SOARES, Gilbergues Santos. CAMPINA GRANDE: UMA CIDADE QUE JÁ FOI SINISTRA - Gilbergues Santos Soares. In: GAUDÊNCIO, Bruno Rafael de Albuquerque; NORMANDO, Roberto Jeferson. ENTRE LUTAS E RESISTÊNCIAS: Histórias, memórias e perspectivas da esquerda em Campina Grande. Campina Grande (PB): Editora da Universidade Estadual da Paraíba, 2025.
PARTE 1
Ao final das eleições de 2014, com a presidenta Dilma
Rousseff reeleita e Aécio Neves ficando em 2º lugar, a distribuição dos votos
pelas regiões brasileiras pedia nossa atenção. Enquanto o Norte e o Nordeste
apareciam majoritariamente em vermelho, as cores do Partido dos Trabalhadores
(PT) de Dilma, o Sul e o Sudeste mostravam-se na cor azul, do Partido da Social-Democracia
Brasileira (PSDB) de Aécio. Na época, muito se falou daquele pontinho azul,
“perdido” no mapa eleitoral nordestino, absolutamente encarnado [62]. Era Campina Grande
única cidade paraibana onde o candidato do PSDB ficou em 1º lugar [63]. Isso já tinha
acontecido em 2010 e se repetiu em 2018, quando o candidato da extrema-direita
de tipo fascista, Jair Bolsonaro (PL), defensor da tortura e da ditadura
militar, do racismo, da homofobia, dentre outras coisas, venceu nos dois turnos
em Campina Grande.
Mas, nem sempre foi assim! Esse viés conservador e de
“la destra” do eleitorado campinense é relativamente recente. Neste artigo,
pretendo demonstrar como historicamente Campina Grande apresentou características
políticas e ideológicas progressistas e de “la sinistra”. [64]. A intenção é reunir
informações para que possamos entender como a cidade pôde, por exemplo, abrigar
organizações de esquerda revolucionárias que lutaram contra a ditadura,
implementada com o golpe civil-militar de 1964. Importa analisar a ambiência
política que deu lastro à atuação de uma entidade que congregava estudantes, de
um movimento nacionalista e de organizações em defesa das Reformas de Base e
das Ligas Camponesas. Também, interessa atentar para como o Partido Comunista
Brasileira (PCB) se organizou e atuou na cidade, considerando a efeméride dos
100 anos de sua fundação.
Até o início dos anos 1940, Campina Grande não se
diferenciava de outras cidades do interior nordestino. A política local era
marcada pela presença de grupos políticos tradicionais que se alternavam no poder,
sempre a serviço de seus próprios interesses. Como não existiam os partidos
nacionais, cada grupo local/regional criava sua agremiação para poder controlar
a distribuição de favores. Em “Morte e Vida das Oligarquias” vemos que “são
pequenos partidos organizados, sob o esquema clientelístico, mantendo-se,
assim, a forma de autoridade fundamentada na máquina coronelística”. (Gurjão,
1994, p. 27). Assim, existiam o Partido Republicano da Parahyba e o Partido
Progressista da Parahyba. Foi tentando se libertar disso que a sociedade
campinense chegou ao início da segunda metade do século XX.
Como em todo país, as mudanças causadas pelo final da
2ª Guerra Mundial e da ditadura do Estado Novo (1937 e 1945) alteraram a vida da
cidade e trouxeram novos atores políticos para o cenário municipal. Setores da
sociedade brasileira reivindicam o fim da ditadura getulista, que era associada
ao nazifascismo derrotado na Europa. Queria-se, também, anistia para presos
políticos, falava-se em eleição e em uma nova constituição. Os brasileiros
pareciam cansados dos autoritarismos totalizantes, pareciam querer algo
democrático. Atores políticos nacionais mais relevantes, a exemplo de Getúlio
Vargas e Luis Carlos Prestes, entenderam bem as demandas políticas da sociedade
e passaram a de fender eleições (Santos, 2015).
Em maio de 1945, a anistia política foi aprovada,
libertando os que tinham feito oposição ao governo ditatorial de Vargas. O caso
mais famoso é o de Prestes, que estava preso desde 1935, com o fracasso da “Intentona
Comunista” (Souza, 1994). A democratização de 1945 encontrou partidos nacionais
como União Democrática Nacional (UDN), Partido Social Democrático (PSD) e
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em processo de organização em Campina
Grande. O PCB [65]
é um deles, aparecendo inicialmente com outra identificação. Primeiro em João
Pessoa e logo depois em Campina Grande, surgiu, em 1945, a União Socialista da
Paraíba (USP) que um ano depois já seria o PCB. Para marcar seu aparecimento,
no cenário político da cidade, a USP lançou um manifesto no jornal A Voz
Diária, em 24 de maio de 1945:
O povo de Campina Grande não poderia permanecer alheio à renovação política nacional e mundial, oriunda da derrota do fascismo e da crescente importância das massas na vida dos povos. Por isso mesmo, acaba de organizar-se o núcleo local da União Socialista da Paraíba, com o fim de, oportunamente, filiar-se ao Movimento Socialista Nacional, liderado por Luís Carlos Prestes (Sylvestre, 1981 p. 38).
