quarta-feira, 23 de abril de 2025

CAMPINA GRANDE: UMA CIDADE QUE JÁ FOI SINISTRA (parte 3).

SOARES, Gilbergues Santos. CAMPINA GRANDE: UMA CIDADE QUE JÁ FOI SINISTRA -  Gilbergues Santos Soares. In: GAUDÊNCIO, Bruno Rafael de Albuquerque; NORMANDO, Roberto Jeferson. ENTRE LUTAS E RESISTÊNCIAS: Histórias, memórias e perspectivas da esquerda em Campina Grande. Campina Grande (PB): Editora da Universidade Estadual da Paraíba, 2025. 


PARTE 3

 

As teses nacionalistas entraram em Campina Grande através do “Grêmio Literário Machado de Assis”, frequentado por intelectuais de esquerda e seguidores do deputado federal José Joffily do PSD e da FPN. O Grêmio serviu de base para a criação, em agosto de 1957, do Movimento Nacionalista Brasileiro – Seção de Campina Grande, que tinha, como o nacional, uma composição heterogênea. O MNB local participou dos movimentos políticos da cidade de 1958 até o golpe de 1964 e das eleições municipais de 1959 e 1963 (Sylvestre, 1988).

Os militantes do MNB campinense atuavam para inserir os problemas da cidade no contexto das questões nacionais. Dessa forma, o alvo de suas ações eram as empresas estrangeiras Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro SA (SANBRA) e Anderson Clayton, que possuíam filiais em Campina Grande, e atuavam no processo de industrialização do algodão e do sisal, produtos caros à economia da cidade. O MNB acusava essas duas empresas de impedirem que pequenos industriais paraibanos comercializassem seus produtos e de se apropriarem da produção local. Devido a desleal concorrência que promoviam, graças ao poder econômico que possuíam, as empresas criavam problemas para os produtores locais, como a dificuldade de manter e renovar maquinário. Segundo o MNB, “a força monopolista da ‘SANBRA’ e ‘Clayton’ é dirigida contra agricultores na imposição dos preços do algodão e do sisal de acordo com interesses estrangeiras” (Sylvestre, 1988, p. 77).

O MNB campinense se desenvolveu a ponto de criar, em 1958, o Jornal Evolução que chegou a circular diariamente no início de 1960. Possuía, também, um programa semanal de rádio chamado “Voz Nacionalista”. Os dois divulgavam as ideias e ações do movimento nacionalista, em nível local, estadual e nacional. O jornal Evolução se ocupava, também, do sindicalismo. Os apresentadores do “Voz Nacionalista” enfatizavam que “numa cidade onde o entreguista Assis Chateaubriand conta com duas emissoras de rádio e um diário, um programa desse tipo é uma verdadeira arma popular!” (Sylvestre, 1988, p. 104). De fato, entre as décadas de 1950 e 1960, o movimento nacionalista campinense funcionava como uma espécie de caixa ressonância, para a sociedade local, do que ocorria no país (Santos, 2015).

Porém, é na década de 1960 que se vê bem a característica campinense de asorver movimentos políticos nacionais. Um bom exemplo foi quando do impasse institucional criado pela renúncia do presidente Jânio Quadros em 1961. Setores das Forças Armadas, e da sociedade civil, não aceitaram a posse do vice-presidente eleito João Goulart. Criou-se, então, a “Cadeia da Legalidade”, liderada pelo governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola e pela União Nacional dos Estudantes (UNE) (Ferreira, 2016).

Em Campina Grande, aconteceram movimentos em defesa da legalidade. O CEC decretou greve geral dos estudantes e lançou, junto com sindicatos, o “Manifesto ao Povo Campinense”, onde o nacionalismo é a marca. A Câmara Municipal de Vereadores aprovou moção em defesa da legalidade e se declarou em sessão permanente até que fosse selado o acordo político-militar que permitiu a posse de João Goulart (Sylvestre, 1988).

Inclusive, existia, no legislativo campinense, um bloco nacionalista composto por sete vereadores. Um deles, Ronaldo da Cunha Lima [76], apresentou projeto de lei para que o espaço físico entre os edifícios da Câmara dos Vereadores e da Prefeitura Municipal fosse denominado “Largo da Legalidade”, com aposição de um busto de Leonel Brizola. Já o vereador Williams Arruda [77] apresentou um requerimento à Mesa Diretora da Câmara Municipal para que as emissoras de rádio da cidade integrassem à “Cadeia Nacional da Legalidade”. Além dessas ações, durante os dias 26 e 27 de agosto de 1961, foram organizados comícios e passeatas pela cidade contra as tentativas de impedir a posse de Goulart (Sylvestre, 1988).

A década de 1960 iniciou-se movimentada em todo o país. Eclodiam movimentos políticos e sociais tendo as reformas de base como objetivo central e em Campina Grande não era diferente. (Santos, 2015). Entre 1960 e 1968, o movimento estudantil ganhou força devido à atuação do CEC, fundado, em 1937, por estudantes que conheceram o Centro Estudantil Cearense, numa viagem a Fortaleza, e resolveram fundar uma entidade análoga em Campina Grande. [78] Já na década de 1940, os militantes do CEC participaram de manifestações a favor da redemocratização e da anistia. Na década de 1950, realizaram passeatas em protesto ao assassinato de Félix Araújo e em favor dos movimentos nacionalistas (Nascimento, 1990). 

A atuação do CEC se intensificou com a campanha pela posse de Goulart. A partir daí liderou greves contra os aumentos das passagens de ônibus e das entradas de cinemas. Claro, o CEC focava suas atenções nas questões da educação. Assim, organizou movimentos a favor da equiparação do curso básico de comércio ao ginasial e para que os concluintes do Curso Técnico e de Comércio pudessem prestar vestibular para faculdades. Pelo seu nível de organização, influenciava, e até mediava, questões sociais e políticas da cidade, além de “importar” discussões e movimentos que aconteciam nos grandes centros urbanos do país. Por isso mesmo, funcionava como uma espécie de porta-voz das demandas e problemas comunitários, sem, no entanto, perder de vista as questões nacionais (Nascimento, 1990).


[76] Ronaldo da Cunha Lima foi vereador e prefeito de Campina Grande nos anos 1960, tendo sido cassado por força do Ato Institucional nº 5 de dezembro de 1968. [77] Foi prefeito de Campina Grande entre os anos de 1964-1969. [78] Esta versão é apresentada por Josué Sylvestre. Mas, existe outra versão, não documentada, que diz que os fundadores do CEC resolveram mudar a grafia da palavra estudantil já que o país vivia sob a ditadura do Estado Novo. Os estudantes teriam optado por uma grafia diferente como forma de burlar a vigilância dos órgãos de repressão. Para eles, “estudantil” teria conotação comunista, já “estudantal” remeteria a uma entidade esportiva, cultural ou mesmo de lazer.

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