segunda-feira, 21 de abril de 2025

SOARES, Gilbergues Santos. CAMPINA GRANDE: UMA CIDADE QUE JÁ FOI SINISTRA -  Gilbergues Santos Soares. In: GAUDÊNCIO, Bruno Rafael de Albuquerque; NORMANDO, Roberto Jeferson. ENTRE LUTAS E RESISTÊNCIAS: Histórias, memórias e perspectivas da esquerda em Campina Grande. Campina Grande (PB): Editora da Universidade Estadual da Paraíba, 2025. 

PARTE 2

 

Afastado do PCB, Félix Araújo atuou como vereador até julho de 1953, quando foi assassinado por João Madeira, segurança do então prefeito da cidade Plínio Lemos. Ao que parece, o crime teve implicações políticas, já que Félix presidia uma comissão investigativa que vinha encontrando irregularidades nas contas da administração municipal. O fato é que o assassinato ganhou proporções políticas. Identificado com as lutas da esquerda, além das manifestações nacionalistas que cresciam país afora, Araújo tornou-se símbolo desses movimentos em Campina Grande (Sylvestre, 1981, p. 70).

Importa encorpar a discussão sobre o PCB, pois falar em movimentos políticos e ideológicos em Campina Grande, entre os anos 1940 e 1960, e não relevar a atuação do PCB local é algo temerário. Interessa notar que o partido cresceu na cidade desde que passou a defender uma atuação pacífica e reformista, valorizando a participação nas instituições democráticas, principalmente no parlamento. Com esse espírito, e lastreado pela atuação que vinha sendo feito desde a democratização de 1945, o PCB elegeu (em 1955) Oliveiros Cavalcanti de Oliveira o primeiro vereador comunista de Campina Grande (Oliveira, 1999). Apesar de ter sido candidato pela Coligação Social Trabalhista, composta por PSD e PTB, Oliveiros era membro do Comitê Municipal do PCB e foi eleito com os votos desse partido. [70]

Os comunistas campinenses atuavam no meio sindical, no movimento estudantil e nas Ligas Camponesas. Como tinham o gabinete do vereador Oliveiros na Câmara Municipal, dispunham de facilidades, sobretudo financeiras, para promover atividades como a organização da celebração do 1º de Maio e para criarem entidades como as Associações de Amigos de Bairro. Além disso, desenvolviam atividades de agitação e propaganda, como o pichamento de muros e a distribuição de panfletos nas portas das fábricas existentes na cidade, mesmo que a atividade central fosse a realização de reuniões e assembleias (Oliveira, 1999).

Os sindicatos mais atuantes, e que estavam sob a liderança de militantes do PCB, eram os dos trabalhadores na indústria, no comércio e nos bancos. No Sindicato das Indústrias atuava-se, principalmente, pela manutenção de direitos trabalhistas, como 13º salário, férias proporcionais remuneradas e assinatura da carteira de trabalho. A estratégia dos comunistas era organizar pequenas paralizações nas fábricas [71], através da mobilização que as células do partido, compostas por operários, conseguiam realizar (Oliveira, 1999). O PCB campinense orientava seus militantes sindicalizados a levarem para os sindicatos as palavras de ordem do partido, sendo que a recíproca nem sempre deveria ou poderia ser verdadeira (Santos, 2015).

No movimento estudantil, os estudantes ligados ao PCB, participavam de diretorias do Centro Estudantal Campinense (CEC) entre 1955 e 1964, bem como de diretórios acadêmicos universitários, como o da Faculdade de Direito da Universidade Regional do Nordeste (URNE) onde, segundo o ex-militante do PCB Antônio Arroxelas, dispunha-se de um núcleo bem-organizado para liderar atividades políticas (Arroxelas, 1999). O PCB atuava, ainda, junto às Ligas Camponesas, deslocando militantes para o trabalho político na cidade de Sapé [72]. Foi assim que teve contatos com outras organizações e lideranças da esquerda. No final da década de 1950, o advogado Francisco Julião despontou em Pernambuco como liderança do movimento camponês. Sua atuação contribuiu para que o PCB campinense tivesse contato com discussões travadas entre reformistas e revolucionários em nível nacional. É o próprio Oliveiros quem fala das discussões sobre como se junto às Ligas Camponesas. É onde se percebe como se dava a luta pela hegemonia do movimento em torno da reforma agrária.

Nas Ligas, o partido atuou pelo comando e pela ação parlamentar de seus representantes. [...] tinha divergências porque Julião era radical e intervinha no processo, provocando a luta armada sem possibilidades de vitória. O partido não se afastava para não perder o contato com as massas, mas sentia que não daria certo. Quando Julião entrou, muitos membros do partido aderiram, era o grupo que defendia a reforma agrária na lei ou na marra. Durante os primeiros anos das Ligas, na Paraíba, o partido conquistou grandes vitórias: acabou com formas feudais de exploração da terra - meia, terço, cambão, pagamento do salário em comida, o barracão (Oliveira, 1999, p. 9-10).

