Em 1985 tivemos o fim da Ditadura
militar e o início da redemocratização. Era preciso remodelar as instituições políticas
para um novo período em que os civis ocupariam o poder central do país e os
militares, pelo menos na teoria, retornariam aos quartéis.
Esse foi o expediente utilizado
em países como a Espanha, na década de 70, que teve as suas instituições
democráticas estralhaçadas após enfrentar a ditadura do Generalíssimo Franco
por 40 anos. Com o fim da ditadura, a Espanha construiu um sistema político
democrático a partir da elaboração de uma Constituição onde Executivo,
Legislativo, Judiciário e sociedade civil conseguiram definir claramente seus
direitos e deveres.
A transição democrática espanhola
foi bem sucedida, pois a influência militar nos assuntos políticos foi
controlada pelos civis e os militares passaram a aceitar sem maiores
contestações os comandos democráticos. A Constituição da Espanha foi feita para
atender aos interesses de um Estado democrático. Ela não foi feita para atender
a dois senhores. O processo constituinte foi sendo feito ao tempo em que se
aboliam os entulhos autoritários que ainda resistiam.
Ao contrário de nós, os espanhóis
fizeram sua Constituição entendendo que democracia política é um conjunto de mecanismos,
instituições e práticas associadas às formas de decidir políticas que
interessem à sociedade. Eles aceitaram que a democracia política significa as
práticas e normas que regem a vida política dos partidos e organizações, do parlamento
e dos governos, além dos organismos da sociedade civil. Já no Brasil, as coisas
foram bem diferentes.
A primeira questão
é que a Constituição de 1988 não serviu para extirpar de nosso entorno político
e jurídico uma série de prerrogativas que o regime militar dispunha por ser,
obviamente, um sistema autoritário. Fizemos uma Constituição sem termos claro
que esses mecanismos, normas e práticas são condições necessárias para que se consolide
a democracia. Aliás, tenho dúvidas se erámos conscientes de que a nova
Constituição serviria a uma democracia.
As Constituições
servem, fundamentalmente, para marcar a passagem de um sistema político para
outro. Vejamos as transições democráticas em três países: Espanha, Argentina e
Brasil. A Espanha tentou, e conseguiu, um efetivo controle dos civis sobre os
militares. Fundamentalmente conseguiu implantar e consolidar um sistema
democrático a partir de um processo de constitucionalização. A argentina até implementou
esse processo, mas só conseguiu parcialmente obter sucesso na tarefa de
consolidar sua democracia e mesmo assim sucessivos governos como os de Nestor e
Cristina Kirchner remam sempre contra a maré democrática.
Já o Brasil não só
não tentou como utilizou seu processo constitucional para propor um grande
pacto de silenciamento em torno de tudo que aconteceu em sua longa ditadura
militar. Assim, sugiro que utilizemos o 25º aniversário de nossa Constituição
para analisarmos, em perspectiva histórica, o que foi aquele processo e como
fomos ao longo desses anos tratando o sistema democrático que criamos a partir
da chamada Constituição Cidadão.
O processo de
liberalização política no Brasil, notem que não uso o termo redemocratização, foi
efetivado em 1985 com a eleição de Tancredo Neves. Se não tínhamos experiências
democráticas antes da ditadura militar como poderíamos voltar a uma democracia
política? Ao contrário do que aconteceu na Espanha,
saímos de uma ditadura e entramos numa democracia calma e pacificamente. Saímos
da ditadura sem afastar do cenário nacional os atores políticos do regime
ditatorial que se tentava encerrar.
Na verdade, o que tivemos foi um pacto entre
as forças políticas - iniciado em 1974 e capitaneado por Ernesto Geisel e
Golbery do Couto e Silva. O fim da ditadura se deu mais por um grande acordo
político do que por qualquer outra coisa. Efetivamente,
tivemos um processo em que muito lentamente se foi inserindo alguns procedimentos
democráticos nas instituições sem, no entanto, reformá-las e, principalmente,
sem se mexer na espinha dorsal do regime ditatorial: o poder militar.
O fato é que tivemos o processo
constitucional que podíamos ter. Entre ele e a continuidade de uma ditadura
apodrecida pelo tempo, a sociedade preferiu, claro, ter uma Constituição que
atendesse ao sistema que acabava e ao que nascia. Ao longo desse ano eu vou
fazer várias colunas tratando da questão da Constituição de 1988 numa
perspectiva analítica e crítica. Claro, podemos, também, comemorar em que pese
não sabermos bem a que vamos render nossas homenagens.
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