Para Chico Buarque não existe
pecado do lado de baixo do Equador! É que nós, latino-americanos, somos imunes
ao falso moralismo dos povos que vivem ao norte das Américas e não somos
afeitos à organização do mundo capitalista evangélico. Aquela ética protestante
e o tal espírito capitalista, dos quais nos falava o sociólogo alemão Max
Weber, nos chegaram atrasados e logo foram sendo distorcidos. Por isso que Ruy
Barbosa dizia, por volta de 1920, que sentia uma saudável nostalgia da
escravidão.
Foi assim que o modelo de
democracia elaborado pelo filósofo francês Alexis de Tocqueville, onde
igualdade e liberdade são complementares e não excludentes, nos chegou
desvirtuado e mal ajambrado. Enquanto americanos do norte e franceses fizeram
revoluções sangrentas para implantarem suas democracias a maioria dos latino-americanos
aderiram ao republicanismo democrático através de assaltos ao poder.
Acontecimentos de mais de um
século dizem isso. São ditaduras, repúblicas coronelísticas e militarizadas,
populistas e nacionalistas. Fomos nos democratizando através de revoluções e golpes,
sofrendo os malefícios de autoritarismos de toda sorte. Convivemos com
procedimentos democráticos, mas aqui e acolá passamos por cima das instituições
para fazer valer nossos interesses. Agora mesmo, na Venezuela, a Constituição
foi atropelada para atender aos interesses do ditador-presidente de plantão.
Hugo Chávez chegar ao poder em
1992 através de um golpe. Fracassou, foi preso e anistiado. Em 1998 elegeu-se
presidente. Seu primeiro ato foi convocar uma Assembleia Constituinte. Em 2002
foi reeleito e em 2006 obteve mais um mandato até 2013. Chávez defendia a “aprofundar
a revolução bolivariana”. Propôs, e vinha conseguindo, a criação de “sistemas
de comunas” para acabar com 335 prefeituras e 24 estados, substituindo-os por
conselhos comunais locais ligados ao Executivo.
Através de sua constituição
bolivariana Chávez criou o expediente da reeleição indefinida para se perpetuar
no poder acobertado por uma estrutura legal. É que ele desconsidera que a
alternância no poder é uma das condições para se ter democracia. Chávez tem uma
visão utilitarista das instituições políticas e dos procedimentos democráticos.
Seu governo controla a imprensa, o judiciário, o parlamento e os partidos.
Nestes anos ele fechou instituições sob o argumento de que agem contra o povo.
Sintomático foi
quando ele mandou ao Congresso a Lei Habilitante que lhe permitiu governar por
decreto. Controlado pelo chavismo, o parlamento permitiu a Chávez legislar
sobre a reforma do Estado, os sistemas financeiro, tributário e jurídico, além
do ordenamento territorial, da segurança e defesa nacional. Ato contínuo,
Chávez criou o sistema de plebiscito e assembleias populares que permite
mudanças constitucionais sem que o legislativo opine. É um mecanismo mais fácil
para se perpetuar no poder, principalmente quando apoiado no assistencialismo.
A única diferença
de Chávez para os militares ditadores brasileiros é que ele é de esquerda e os
nossos eram de direita. A visão autoritária na condução do processo político é
a mesma. Convém não esquecer que Chávez é um militar e bem sabemos por que
presidentes latino-americanos procuram manter boas relações com os militares.
Já dizia Jânio Quadros: “Pior do que depender dos militares é não tê-los por
perto quando necessário”.
Chávez é
carismático, populista, pretoriano, caudilhesco, falastrão, debochado e
militarizado. Mas, ele tem uma preocupação (talvez sincera) com as condições de
vida do seu povo e segue a via cubana onde questões sociais são sempre
prioritárias. Ele criou o Fundo de Desenvolvimento Nacional, com orçamento de
US$ 6 bilhões, para promover crescimento. Ao mesmo tempo foi colocando em
prática um projeto de estatização de empresas de telecomunicação e energia. Nacionalizou
os investimentos de extração de petróleo e gás na bacia do rio Orinoco, pois
sendo a Venezuela o quinto maior produtor de petróleo do mundo seria pouco
inteligente negligenciar esta área estratégica para qualquer país.
Ele parece esperar (ou desejar) um conflito,
pois gastou quantias significativas do PIB com equipamentos bélicos e garante
que vai armar o povo para que este se autodefenda de ameaças estrangeiras,
leia-se Estados Unidos da América. Em um discurso afirmou que restam duas
alternativas para a Venezuela: o socialismo ou a morte. O povo deve querer a
primeira alternativa, tanto que o reelegeu, mas será que aceita entrar em um
processo onde só restará a segunda alternativa?
O socialismo chavista é capenga. Quer anular,
ao invés de aprofundar, os canais da participação e representação popular.
Concebe uma transformação social, que vá inibindo os níveis de pobreza, mas
prevê o fechamento de instituições democráticas. Transformações econômicas e sociais são necessárias neste capitalismo
arcaico e subserviente existente na América Latina. Mas, porque tem que ser ao
custo da democracia política?
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