seu segundo disco com versos como “a vida é um moinho/é um sonho o caminho” e Gal Costa surgiu com seu primeiro disco solo. Brian Jones, do Rolling Stones, apareceu morto numa piscina. Fiéis ao lema “pedras rolantes não criam musgo”, os Stones lhe dedicaram o show do Hyde Park, em Londres, três dias após a tragédia. Simon & Garfunkel fizeram a turnê de “Bridge Over Troubled Water", gravaram tudo e, 15 anos depois, saiu “Live 1969”, que comprei e ouvi até que minha mãe implorasse para parar.

Chico Buarque foi para a Itália e lançou um disco com músicas em italiano. Lá ficou, pois a obtusidade militar não o pouparia. Ficou seu alônimo Julinho da Adelaide que gravou “Acorda Amor”, mostrando como era o Brasil de 1969. Dizia Julinho: “se eu demorar uns meses convém, às vezes, você sofrer; mas depois de um ano eu não vindo, ponha a roupa de domingo e pode me esquecer”. Caetano e Gilberto Gil foram presos, humilhados e exilados, mas Gil deixou “Aquele Abraço”. 


O IV Festival Internacional da Canção e o V Festival da MPB aconteceram, polêmicos como queria a época e ricos em talentos, apesar de “Dom & Ravel”, o Chitãozinho e Xororó da época, só que pior e a serviço da ditadura. Surgiu o tablóide “Pasquim”, irreverente e debochado, que vendeu 200 mil cópias com Leila Diniz na capa. Enquanto isso, Vinícius de Moraes casava-se pela 5ª vez, tomava seu cachorro engarrafado e compunha, com Tom Jobim, belas canções. Vera Fisher foi eleita Miss Brasil e entrou para o show business. E teve o festival de Woodstock - um desbunde geral, regado a sexo, drogas & rock and roll. Imagine ver Joe Cocker cantando “A Little Help From My Friends”, com aquele vozeirão de bluzeiro do meio-oeste americano?!


quinta-feira, 3 de abril de 2025

"Brincando" com a IA e se queimando com as Big Techs

 

Andei utilizando a "inocente brincadeira de transformar uma imagem minha em desenho", até fiz umas postagens no Instagram. Mas, isso não tem nada de inocente, muito menos é uma brincadeira. Facilmente, me deixei levar pela "modinha" de pessoas transformadas em personagens dos animes, principalmente dos japoneses. Afinal de contas, quem não gostaria de ver a imagem do aniversário do netinho em formato anime? Foi exatamente isso que pensei, antes de refletir, quando vi o que se pode fazer com nossas imagens que são, na verdade, nossas lembranças, memórias, sentimentos, etc. 



Essa é mais uma das estratégias das Big Techs para ter acesso a uma das coisas mais valiosa do mundo em nossos dias, se brincar mais do que o próprio petróleo, e que dá sustentação ao modelo de negócio das plataformas, garantindo que o processo de acumulação de capitais siga sendo a base de sustentação do sistema capitalista. Claro, estou falando de DADOS e de INFORMAÇÃO, que não brotam da terra feito mato, e que vão sendo a matéria prima dos SERVIÇOS de INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL (IA).

Funciona assim: eu dou vários dados e informações sobre mim e a IA me dá em troca um desenho bonitinho meu. Lembrando, sempre, que eu ainda pago por isso. Eu fico com o desenho e a Big Tech fica com os meus dados, que vão alimentar os algoritmos e que me "oferecerão" produtos, na forma de publicidade, para que eu consuma como se não houvesse amanhã. 

O fato é que as Big Techs avançaram bastante em seu poder sobre o funcionamento das redes sociais e, consequentemente, sobre nossa subjetividade coletiva. Precisamos urgentemente refletir sobre com uma "trend" (uma tendência que nomeia conteúdos que atingem picos de popularidade instantaneamente e por um certo tempo nas redes sociais) se torna algo viral para logo depois cair em nosso esquecimento. Digo no nosso, pois os algoritmos possuem uma memória de elefante e não "esquecem" nenhum dado que passamos para eles.



Vi, no Instagram, Mari Lacerda (@MariLacerdaPT) explicando que as redes sociais foram "inundadas (por) imagens de pessoas transformadas em personagens de anime na estética do Studio Ghibli, conhecido por obras como "A viagem de Chihiro". Inclusive, Hayao Miyazaki, que fundou o Studio Ghibli, disse ser contra o uso da IA para produção de animações, pois ela usa obras de artistas sem autorização e sem atribuir créditos.

Mari Lacerda diz ainda que "é um novo nível de domínio capitalista sobre trabalhadores e trabalhadoras (pois) 'evoluímos' da exploração da força de trabalho para o roubo do trabalho alheio, sem qualquer ideia do pagamento por esse trabalho". Ainda, precisamos atinar para o fato de que essas tais "trends" atestam o poder das Big Techs, e de suas ferramentas, sobre as sociedades pela facilidade com que criam o famoso efeito manada. É aquela história mesmo de eu-vou-postar-porque-tá-todo-mundo-postando ou se-todo-mundo-está-fazendo-não-deve-ter-problema-nenhum.


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