No dia 31 de
março passado completávamos 50 anos do Golpe Civil Militar de 1964. A
presidente Dilma discursava sobre o tema e mandou recado para ONGs, como a
Anistia Internacional, para grupos de esquerda e os que querem a revisão da
“Lei de Anistia”. Disse Dilma Rousseff: “Reconheço e valorizo os pactos que nós
levaram à redemocratização. Reconquistamos a democracia à nossa maneira,
por meio de lutas, sacrifícios, pactos e acordos, muitos deles traduzidos na
Constituição de 88". Dilma disse que “verdade" é oposto de
“esquecimento", é “algo tão forte que não dá guarita para ressentimentos,
ódios e nem tão pouco para o perdão". Dilma disse, ainda, que “devemos a
verdade aos torturados, aos perseguidos e às suas famílias”.
A presidente lembrou o discurso que fez quando da instalação da Comissão
Nacional da Verdade. Na ocasião, ela disse que respeita, reverencia e enaltece
os que “lutaram pela democracia, enfrentando a truculência ilegal do Estado”. E
não poderia ser diferente, pois ela mesma lutou contra a ditadura. Nossa
presidente foi presa, tortura, julgada e condenada em um tribunal militarizado.
É por isso mesmo que ela não deveria valorizar os pactos políticos que nós
levaram à redemocratização. É por isso mesmo que ela não deveria tratar a
verdade como o que supera o ressentimento, pois quem enfrentou a dores da
repressão só apaziguará suas iras, e até mesmo perdoará, se tiver a certeza que
nunca mais haveremos de ter outra ditadura.
O pacto principal a que Dilma se refere é a “Lei da Anistia” de 1979. Essa
lei foi uma das exigências que as Forças Armadas fizeram para poder deixar o
governo, coisa que só aconteceu em 1985 com a eleição indireta de Tancredo
Neves e José Sarney. Eu não sei exatamente o que a presidente quis dizer com
“reconquistar a democracia a nossa maneira”. Será que ela se referia ao fato
que saímos de uma ditadura, para um sistema de procedimentos democráticos, sem um
necessário ajuste de contas? À nossa maneira atabalhoada e irresponsável
instituímos uma anistia sem definir quem era culpado. Para nos livrarmos de uma
ditadura, aceitamos que torturadores e torturados fossem anistiados como se
ambos tivessem cometido os mesmos crimes.
Em 1979, Dilma Rousseff, que pertencia a uma organização guerrilheira que
lutava contra a ditadura, foi anistiada. Sabe qual é a cruel ironia disso? Os
homens que a colocaram no “pau de arara” e a torturaram barbaramente foram,
também, anistiados. E comum vermos as vitimas de nossa violência cotidiana
querendo justiça, querendo que criminosos paguem pelos crimes que cometeram.
Não deveria Dilma Rousseff, por uma questão de justiça, querer que seus
torturadores fossem punidos? Porque nossa presidente insiste em dizer que
valoriza o pacto, i.e., a Lei da Anistia, que permitiu o processo de
liberalização que nos levou a “Nova República”? Porque Dilma não apoia
iniciativas que defendem a revisão da “Lei de Anistia”?
Do que tem medo nossa presidente? Porque Dilma não quer deixar, como
legado de sua gestão, o fato de ter permitido que nosso passado, que tanto nos
envergonha, seja de fato passado a limpo. Adianta revelar a verdade se não
sabemos o que com ela fazer? É por causa da “Lei de Anistia” que o coronel
reformado Paulo Malhães veio a público para, cinicamente, admitir que torturou,
matou e fez corpos desaparecer. Malhães parecia se divertir em seu depoimento à
Comissão da Verdade do Rio de Janeiro. Malhães revelou, sem meias palavras, que
foi o Coronel do Exército, Freddie Perdigão, o responsável pela morte do
jornalista Alexandre von Baumgarten, em 1982. Depois, ele saiu tranquilamente
se sentindo agasalhado pelo manto protetor da “Lei da Anistia”.
Em que sociedade verdadeiramente democrática isso aconteceria? Nos 50 anos
do golpe civil militar de 1964 uma pessoa confessa ter cometidos crimes, tidos
como de lesa humanidade, e absolutamente nada acontece. Se é que acontecerá. O
fato é que os militares repudiam a revisão da “Lei da Anistia”. Não falta quem
lembre que esta lei foi fruto de um acordo do final da década de 70. Os
remanescentes saudosistas da tal “revolução de 64” não querem, claro, revisão
nenhuma. Mas, não é estrando que os remanescentes da época, que sofreram na
carne as consequências de suas escolhas, estejam, agora, também contra a
revisão da “Lei da Anistia”? Eu bem entendo porque o torturador é contra a
revisão dessa lei. Mas, o que dizer do torturado que não quer que a verdade
venha à tona? Ou melhor, ele até pode querer ver as verdades publicadas, mas
não querer que seus algozes sejam punidos na forma da lei é, no mínimo,
estranho.
A presidente Dilma usa o Twitter para defender princípios democráticos e
se solidarizar com as famílias que sofreram com a ditadura. Ela já se referiu
várias vezes às “cicatrizes visíveis e invisíveis" deixadas pela ditadura
militar. Será que quando Dilma olha para suas cicatrizes visíveis, além de
lembrar as invisíveis, não sente vontade de fazer a verdade se tornar justiça?
Uma sociedade que não tem justiça, porque a própria lei assim proíbe, não é
séria, muito menos democrática.
AQUI É O
POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.
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