Mas, os militantes comunistas locais ainda se incumbiam de outras tarefas mais restritas, principalmente a partir do golpe civil-militar de 1964, como a rganização de reuniões orgânicas e o acolhimento de militantes, vindos de outros Estados para desenvolverem atividades políticas ou por estarem sendo perseguidos pela polícia. Antônio Arroxelas conta como acolheu, em sua residência, um dirigente nacional que veio, clandestinamente e com pseudônimo, a Campina Grande participar de uma reunião representando o Comitê Central do PCB em meados de 1967 (Arroxelas, 1999).

Havia, ainda, a militância do dia a dia, corriqueira, que demonstra um nível de organização bastante avançado: “O trabalho aqui era de pichamento de muro, lançamento de foguetes e faixas, ajudar movimento operário na celebração do 1° de maio, transformar clubes em organismos de defesa dos interesses populares” (Oliveira, 1998, p. 12).

Após o golpe de 1964, os comunistas locais estruturaram gráficas clandestinas para confeccionar material de propaganda, boletins e jornais que eram distribuídos em Campina Grande ou enviados para outras cidades (Oliveira, 1999). Em duas oportunidades, segundo reportagens do Diário da Borborema, foram apreendidos materiais de organizações de esquerda em ônibus que se dirigiam para outras cidades, saindo de Campina Grande. Na primeira matéria, fala-se de livros de autores marxistas encontrados em um ônibus que ia de Campina Grande para João Pessoa. [73]. Na segunda reportagem, relata-se a apreensão de farto material, como panfletos, jornais do PCB e material de estudo em um ônibus com destino à cidade de Caruaru. [74]. Já em setembro de 1971, o mesmo Diário da Borborema trouxe a seguinte reportagem:

Fontes da Polícia Federal, dão conta que todos os seis membros do aparelho terrorista, desbaratado no mês de agosto passado, estão presos incomunicáveis, a disposição da auditoria da 7ª Região Militar, no Recife, aguardando julgamento. Eles eram responsáveis pela publicação de um jornal clandestino, ‘Voz Operária’, de caráter subversivo, que era impresso em Campina Grande e distribuído para todo o Nordeste. [75]

A estrutura orgânica do PCB de Campina Grande se assemelhava a do partido em nível nacional. Existia um Comitê Municipal que se encarregava da direção e células que se organizavam de acordo com o local de trabalho, estudo ou moradia dos militantes. Nas épocas em que a repressão política estava mais acirrada, as células podiam ser subdivididas, ou somadas, de acordo com as necessidades de segurança de seus militantes. Inclusive, havia total subordinação da estrutura local em relação ao Comitê Central do partido. Oliveiros Oliveira relata como se dava o processo decisório no partido:

O partido tinha suas organizações de base, sua direção regional e nacional, mas todas as diretrizes vinham de cima. Em 1950, lançaram o Manifesto de Agosto, e eu fui a uma reunião em João Pessoa para discuti-lo. Lá disseram que quem discordasse seria expulso, que não tinha nada a adicionar e disseram: ‘Dê uma opinião’. Eu respondi: ‘Não, tem opinião não. Se discutir não vai ser expulso? Então é aceitar. É crer ou morrer (Oliveira, 1998, p. 9, grifos do autor).

Na volta dessa reunião, Oliveira reuniu militantes do PCB de Campina Grande e comunicou que existia um documento intitulado Manifesto de Agosto. Nele, determinava-se que o caminho para a transformação social seria a luta armada, que o dever dos comunistas era organizá-la e que não deveria haver divergências. Segundo Oliveira, todos aceitaram a diretriz, mas, convencidos de sua nulidade, mantiveram suas atuações em seus respectivos sindicatos, ocupados com as questões trabalhistas. Quando questionado por que os comunistas locais aceitavam permanecer num partido que não levava em consideração a opinião das bases, Oliveira foi lacônico: “Pela crença e pela fidelidade ideológica” (Oliveira, 1998, p. 11). Na década de 1950, a tese de que o subdesenvolvimento do Brasil era fruto da dependência econômica que o país tinha perante o capital financeiro internacional ganhava adeptos. Vários setores da sociedade começaram a defender que o Brasil deveria se tornar independente, de fato, para ter total alcance sobre suas riquezas e sobre seu desenvolvimento. O exemplo disso foi a campanha em defesa do monopólio estatal do petróleo (Ferreira, 2016). Defendendo ideias como essas, surgiram em Campina Grande entidades como a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), reunindo deputados de vários partidos, e o Movimento Nacionalista Brasileiro (MNB), que reunia militares, liberais, comunistas, socialistas e católicos (Sylvestre, 1988).

[70] PCB não tinha registro no Tribunal Superior Eleitoral que lhe permitisse funcionar legalmente. A estratégia dos comunistas era filiar seus candidatos em partidos de centro esquerda ou afins. Os partidos aceitavam tal estratégia, pois ganhavam votos dos comunistas para suas legendas e candidatos a cargos majoritários (Carone, 1982a). [73] “Material considerado subversivo apreendido no ônibus”. In: Diário da Borborema, 25 de setembro de 1969. [74] Manchete do Diário da Borborema, em 24 de junho de 1971: “Exército apreende material subversivo no Tambor”. [75] Manchete do Diário da Borborema, em 07 de setembro de 1971. “Terroristas do jornal já estão presos”.

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