terça-feira, 8 de abril de 2014

“BRASILEIRO, ESSE POVO DE MENTE OBSCURA – PARTE 2”.


Ontem, tratei do estudo do IPEA que mostra que parcela considerável de nossa sociedade concorda que “mulheres que usam roupas, que mostram o corpo, merecem ser atacadas” e que “se as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros”. Eu afirmei que esse estado de coisas me deixa envergonhado por ser brasileiro. Mas, isso não quer dizer que eu tenha desejado nascer em outro país, pois pelo mundo afora o estupro é algo bem mais aceito do que se possa imaginar. Recentemente, assisti o documentário “Half the sky”, ou “O céu pela metade”, que foi produzido para a televisão pública americana e filmado em 10 países: Camboja, Quênia, Índia, Serra Leoa, Somália, Vietnã, Afeganistão, Paquistão, Libéria e Estados Unidos.

O filme relata a vida de mulheres que são vítimas do tráfico de pessoas, da violência sexual, da falta de educação, da fome, das guerras, da escravidão, etc. É desesperador contatar que, em nome da cultura e da tradição, mulheres possam sofrer tanto. O documentário mostra mulheres sendo sistematicamente estupradas e prostituídas pelos seus pais e maridos. Mostra, por exemplo, a depauperante tradição da infibulação. Um hábito medieval desprovido de qualquer racionalidade. Eu sugiro a você, caro ouvinte, que assista este filme. Mas, saiba que você vai ver um mundo real que nós, brasileiros, preferimos ignorar.

Sim, você poderá me dizer: “mas, quase tudo do que vemos neste documentário não acontece no Brasil”. É verdade, não acontece, pois a nossa tradição, cultura e religião se deixaram influenciar, de leve é bem verdade, pelos valores universais da democracia, em que pese nossa cultura autoritária que nos faz saudosistas das ditaduras do século XX. Se não estamos tão próximos de uma Somália, de um Afeganistão ou de uma Índia, não quer dizer que podemos ser comparadas aos países que mais evoluíram em termos de direitos sociais e que reduziram ao extremo suas taxas de desigualdade. Na verdade estamos, sim, bem mais próximos de uma Índia com seus hábitos que desumanizam a mulher. Vejam que aqui, como lá, ainda se pratica o tal estupro coletivo, tal qual faziam os soldados do Exército da URSS, em Berlim, ou dos EUA, no Vietnam.

O estudo do IPEA concluiu que, desgraçadamente, a mulher brasileira ainda não atingiu a equiparação em relação ao homem seja do ponto de vista econômico, político, social e até mesmo familiar. No estudo do IPEA se viu que 65% dos entrevistados concordam totalmente que “mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar”. Vejam, que coisa mais irracional. Pois é, muitos brasileiros ainda acham que “só um tapinha não dói”. Um dado peculiar dessa pesquisa é o que demonstra que mais da metade das pessoas que concordam com esse tipo de opinião medievalizada são do sexo feminino. Pois é, muitas mulheres brasileiras pensam com a cabeça do mais machista dos homens.

Houve uma confusão na divulgação dos dados pelo IPEA. Os números desta última questão foram trocados com os da primeira sobre a mulher fazer por merecer ser atacada. Mas, isso diminui o sentido do estudo ou retira a seriedade do IPEA? Não. Pois, a questão não é apenas quantitativa. Não importa se 2.000 ou 2 milhões de pessoas concordam que é a mulher que provoca o estupro. Enquanto tivermos uma única pessoa com esse pensamento medieval, temos muito com que nos preocupar. Não basta a cômoda atitude de afirmar que “não tenho nada haver com isso, pois não compartilho dessas opiniões”. Se no meio social onde vivo existem pessoas legitimando o ato criminoso do estupro eu tenho, sim, tudo haver com isso.

 

No estudo do IPEA tivemos dados sobre as questões regionais. No caso da Paraíba, a realidade, mais uma vez, não deixou os números mentirem, infelizmente. Entre 2010 e 2013 foram 629 casos de estupros notificados pela Secretaria de Estado da Saúde. Apenas no ano de 2013 foram 201 casos. Isso significa que, em 2013, a cada 43 horas uma mulher foi estuprada em nosso estado. Eu fico me perguntando, então, qual a diferença disso para aquela cruel realidade que vi no documentário “Half the sky”?

E para quem continua achando que a maioria das brasileiras estupradas são mulheres lindas, sensuais, que andam por aí em trajes minúsculos, eu quero informar que metade das vítimas da violência sexual, no Brasil, são do sexo feminino e menores de idade. Segundo assistentes sociais do Programa Bem-me-quer, que funciona no Hospital Pérola Byington, em São Paulo, mais da metade das vítimas de estupro, em 2013, tinha até 11 anos de idade. Essa informação se alinha com o estudo do IPEA.

O levantamento do IPEA mostrou que crianças seguem sendo os alvos preferenciais dos estupradores e isso em todo o Brasil. E, tem mais, a maioria dos casos de estupros contra crianças acontecem mesmo é no ambiente familiar. Se você continua achando que é a mulher que cria as condições para ser estuprada, eu sugiro que olhe a sua volta e tente perceber que por trás de sua mãe, de sua irmã, de sua filha, de sua prima, existe uma mulher que, com certeza, não quer ser estuprada.

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AQUI É O POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.

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