quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Sem a força seríamos pobres trogloditas










Eu li certa vez que nós, seres humanos, nascemos pequenos trogloditas e que é o processo educacional, que enfrentamos nos primeiros 20 anos de nossas vidas, além do exercício da autoridade, disciplina e força que pode nos tornar civilizados. Sim, isso mesmo, não nos tornamos civilizados por que achamos bonito e sim porque somos levados a isso por algo que a maioria de nós prefere ignorar. Eu falo do exercício da autoridade, do uso da lei e, no limite, do uso da força.





É preciso lembrar que só respeitamos a lei pela ameaça da punição. Se a lei não trouxer, em seu texto, o que acontece com quem não a cumpre não serve de nada. A verdade é que sem a ameaça ou sem a promessa de um castigo somos praticamente selvagens. A lei é uma imposição que aceitamos para viver melhor. A lei é o instrumento que nos insere na civilidade. É por isso que precisamos da força, da polícia, enfim dos instrumentos que nos fazem lembrar que precisamos respeitar a lei.





Há cerca de 10 mil anos vivemos em cidades convivendo com pessoas diferentes e com as quais não temos parentesco. Viver na cidade significou estar na civilização. Significou que um estranho não era necessariamente um inimigo que deveríamos combater. E vejam que, hoje em dia, isso ainda tem suas exceções. Na Papua–Nova Guiné, um conjunto de ilhas em forma de país que fica na Oceania, se dois estranhos não encontrarem um parentesco após uma breve conversa partem para um embate mortal.





O caro ouvinte sabe o que foi que permitiu que pudéssemos conviver pacificamente com estranhos em um mesmo lugar? Foi à instituição do Estado. Foi o fato de termo consagrado ao Estado o monopólio da força que nos pacificou – que nos fez deixar de sermos lobos de nós mesmos. Foi apenas quando pudemos abrir mão de nossa força, e repassá-la ao Estado, que tivemos como viver mais e melhor. Foi só quando definimos o que é transgredir e que o transgressor deve ser punido que deixamos de ser trogloditas.





Claro, os códigos e as punições eram, no início, tão bárbaros quanto aqueles que os elaboravam. Vejam que o Código de Hammurabi impunha punições das mais duras com a ideia de “Olho por olho, dente por dente”. Este código foi elaborado pelo rei Hammurabi, por volta de 1700 a.C., na região da antiga Mesopotâmia, onde hoje está o Irã. Não é a toa que lá, no Irá, as pessoas ainda são apedrejadas em praça pública por coisas como o adultério.



 



  

As leis e as punições foram se tornando mais civilizadas. Aos poucos os castigos foram deixando de serem físicos e o princípio do monopólio da violência pelo Estado foi sendo implantado nas sociedades na medida em que elas iam se tornando democráticas. A lógica do monopólio estatal da violência é simples.




O caro ouvinte está tendo uma contenda, controvérsia, uma briga que seja com seu vizinho? Leve-a para o Estado (para a justiça de pequenas causas) para que ele faça a mediação. Nunca, jamais, tente resolvê-la na base do “olho por olho, dente por dente”. Deixe de lado sua própria força e busque a força do Estado para resolver seu problema. Se você quiser, literalmente, fazer justiça com as próprias mãos pode tornar-se um criminoso. Aliás, eis de onde surgiu a expressão “fazer justiça com as próprias mãos”. Lá trás, as sociedades definiram que não se faria mais justiça usando a própria força e que se utilizariam os mecanismos do Estado para isso.





Ou seja, aceitamos usar as mãos do Estado, e sua força, para que o mais forte não se saísse sempre vitorioso nos embates. Abrir mão da própria força e consagrá-la ao Estado é a maneira que encontramos de não sermos um bando de trogloditas. Se preferimos impor autoridade usando a própria força ao invés de recorremos a força do Estado, através da justiça, somos iguais ao gorila que para se impor perante ao seu bando bate no peito, urra e avança contra seu oponente, mas sem agredi-lo fisicamente. Uma família não deixa de ser um Estado em miniatura, com um, ou uma, chefe responsável pelas leis e punições a um grupo. Nós nascemos, sim, pequenos trogloditas e é a educação que pode nos levar ao processo civilizatório.





Mas, afinal, porque eu estou falando tudo isso? É que, por vezes, tenho a impressão que estamos voltando para a barbárie. É como se achássemos que devemos pedir de volta ao Estado a força que consagramos a ele e somente a ele. É como se a lei (e a punição) não tivessem mais que ser aplicadas pelo Estado por não serem suficientemente duras e cruéis como gostaríamos.




Vi, recentemente, dois motoristas numa luta (física) de vida e morte por causa de uma contenda de trânsito. Não seria mais fácil chamar os agentes de trânsito para intermediarem a contenda? Sim, seria. Mas, é que os dois motoristas não deixaram o estado de barbárie em que nasceram. Nasceram trogloditas, agem como gorilas, talvez um dia possam agir como civilizados.





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