Sem maiores comentário. Merece ser (bem) lido. Essas eleições trazem um novo elemento - a variável crime organizado, entra de vez para as análises eleitorais. Nossa democracia agoniza, em meio a um desastre olímpico, que bem demonstra o que somos como sociedade. Como diriam os militantes da UNE na década de 60: "... é um país subdesenvolvido, subdesenvolvido, subdesenvolvido ....".
O Estado de São Paulo - 20 de agosto de 2008
Dora Kramer
O governador do Rio, Sérgio Cabral, elogiou de início a decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre a necessidade de tropas federais atuarem desde já na garantia da liberdade de voto das populações das áreas dominadas pelas milícias e pelo narcotráfico.
Aparentemente desautorizando seu vice, Luiz Fernando Pezão, que, de imediato, desmentiu a existência de problema nos morros e disse que essa história de dominação é coisa de gente que não tem acesso aos votos das "comunidades".
Em seguida, Cabral entrou em atrito com o comandante militar do Leste, general Luiz Cesário da Silveira, que exige autorização expressa do governador para entrar em ação e lembra que, de outras vezes, foi esse o impedimento para a execução dos planos.
Cabral achou a idéia da Justiça uma maravilha, praticamente se apropriou dela, mas ponderou que o assunto de autorizações ou pedidos oficiais não é de sua alçada.O ministro da Defesa, Nelson Jobim, interferiu afirmando que a prerrogativa da autorização é do presidente da República. Mediante, porém, solicitação do governador.
Anda-se, portanto, de novo em círculos ao ritmo do velho bate-boca entre as responsabilidades de autoridades públicas enquanto o problema continua impávido, fazendo seus estragos.Noves fora, fato é que tudo segue como dantes. O presidente do TSE, ministro Ayres Brito, é um bem-intencionado. Ainda vai tentar convencer os ministros da Justiça e da Defesa de que a situação requer emergência.
Acrescente-se: requer, sobretudo, um árbitro. Um mediador imune a ingerências eleitorais já poria as coisas num outro patamar e aumentaria as chances de o Estado combater preventivamente a fraude urdida pelos chefões da bandidagem para eleger seus candidatos a vereador e ajudar simpatizantes a comandar a prefeitura.
Essa arbitragem, ou pelo menos mediação, em tese seria um papel a ser exercido pelo presidente Luiz Inácio da Silva. Mas as viagens internacionais e os afazeres políticos, partidários e eleitorais do interesse exclusivo de seu projeto de manutenção de poder não lhe têm permitido perceber que governa um País em parte interditado.
E assim segue o baile. A Justiça Eleitoral assegura o sigilo do voto de longe, atrás da tela da televisão, e o bandido, agora travestido de chefe político, põe o dedo na cara do cidadão e avisa que a senha da urna eletrônica "está na mão" e será usada para descobrir quem entrará na lista dos condenados às penas do crime de crime de alta traição, segundo o código da lei do mais forte.
Quando o governador "puxa" briga com o comandante militar da região, este entra na polêmica e a fala do ministro da Defesa não apresenta uma solução para o conflito - pois remete o ato inicial a Sergio Cabral, que se recusa a fazê-lo - o cidadão continua abandonado, a criminalidade queda-se sossegada e a Justiça fica literalmente na mão. Do faz-de-conta de sempre.
Terra arrasada
Deputados e senadores talvez ainda não tenham se dado conta, mas o Palácio do Planalto avança sua mão de gato sobre funções constitucionalmente atribuídas ao Congresso. Assim como quem não quer nada e querendo rigorosamente tudo, o Poder Executivo se imiscui mais e mais no funcionamento do Parlamento. Governando por medidas provisórias, praticamente cassou-lhe a prerrogativa de legislar.
Agora anuncia as balizas da reforma política no molde de seu interesse e, não bastasse, sinaliza intenção de restringir o campo de atuação das comissões parlamentares de inquérito.
Uma é produzida no departamento dedicado a atividades parlamentares do Ministério da Justiça e, da outra, quem se faz porta-voz é o secretário de Reforma do Judiciário, também da pasta comandada por Tarso Genro.
A assessoria jurídica do Palácio do Planalto ou a assessoria parlamentar do Ministério da Justiça - a denominação do santo não altera a origem do pecado - estão, com isso, pretendendo reescrever o regimento interno do Parlamento e a Constituição. E logo com as CPIs, coitadas, tão desmoralizadas, ineficazes, perdidas e só raramente produtivas. Já andam no osso. Se forem restritas suas atribuições - ainda mais como se pretende, de fora para dentro -, não lhes sobrará nem a chama das intenções.
O balanço da situação até o momento é o seguinte: o Executivo já capturou do Congresso a iniciativa de legislar; já interditou a atividade de parlamentar (no sentido de debater), pois com os aliados o presidente Lula monologa e com os adversários usa da popularidade para jogá-los contra a população e, assim, inibir o confronto mais consistente; agora quer solapar a função de fiscalizar "normatizando" o funcionamento de comissões de inquérito.
Quando suas excelências abrirem os olhos - se lhes interessar abrir, bem entendido - já terão perdido todas as suas atribuições, o direito de reclamar e ficarão desprovidos da própria razão de ser.
Professor do Curso de História da Univ. Estadual da Paraíba desde 1993. Mestre em Ciência Política-UFPE e Doutorando em Ciência da Informação-UFPB. Especialista em História do Brasil, com ênfase na Era Vargas e na Ditadura Militar, na democracia e no autoritarismo. Autor dos livros "Heróis de uma revolução anunciada ou aventureiros de um tempo perdido" (2015) e “Do que ainda posso falar e outros ensaios - Ou quanto de verdade ainda se pode aceitar” (2024), ambos lançados pela Editora da UEPB.
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