Em 1938, Graciliano Ramos lançou o que para mim é
seu melhor livro, melhor até do que “Memórias do Cárcere”. Eu falo de “Vidas
Secas” que narra a via crucis de uma
família de retirantes que fogem da seca, da fome e da miséria pelo sertão nordestino.
“Vidas Secas” tem um forte teor politico e social. Mas, Graciliano deu a obra
uma estrutura dramática. Ele narra a história de Fabiano, de sua esposa Sinhá
Vitória e dos filhos que não possuem nomes, porque não possuem cidadania
alguma.
Eles têm um cachorro, chamado Baleia, e um papagaio
que apenas tentam sobreviver. Graciliano retrata a tragédia de quem passa fome
e tem que migrar pelo sertão a fora. Em 1963 Nelson Pereira dos Santos levou
“Vidas Secas” para o cinema. Feito em preto & branco, ele traduz o flagelo da
família de Fabiano, que poderia ser a história de qualquer outra família pobre
do sertão nordestino. Como no livro, os personagens do filme pouco se comunicam.
As metáforas são mais fortes do que as falas. Todas as vezes que o vejo tenho a
impressão que o personagem principal é o cachorro Baleia. Ele parece ser mais
humano do que os próprios homens.
Mas, porque, afinal, estou a falar de “Vidas
Secas”? É que essa semana a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome, Tereza Campello, veio à Paraíba tentar nos convencer de que a seca que
por hora enfrentamos não é grave, nem séria. A ministra tentou minimizar o
sofrimento das populações nordestinas atingidas pela seca. Como se isso fosse
possível. Disse ela que: “Apesar desta ser uma das maiores secas dos últimos
tempos, o povo não está passando fome”.
Pior do que negar a realidade nua e crua que vemos
pelo interior da Paraíba, foi a ministra dizer que o povo nordestino não está
passando fome, “graças às ações empreendidas pelo governo federal”. Acometida de grave incontinência
verbal e incumbida de defender o governo federal do qual faz parte, a ministra
foi adiante sempre tentando minimizar ou anular os efeitos da seca. Ela disse
que possui depoimentos que dão conta que esta seca, mesmo sendo uma das piores
dos últimos 50 anos, tem sido vivida de forma diferente.
Se existe uma seca e as
pessoas vivem (ou sobrevivem) do que conseguem retirar da terra, então não há
diferença, pois o sofrimento é o mesmo. A única diferença da seca de hoje para
a que vemos em “Vidas Secas” é que uma tem cores e a outra não. Na verdade, o
discurso da ministra foi direcionado para mostrar como o governo de Dilma
Rousseff é eficiente no trato de questões emergenciais. Claro, a ministra
estava em João Pessoa cercada de aliados do governo federal.
Tanto é verdade que a ministra desandou a citar
ações que vem sendo executadas pelo governo federal e que, pela ótica dela,
evitam que as pessoas passem fome ou sofram os flagelos da seca. Ela citou o
“Bolsa Família”, o “Seguro Safra” e o “Bolsa Estiagem” – e eu nem sabia que
existia mais essa bolsa. Como é que faz? Parou de chover, a pessoa recebe um dinheiro?
Se programas assistencialistas fossem solução para os problemas gerados pelas
secas seculares que enfrentamos, o Nordeste brasileiro seria a nova Canaã. O
Sertão e toda a região do Cariri seriam um enorme oásis onde a miséria não
teria vez.
Mas, devido a sua incontinência verbal, a ministra
se auto desmentiu ao dizer que: “As pessoas estão passando necessidade, estão
sofrendo muito, mas a gente não vive a fome como viveu em outras situações”.
Como assim? Não passa fome, mas passa necessidades e sofre muito?! Quer dizer
que o governo federal só vai fazer alguma coisa, sobre a seca, se concluir que
tem pessoas passando fome? Enquanto tivermos pessoas sofrendo e passando
necessidade não se fará nada?
Com todo respeito, a ministra Tereza Campello foi no
mínimo infeliz no que disse. A chefe dela, a presidente Dilma, deveria lhe
passar uma descompostura, daquelas que os caciques do PMDB já se acostumaram a
ouvir. Eu acho mesmo que Dilma deveria obrigar a ministra
Tereza a ler o livro e ver o filme “Vidas Secas”. Quem sabe se assistindo ao drama
da família de Fabiano a Ministra não entenderia que um dos primeiros problemas
que a seca causa é a escassez de alimentos.
Talvez, Dilma obrigasse sua ministra a seguir a
“Caravana da Seca” que vem sendo promovida pela Assembleia Legislativa e que já
percorreu cidades do Brejo, do Curimataú e do Seridó paraibano para ouvir a
população e as suas necessidades. Os deputados precisaram fazer uma caravana
para descobrirem o óbvio! O presidente da Assembleia, deputado Ricardo Marcelo,
disse que o objetivo da Caravana é ouvir a população para que se elabore um relatório
com as prioridades do Estado e se envie para o governo federal. Espero que ele
não passe pela mão da Ministra Tereza Campello, senão continuaremos a sofrer o
complexo de Fabiano.
Foram muitos os relatos ouvidos, em Picuí os
deputados ficaram sabendo que está faltando água para beber. Ricardo Marcelo
disse que ficou impressionado com o constante movimento de carros-pipa na
BR-230. Claro, é a indústria da seca que está funcionando de vento em popa. A
seca é como a guerra. Existe porque dá lucro. No dia em que elas pararem de
auferir rendas para alguns, pode ter certeza, elas vão acabar.
Um comentário:
Parabéns, pela lucidez com que expressa no artigo...essa industria da seca parece não ter fim nunca....o curioso é que são decadas e decadas de carencia de água no sertão e o discurso é o mesmo....o sertão precisa de agua....e nao se faz nada!....isso ratifica o interesse mesquinho que se esconde ....neste país tem dinheiro para tudo...para destruir estadios de futebol e construir novos, apenas para satisfazer os interesses da FIFA....mas nao tem dinheiro para resolver de vez com o problema da seca no sertão.....essa transposição do são francisco é outro engoldo...e muita gente ainda acredita que isso vai resolver a situação da falta de água.....esse projeto do são francisco é mais um daqueles que a paraiba viu...o canal coremas mae d'água...que só bneneficia as terras dos ricos...ou seja, eu não me iludo com isso....Parabens mais um vez Gilbergues....como sempre artigos de alto nível...
Postar um comentário