sexta-feira, 25 de abril de 2025

CAMPINA GRANDE: UMA CIDADE QUE JÁ FOI SINISTRA - Parte 4.

SOARES, Gilbergues Santos. CAMPINA GRANDE: UMA CIDADE QUE JÁ FOI SINISTRA -  Gilbergues Santos Soares. In: GAUDÊNCIO, Bruno Rafael de Albuquerque; NORMANDO, Roberto Jeferson. ENTRE LUTAS E RESISTÊNCIAS: Histórias, memórias e perspectivas da esquerda em Campina Grande. Campina Grande (PB): Editora da Universidade Estadual da Paraíba, 2025.


PARTE 4

 

Tratava-se de uma entidade com mecanismos e reivindicações específicas, mas que pautava sua atuação pelas lutas políticas nacionais. O CEC possuía um “mini-legislativo” com 21 representantes [79] que semanalmente se reunia. Esses representantes, que podiam ser ligados a partidos políticos, debatiam ideias e apresentavam projetos (Nascimento, 1990). É sintomático que muitos deles tenham enveredado para a política institucional, como é o caso de Ronaldo da Cunha Lima, para ficar em um exemplo. Talvez seja por isso que a entidade fosse chamada, para o bem e para o mal, de “escola de líderes” (Santos, 2015).

Media-se a relevância do CEC, para a cidade de Campina Grande, pela forma como as eleições para sua diretoria mexiam com a cidade. Os partidos e políticos tradicionais se envolviam na disputa, lutando aberta ou disfarçadamente em prol das chapas ligadas às suas agremiações. Os candidatos à presidência iam às salas de aula dos diversos colégios, públicos e privados, participavam de debates e comícios à porta das escolas ou na Praça da Bandeira. Ainda se faziam passeatas e distribuíam boletins e panfletos, além dos carros de propaganda circulando pela cidade. No dia da eleição, ônibus e automóveis transportavam os “eleitores” dos bairros para os locais de votação (Nascimento, 1990).

Até meados de 1963, o CEC era, em geral, presidido por estudantes ligados aos partidos e políticos tradicionais. Com golpe de 1964, ou por causa dele, estudantes de esquerda, ligados em sua grande maioria ao PCB, passaram a dirigir a entidade. Como nos diz Oliveiros: “O CEC era grande, por isso mesmo fecharam e acabaram com ele. Naquele tempo, não havia cursos universitários e os secundaristas mandavam na cidade” (Oliveira, 1999, p. 9). Atenta à conjuntura, a entidade se concentrou em ações, como os protestos públicos contra a ditadura militar e manteve-se ativa até a edição do Ato Institucional Nº 5. Com uma intervenção, em 1969, o CEC fechou suas portas para nunca mais abri-las, até porque muitos de seus militantes partiram para outros tipos de atuação política (Santos, 2015).

Como o movimento estudantil, as Ligas Camponesas também se organizaram em Campina Grande. A mais relevante delas foi a Liga do Bairro do Tambor, liderada pela advogada Ofélia Amorim, ligada ao deputado federal Francisco Julião que esteve algumas vezes em Campina participando de manifestações e reuniões (Almeida, 1999). Importa enfatizar que militantes do PCB, juntamente com membros da Igreja Católica, atuavam junto às Ligas. “Não é coincidência que o processo de formação inicial das Ligas ocorreu no início da década de 50, quando o PCB começou a trabalhar no sentido de capacitar teoricamente seus militantes, ou seja, criar quadros para a luta política” (Aued, 1986, p. 53).

Campina Grande, como todo o país, entrou em ebulição em 1963. Na eleição desse ano, Newton Rique foi eleito prefeito pelo PTB com uma plataforma nacionalista e popular. Rique aprovava as propostas reformistas de João Goulart e mantinha clara mensagem desenvolvimentista, influenciado que foi pelos economistas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), onde ocupou o cargo de diretor entre 1960 e 1962.

Após a posse de Newton Rique, nacionalistas da cidade promoveram manifestações em favor das reformas de base e pressionaram deputados federais do Estado para que votassem a favor delas no Congresso Nacional. Mas, com o golpe civil-militar, eles foram desarticulados e já, em junho de 1964, Rique teve seu mandato cassado por um decreto do governo militar de Castelo Branco. A justificativa para sacá-lo da prefeitura foi a acusação, nunca comprovada, de ele ter cometido irregularidades nas contas da administração pública (Sylvestre, 1988).

Cassar Newton Rique foi a forma dos militares para desarticular o movimento nacionalista campinense. Militantes do MNB local, que atuaram junto a Rique efetivando projetos reformadores, foram afastados da administração municipal, pois o prefeito que assumiu, João Jerônimo da Costa, havia se comprometido com o governo militar que implantava uma ditadura. Campina Grande entrou nos anos 1970 sobre intervenção militar, sendo governada por um major do Exército.

Os movimentos e organizações políticos aqui descritos foram todos desarticulados por uma brutal repressão estatal. Isso foi o começo do fim. Foi a partir da ditadura militar que Campina Grande foi deixando de ser “sinistra” para se tornar “destra”, mas isso já é história para outro momento.

 [79] Cada escola secundária de Campina Grande elegia um representante para compor o conselho da entidade.

Referências
ALMEIDA, Ana Rita. Ana Rita Almeida: entrevista [ago. 1999]. Entrevistador: Gilbergues Santos Soares. João Pessoa. 284 min.
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964/1984). 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1984.
ARROXELAS, Antônio Augusto. Antônio Augusto Arroxelas: entrevista [jul. 1999]. Entrevistador: Gilbergues Santos Soares. João Pessoa. 222 min.
AUED, Bernardete W.  A vitória dos vencidos (Partido Comunista Brasileiro - PCB - e Ligas Camponesas). Florianópolis: Ed. da UFSC, 1986.
BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda. São Paulo: Editora Unesp, 1995.
 CARONE, Edgar. O PCB - 1922/1943. v. I. São Paulo: Difel, 1982a.
 _______________. O PCB - 1943/1964. v. II. São Paulo: Difel, 1982b.
 _______________.  O PCB - 1964/1982. v. III. São Paulo: Difel, 1982c. 228
FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de A. Neves. (Organização). O Brasil Republicano – O tempo da experiência democrática, da redemocratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
GURJÃO, Eliete de Queirós. Morte e vida das oligarquias. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 1994.
NASCIMENTO, Gilmar dos Santos. O Centro Estudantal Campinense: 1955/1960 - Estudo sobre uma geração de lideranças políticas de Campina Grande. Dissertação apresentada no curso de Mestrado em Sociologia da UFPB: Campina Grande, 1990.
OLIVEIRA, Oliveiros Cavalcante. Oliveiros Cavalcante de Oliveira: entrevista [ago. 1999]. Entrevistador: Gilbergues Santos Soares. João Pessoa. 263 min.
SANTOS, Gilbergues. Heróis de uma revolução anunciada ou aventureiros de um tempo perdido? A atuação das organizações de esquerda em Campina Grande – 1968-1972. Campina Grande-PB: Editora da UEPB, 2015.
SOUZA, Mª do Carmo Campello. Estado e partidos políticos no Brasil (1930/1964). São Paulo: Alfa-ômega, 1983.
SYLVESTRE, Josué. Nacionalismo e Coronelismo (1954 a 1964) - Fatos e Personagens da História de Campina Grande. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico. 1988.
 ________________. Lutas de vida e de morte (1945 a 1953) – Fatos e Personagens da História de Campina Grande. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico. 1981.

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