O sistema político brasileiro é constantemente intimidado pela aparência de ser uma democracia. Às vésperas da eleição, atores políticos expõem sua essência autoritária. Vejamos o caso de uma espécie de totalitarismo tardio vindo do partido que ocupa o poder central do país.
Em junho, quando se discutiam alianças, o presidente do PT paraibano - deputado federal Luiz Couto - anunciou a proibição de pactos com partidos que criticam o governo Lula. Couto vaticinou que coligações com DEM, PSDB e PPS só seriam homologadas mediante tácito compromisso deles não atacarem o governo. E justificou tal diretiva pela lógica da direção nacional que determinou que alianças em alguns municípios (com adversários do governo) podem até serem aceitas, desde que durante a campanha as ações da Presidência não sejam criticadas.
Por fim, a ameaça. Se até as eleições ocorrerem críticas o diretório poderá intervir e até (SIC) “prejudicar a continuidade da aliança”. Não foi dito que métodos se utilizarão para danificar uma aliança. Sendo tão inaptos às críticas, os petistas não deveriam querer compor com o DEM (por exemplo) em um dado município visto que, em algum momento, ele terá que criticar as ações do governo federal premido pelas obrigações que deve para com sua executiva nacional. Além do mais, partidos são associações de interesses e não grupos de congregados marianos.
Só mesmo o pragmatismo eleitoral dos partidos justifica um tipo qualquer de composição conjuntural que futuramente contrariará interesses. Compor com um adversário e esperar dele atitudes altruístas ou é ingenuidade, ou é dislatia política, ou as duas coisas juntas. Um partido busca se aliar a outro por considerá-lo forte. Partidos só aceitam entrar numa aliança submissos e acríticos se nada tiverem a oferecer. E não parece ser este o caso entre o PT e sua oposição. Tais alianças já nascem comprometidas na medida em que tanto aceitar imposições como criticar ações são atos que podem abrir fissuras que comprometerão futuras administrações.
O oximoro petista impressiona. Quer se reunir a adversários e como tal tratá-los, mas quer que estes não atinjam a meta fim dos partidos – a presidência da República. Quer reunir o contraditório (situação e oposição) em um mesmo palanque colhendo o bônus e deixando o ônus para seus coligados conjunturais. No final, falta um “detalhe” – combinar tudo isso com os aliados e, ainda, torcer para que eles aceitem. Convenhamos, uma missão impossível.
Aqui temos um caso anacrônico de autoritarismo e totalitarismo juntos. Autoritário porque não aceita as divergências e totalitário por pretender ser único. Ao obrigarem outros partidos a não criticarem o governo Lula, como condição para a eles se alinharem, buscam a unanimidade que rodriguianamente é coisa para néscios - ou aloprados como diria Lula.
Os petistas têm um jeito bastante peculiar de defender a democracia! Bem se sabe no meio político-partidário das dificuldades de se negociar com o PT, pois é habitual deles pedir muito para pouco dar. Cientes do poder que possuem querem anular a critica, mesmo a construtiva, até porque nunca foram lá muito afeitos a pluralidade de idéias. As históricas pendengas entre as tendências petistas demonstram bem isto.
Um aliado não deve servir só para somar votos e aprovar silenciosamente, no legislativo, as matérias de interesse do governo. Sua utilidade deve ser, também, de apontar caminhos e questionamentos. Afinal, é melhor ser retorquido por aliados do que atacado por adversários.
O que os petistas querem é compor com os partidos oposicionistas, tão somente nos municípios interioranos onde tenham capital eleitoral expressivo, impondo-lhes uma mordaça a ser estendida até o Congresso Nacional. Querem diminuir as possibilidades da oposição de crescer com as eleições municipais visando, óbvio, a disputa em 2010. Desejam uma oposição dócil por ter ganhado nacos inexpressivos de poder pelo Brasil afora, i.e., esqueceram que a política partidária é antes de tudo uma luta contínua por espaços institucionais.
O PT deve explicar a dubiedade de se aliar, em alguns municípios, a partidos que lhe fazem oposição em nível nacional. Interessa notar que em Minas Gerais a coligação PT/PSDB foi vetada, pela executiva nacional petista, na capital, mas homologada em alguns municípios do interior. Essa contradição explicita a visão utilitarista que os partidos, não só o PT, tem da política de alianças.Um partido não pode ser mais ou menos democrático. O PT, como de resto os atores político-partidários, adota ritos e procedimentos democráticos, mas conserva uma cultura política pretoriana. Vincular a democracia a determinados fins é igual a querer que ela se subordine a esses mesmos fins. É pensá-la de forma condicional e instrumental.
Postscriptum:
Também em junho, a executiva estadual definiu que só disporiam da legenda petista, para disputar o próximo pleito, os filiados quites com a tesouraria do partido. Luis Couto foi enfático: “... não permitiremos que inadimplentes com a contribuição partidária sejam candidatos”. É legal e legítimo que os partidos façam constar em seus estatutos que filiados, em cargos públicos, contribuam para manter a máquina partidária. No entanto, não houve referências aos possíveis candidatos “fichas-sujas”. Devo pressupor que aqueles com pendências jurídicas terão aval da executiva do PT para concorrer, desde que estejam adimplentes com o partido? Ou o PT não relaciona as duas questões, e prioriza sua própria manutenção, ou deve ter percebido que alguns de seus candidatos não resistiriam a uma acurada triagem jurídica.
Professor do Curso de História da Univ. Estadual da Paraíba desde 1993. Mestre em Ciência Política-UFPE e Doutorando em Ciência da Informação-UFPB. Especialista em História do Brasil, com ênfase na Era Vargas e na Ditadura Militar, na democracia e no autoritarismo. Autor dos livros "Heróis de uma revolução anunciada ou aventureiros de um tempo perdido" (2015) e “Do que ainda posso falar e outros ensaios - Ou quanto de verdade ainda se pode aceitar” (2024), ambos lançados pela Editora da UEPB.
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