Há uns dias parei num posto de combustíveis para comprar a commodity, como gostam de dizer
jornalistas especializados em economia, mais valorizada que temos. Não, eu não
fui comprar gasolina. Fui, na verdade, adquirir uma garrafa com água mineral.
Foi quando presenciei uma cena digna de se comentar. Um casal, que saía de
dentro da loja de conveniência existente no posto, discutia, em um volume acima
do aceitável, sobre a viabilidade de processar o proprietário da loja de
conveniência. É que o rapaz tinha encontrado uma dessas garrafinhas, com leite
fermentado, que estava com a data de validade vencida. Ele estava exultante
mediante a possibilidade de ganhar uma ação por danos morais e matérias. A moça
nem tanto. Dizia ela: “não vale a pena ir atrás desse tipo de coisa, pois a
justiça é lenta”. Mas, o rapaz argumentava que um advogado tinha lhe dito que
nestes casos a indenização é certa. A moça, impaciente, dizia que ele não
deveria ter comprado o leite fermento.
Eu pensei em perguntar
ao rapaz porque simplesmente ele não devolveu a bebida, e pediu seu dinheiro de
volta, ao perceber a data vencida. Não o interpelei porque se sua namorada não
conseguia demovê-lo da ideia o que dirá eu, um estranho. Se vendo com a sorte
grande, ao encontrar um produto estragado, o rapaz só pensava na quantia a
titulo de indenização. Eu não sei como
terminou a discussão. Nem sei se o rapaz foi bater as portas da justiça por
causa de uma mísera garrafinha de leite fermentado. Certa vez, ao chegar em
casa, após adquirir produtos no supermercado, percebi que um deles estava
estragado. Pensei em voltar ao estabelecimento para trocar o produto, mas
desisti só de pensar em enfrentar todo aquele trânsito mais uma vez. Nem
cogitei processar o supermercado numa ação de danos morais e materiais, pois
minha moral seguia intacta e os danos materiais foram suportáveis. Além do
mais, que espécie de consumidor sou eu que não presta atenção no que está
comprando?
Essa história me fez
pensar que uma coisa é ser lesado ao adquirir serviços e produtos e outra, bem
diferente, é deixar-se lesar para tirar algum proveito. O Código de Defesa do
Consumidor existe para garantir direitos e deveres, é sempre bom lembrar. O maior shopping de Campina Grande foi
condenado, pela 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba, a indenizar,
por danos morais no valor de R$ 10 mil, um homem que se envolveu em uma
confusão com outros frequentadores do estabelecimento. O indenizado alegou que
o esquema de segurança do estabelecimento falhou, em evitar a briga, pois não
agiu de forma pró-ativa para impedir que o confronto ocorresse. Eu não vou
discutir o caso em si. É provável que o indenizado tenha razão.
Mas, chama atenção
como se tornou algo comum recorrer à justiça em busca de indenizações por danos
morais e materiais. Será que, finalmente, ficamos mais conscientes de nossos
direitos, de nossa cidadania? Ou será que não se criou uma indústria que
percebeu que esse ativismo judiciário pode ser um rentável negócio? O
“advogado-porta-de-cadeia” não mais existe. Hoje, bom negócio mesmo, é caçar
recompensas a titulo de danos morais e materiais. Vejam que nos cinco juizados
especiais cíveis de João Pessoa tramitam mais de 43 mil ações que visam as tais
indenizações por danos morais e materiais. Em 2014 foram julgadas 28.327 ações,
só na capital. 10% delas foram consideradas improcedentes.
Ou seja, são as ações
absurdas, descabidas, onde se percebe que o litigante pretende tão somente
ganhar alguma quantia em dinheiro. A juíza leiga Tatiany Lopes Gonçalves, do 2º
Juizado de João Pessoa, afirma que, hoje, se entra com ações por qualquer
coisa. Ela conta casos como o de uma pessoa que processou uma loja de
eletrodomésticos porque um de seus vendedores negou-lhe uma sacola grande ou do
casal que processou o sindico do seu prédio porque as luzes do corredor estavam
apagadas. Uma ação de oportunismo gritante foi a de um cliente que pediu
indenização por não ter visto o gol do seu time enquanto almoçava num
restaurante. O litigante, de má fé, alegou que um garçom ficou bem em frente à
TV impedindo que ele pudesse ver o gol. Claro, ele perdeu a ação. Deveria ser
processado por ocupar a justiça com um motivo tão banal.
Todo esse ativismo
judiciário demanda um sem número de ações. Os processos vão se acumulando e a
justiça vai ficando cada vez mais lenta. As ações caça-níqueis se misturam aos
processos relevantes onde direitos estam sendo desrespeitados e deveres não são
cumpridos. Demoramos uma vida republicana para finalmente entendermos que é na
justiça onde se busca resolver problemas. Mas, exageramos na dose, e
instrumentalizamos a justiça para que ela atenda nossos interesses mais fúteis.
Agora, não mais perguntamos aos nossos advogados se nosso direito é bom ou
ruim. O que queremos mesmo saber é quanto vale o nosso direito.
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