quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Uma Constituição para servir a dois senhores









Em 1985 tivemos o fim da Ditadura militar e o início da redemocratização. Era preciso remodelar as instituições políticas para um novo período em que os civis ocupariam o poder central do país e os militares, pelo menos na teoria, retornariam aos quartéis.





Esse foi o expediente utilizado em países como a Espanha, na década de 70, que teve as suas instituições democráticas estralhaçadas após enfrentar a ditadura do Generalíssimo Franco por 40 anos. Com o fim da ditadura, a Espanha construiu um sistema político democrático a partir da elaboração de uma Constituição onde Executivo, Legislativo, Judiciário e sociedade civil conseguiram definir claramente seus direitos e deveres.





A transição democrática espanhola foi bem sucedida, pois a influência militar nos assuntos políticos foi controlada pelos civis e os militares passaram a aceitar sem maiores contestações os comandos democráticos. A Constituição da Espanha foi feita para atender aos interesses de um Estado democrático. Ela não foi feita para atender a dois senhores. O processo constituinte foi sendo feito ao tempo em que se aboliam os entulhos autoritários que ainda resistiam.





Ao contrário de nós, os espanhóis fizeram sua Constituição entendendo que democracia política é um conjunto de mecanismos, instituições e práticas associadas às formas de decidir políticas que interessem à sociedade. Eles aceitaram que a democracia política significa as práticas e normas que regem a vida política dos partidos e organizações, do parlamento e dos governos, além dos organismos da sociedade civil. Já no Brasil, as coisas foram bem diferentes.





A primeira questão é que a Constituição de 1988 não serviu para extirpar de nosso entorno político e jurídico uma série de prerrogativas que o regime militar dispunha por ser, obviamente, um sistema autoritário. Fizemos uma Constituição sem termos claro que esses mecanismos, normas e práticas são condições necessárias para que se consolide a democracia. Aliás, tenho dúvidas se erámos conscientes de que a nova Constituição serviria a uma democracia.





As Constituições servem, fundamentalmente, para marcar a passagem de um sistema político para outro. Vejamos as transições democráticas em três países: Espanha, Argentina e Brasil. A Espanha tentou, e conseguiu, um efetivo controle dos civis sobre os militares. Fundamentalmente conseguiu implantar e consolidar um sistema democrático a partir de um processo de constitucionalização. A argentina até implementou esse processo, mas só conseguiu parcialmente obter sucesso na tarefa de consolidar sua democracia e mesmo assim sucessivos governos como os de Nestor e Cristina Kirchner remam sempre contra a maré democrática.





Já o Brasil não só não tentou como utilizou seu processo constitucional para propor um grande pacto de silenciamento em torno de tudo que aconteceu em sua longa ditadura militar. Assim, sugiro que utilizemos o 25º aniversário de nossa Constituição para analisarmos, em perspectiva histórica, o que foi aquele processo e como fomos ao longo desses anos tratando o sistema democrático que criamos a partir da chamada Constituição Cidadão.




 





O processo de liberalização política no Brasil, notem que não uso o termo redemocratização, foi efetivado em 1985 com a eleição de Tancredo Neves. Se não tínhamos experiências democráticas antes da ditadura militar como poderíamos voltar a uma democracia política? Ao contrário do que aconteceu na Espanha, saímos de uma ditadura e entramos numa democracia calma e pacificamente. Saímos da ditadura sem afastar do cenário nacional os atores políticos do regime ditatorial que se tentava encerrar.





Na verdade, o que tivemos foi um pacto entre as forças políticas - iniciado em 1974 e capitaneado por Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva. O fim da ditadura se deu mais por um grande acordo político do que por qualquer outra coisa. Efetivamente, tivemos um processo em que muito lentamente se foi inserindo alguns procedimentos democráticos nas instituições sem, no entanto, reformá-las e, principalmente, sem se mexer na espinha dorsal do regime ditatorial: o poder militar.





O fato é que tivemos o processo constitucional que podíamos ter. Entre ele e a continuidade de uma ditadura apodrecida pelo tempo, a sociedade preferiu, claro, ter uma Constituição que atendesse ao sistema que acabava e ao que nascia. Ao longo desse ano eu vou fazer várias colunas tratando da questão da Constituição de 1988 numa perspectiva analítica e crítica. Claro, podemos, também, comemorar em que pese não sabermos bem a que vamos render nossas homenagens.







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