As intenções dos manifestantes, em nome de um “Comitê
Provisório”, eram claras. Pretendiam, a partir da nova conjuntura política,
participar de forma organizada dos movimentos liderados pelos comunistas. O
trabalho da USP começou cedo a render dividendos políticos em Campina Grande.
Já nas eleições de dezembro de 1945, Yedo Fiúza, candidato a Presidente da
República pelo PCB, teve 1.455 votos na cidade. Na mesma eleição, Prestes [66] e João Santa Cruz [67] tiveram 1.501 e
1.494 votos, respectivamente. Em 1947, nas eleições para o legislativo
estadual, Félix Araújo, ligado ao PCB, teve 885 votos, ficando na 1ª suplência
de João Santa Cruz, eleito com 1.654 votos. Considerando que Campina Grande
tinha 18.304 eleitores neste período, e que estamos tratando de um movimento em
formação, essas não deixam de ser, relativamente, boas votações. [68]
Em 1951, Félix Araújo foi candidato a vereador em
Campina Grande, sendo eleito em primeiro lugar com 2.797 votos. [69] O curioso é que ele
não foi candidato pelo PCB, e sim por um certo Partido Libertador. O motivo é
que a permanência de Araújo no PCB foi muito curta. Segundo Sylvestre (1981),
ele teve os primeiros contatos com o partido comunista e com o
marxismo-leninismo alguns anos antes de ir para Itália, como voluntário da
Força Expedicionária Brasileira, lutar na 2ª Guerra Mundial. Na volta,
participou, sempre em Campina Grande, de campanhas a favor da anistia e pelo
fim do Estado Novo. Mesmo não sendo oficialmente filiado ao PCB, Félix recebia
votos que o partido dispunha em setores sindicalizados, estudantis e em bairros
populares.
Todavia, constantes desentendimentos entre Félix
Araújo e a direção estadual do PCB vinham ocorrendo desde as eleições de 1947,
pois ele enfrentava os dilemas de receber “ensinamentos da filosofia marxista-leninista,
sendo de formação cristã” (Sylvestre, 1981, p. 65). Considerando uma manifesta
vocação libertária e democrática, saiu do PCB para “livrar-se da rígida
disciplina partidária” (Sylvestre, 1981, p. 66). A saída dele, em outubro de
1948, foi o ápice de uma polêmica travada, pela imprensa, com as “figuras da
ortodoxia do PC paraibano”. Na oportunidade, divulgou uma nota em que
justificou seu afastamento nos seguintes termos: “Em face da campanha de
calúnia e de injúrias desfechadas pelos comunistas contra minha dignidade
pessoal, declaro ao povo paraibano que, por uma questão de honra, desligo-me,
neste momento, do PCB” (Sylvestre, 1981, p. 68).
[62] No Atlas das Eleições Presidenciais, no Brasil, é possível encontrar dados sobre processos eleitorais municipais, estaduais e federal a partir de 1945. Atlas das Eleições Presidenciais no Brasil (google.com). [63] A imprensa paulista alcunhou Campina Grande de “A Ilha Tucana”. Para ver maissobre isso: https://www.uol.com.br/eleicoes/2014/noticias/2014/10/25/nordeste--tem-ilha-tucana-em-cidade-conhecida-como-a-sao-paulo-da-regiao.htm. [64] Norberto Bobbio, pensador político, discute os significados de ser de direita e de esquerda em “Destra e Sinistra – Razões e significados de uma distinção política”. [65] Uma explicação semântica, mas que importa nos estudos sobre a esquerda brasileira. O que surgiu em março de 1922 foi o Partido Comunista do Brasil (PCB) - Seção da 3ª Internacional Comunista com sede na URSS. Em 1947, PCB passou a se chamar Partido Comunista Brasileiro, mantendo a sigla. No início dos anos 1960, um grupo deixou o PCB e fundou (ou refundou) o Partido Comunista do Brasil, com sigla PC do B, existente até hoje. Por cerca de 40 anos, tivemos dois partidos com legendas parecidas, PCB e PC do B. (Carone, 1982). [66] Legislação eleitoral da época permitia que um mesmo candidato concorresse tanto à Câmara como ao Senado Federal. Prestes foi candidato a senador pelo Rio de Janeiro e a deputado por vários Estados, inclusive a Paraíba. [67] Militante comunista da cidade de João Pessoa, candidato a senador da República. [68] Dados do Arquivo do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba. Departamento de Imprensa, 1973. [69] Idem.
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