segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

NÃO PRECISA PAGAR PARA FALAR COM DEUS - PARTE II

Mas, essa justificativa me parece frágil, pois os promotores da violência não participam dos eventos. E não me consta que seus participantes saiam por aí praticando atos de violência. Se assim fosse, bastaria promover eventos religiosos todos os meses do ano e não mais sofreríamos com a violência. O prefeito ainda lembrou que não há uma distribuição igualitária dos valores subvencionados e que o critério que define a quantidade de recursos, para cada evento, é o da demanda que este venha a apresentar. Isso faz total sentido. Quanto mais pessoas acorrem a um desses eventos, mas popular ele fica e mais densidade eleitoral apresenta.

É bom não esquecer que nos encontros evangélicos, por exemplo, a maioria dos frequentadores são moradores, e eleitores, de Campina Grande. Em 2013, Fabio Ronaldo, do Encontro da Nova Consciência, disse que a contribuição da prefeitura, no valor de R$ 90 mil, valoriza o entendimento entre os diversos segmentos espirituais. Este ano a “Nova Consciência” teve subvenção de R$ 100 mil. Eu não entendo a relação desigual entre a demanda religiosa e a oferta financeira. Pois se é fato que a subvenção aumentou, é fato, também, que este evento tem diminuído de tamanho. Vejam como era a “Nova Consciência” há 10 anos e como ela é hoje. Isso talvez aconteça pela tendência que seus participantes têm de se restringirem a pequenos grupos. Se a demanda da Nova Consciência diminui a cada ano, porque aumentar a subvenção?

O fato é que os eventos das Igrejas evangélicas foram ocupando cada vez mais espaço. Houve uma época em que a “Nova Consciência” reinava sozinha durante o carnaval. Hoje, ela tem que dividir espaços nessa Torre de Babel religiosa campinense. Outros eventos foram contemplados com a benevolência do poder público municipal que a cada ano, no período carnavalesco, abandona seu laicismo constitucional para se tornar um braço material das religiões. O encontro dos Católicos carismáticos, o “Crescer”, foi contemplado com R$ 65 mil; os “Remidos do Senhor” tiveram R$ 7,5 mil; a Comunidade Católica Obra Nova do Coração de Maria foi contemplada com a R$ 10 mil; a Comunidade Católica Shalom teve R$ 7 mil; e a Associação Judaica Amigos da Torá foi contemplada com R$ 16,5 mil.

A exceção a essa regra inconstitucional é o Movimento de Integração do Espírita Paraibano (MIEP) que está realizando sua 43ª edição. No tempo em que Campina Grande se tornava um grande deserto de pessoas, nos dias de carnaval, os espíritas já promoviam seu evento. Segundo seu coordenador, Ivanildo Fernandes, o MIEP não recebe ajuda oficial por questões filosóficas e doutrinárias. É que os espíritas são contra que se use o erário para se fazer proselitismo religioso, ou seja, não concordam que se monte um evento, com dinheiro público, para se buscar conquistar novos adeptos. Não se pode negar que os eventos movimentam a cidade, do ponto de vista econômico, numa época do ano em que a cidade ficava condenada ao ostracismo. Sempre se poderá dizer que o dinheiro que a prefeitura doa retorna para a cidade na forma dos impostos pagos pelos estabelecimentos comerciais que recebem turistas religiosos. Já se disse, também, que não é justo se retirar verbas da saúde e da educação, por exemplo, para se promover eventos religiosos.


Mas, é preciso elencar prioridades numa conjuntura onde as demandas são sempre muito altas e os recursos são sempre muito baixos. O que não podemos nunca, jamais, esquecer é que, se o Estado é laico, questões espirituais não podem ser prioritárias para o poder público. Também, devemos ficar alertas para o fato de que comercializar, em um mesmo espaço público, produtos religiosos, indulgências e até mesmo a crença das pessoas não é ético, não é moral, muito menos espiritual. O fato é que todos os anos, quando da realização desses eventos, fico a me perguntar se é realmente necessário pagar para se ter fé. Como diria Gilberto Gil, não precisa muito para falar com Deus, é preciso ficar a sós, apagar a luz, calar a voz.

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