Uma boa forma de entender os meandros da problemática acerca dos arquivos da ditadura é historicizando um pouco mais sobre a questão. Em 2003 a juíza federal Solange Salgado deferiu sentença em que se autorizava a quebra dos sigilos documentais e a intimação de "todos os agentes militares ainda vivos que tenham participado das operações". Inclusive, em setembro passado, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) manteve integralmente essa sentença. Criou-se, assim, a possibilidade de serem ouvidos militares de todas as patentes ativos e inativos. Óbvio, os militares ficaram revoltados e revidaram. Pressionado pela caserna o governo recorreu dessa sentença, através da Advocacia Geral da União (AGU), argumentando que ela rompia limites "ao determinar a abertura indiscriminada de todos os arquivos sigilosos" e ao impor pagamento de multa diária em caso de desobediência. A AGU não se esqueceu de tentar amenizar possíveis conseqüências e justificou que estava recorrendo pelo fato de "as Forças Armadas e o poder civil estarem plenamente integrados na garantia da ordem pública". Uma justificativa esdrúxula, já que isto não anula os fatos ocorridos durante a ditadura militar. Em 2004, o Vice-presidente e então ministro da Defesa José Alencar disse que o governo, por não temer reações à abertura dos arquivos, não deveria recorrer. Mas, o executivo federal apelou atestando que tinha sim seus temores. Então, o Tribunal Regional Federal (TRF) do Rio de Janeiro deu um passo significativo ao julgar o recurso da AGU e decidir que ministros e comandantes das Forças Armadas deveriam comparecer a audiências, sob pena de serem presos, e que se deveria iniciar a abertura dos arquivos. Mas, um passo atrás, os ministros e as autoridades militares obtiveram um salvo-conduto no Supremo Tribunal Federal (STF) para não irem às audiências e o STJ terminou por derrubar a decisão do TRF/RJ apelando para um expediente meramente burocrático – o de que a sentença tem que ser executada pela Justiça de primeiro grau e não por um tribunal federal. E assim, o pêndulo do processo democrático brasileiro continuou a movimentar-se: ora para o lado da manutenção de segredos que não podem (ou não devem) ser revelados, ora para o lado das tentativas de gerar fatos que contribuam para que o processo de transição democrático, iniciado no começo da década de 80, finalmente se complete.
Continua amanhã...
Professor do Curso de História da Univ. Estadual da Paraíba desde 1993. Mestre em Ciência Política-UFPE e Doutorando em Ciência da Informação-UFPB. Especialista em História do Brasil, com ênfase na Era Vargas e na Ditadura Militar, na democracia e no autoritarismo. Autor dos livros "Heróis de uma revolução anunciada ou aventureiros de um tempo perdido" (2015) e “Do que ainda posso falar e outros ensaios - Ou quanto de verdade ainda se pode aceitar” (2024), ambos lançados pela Editora da UEPB.
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