Existe um ditado, usado no
continente africano, que diz que só se deve acreditar nas histórias das caçadas
se elas forem contadas tanto pelos caçadores como pelos leões. Ou seja, antes
de acreditar em uma história, ouça pelo menos duas versões dela.
No começo da
próxima semana o golpe civil-militar efetuado entre março e abril de 1964
completará 49 anos. Eu vou fazer uma série alternada de colunas tratando não só
do golpe, que já foi chamado de revolução, como do Estado autoritário que ele
gerou. Talvez você, caro ouvinte, possa perguntar: “E daí, o que eu tenho haver com isso?”. De fato é um tanto quanto
difícil relacionar coisas de um passado, que já vai distante, com um presente
que vivemos e nem sempre entendemos.
Então, deixe-me tentar
demonstrar que muito do que somos e fazemos, nos dias de hoje, tem haver com esse
passado onde quase ninguém acreditava naquilo que hoje pensamos praticar. Eu
estou falando de DEMOCRACIA. O golpe militar aconteceu porque não havia,
naqueles dias de 64, nenhuma força política (à esquerda e à direita) que se colocasse
a favor da democracia. A ideia corrente era que crises institucionais só se
resolveriam com saídas de força, ou seja, golpes.
Assim, entre os dias 31 de março
e 03 de abril de 64, se efetuou um movimento que teve a participação de civis e
militares e que foi a chave para a implantação de um regime autoritário e
militarizado que durou 21 anos. O ato golpista foi rápido. Em 3 ou 4 dias o
golpe foi consumado. Um grupo de generais colocaram seus soldados na rua e
mandaram que eles cercassem instituições políticas como as sedes do governo
federal, no Rio e em Brasília, e do Congresso Nacional.
O presidente eleito João Goulart
foi deposto e mandado para fora do país. O regime militar foi se instituindo
aos poucos. Entre março de 64 e outubro de 65 a ditadura teve uma primeira
etapa de instalação, digamos, física. Esta etapa se conclui com o Ato
Institucional nº 02 de 27/10/65 quando o sistema pluripartidário de 1945 foi
extinto e no seu lugar implantou-se o bipartidarismo composto pela ARENA
governista e pelo MDB oposicionista.
O caro ouvinte pode perguntar:
“mas, que ditadura era essa que aceitava um partido lhe fazendo oposição”. Essa
era só mais uma das contradições do regime militar que tivemos. Inclusive, na
época, dizia-se que a MDB era partido do sim e a ARENA do sim, senhor! Esse sistema
multipartidário que temos com legendas (des)ideologizadas, com siglas de
aluguel e estruturas oligarquizadas é consequência desse bipartidarismo autoritário.
Pois este sucedeu aquele sem um processo político de reorganização.
Em outubro de 65 se
impôs a eleição indireta. Foi quando deixamos de poder escolher nossos
representantes. Passamos quase 20 anos sem decidir quem nos governaria. E votar
e como andar de bicicleta, não pare de praticar para não desaprender. Em
janeiro de 1967 aprovou-se uma nova Constituição. Ela era o somatório dos atos
e decretos editados desde o golpe, de itens autoritários recolhidos em várias
ditaduras pelo mundo afora e dos interesses dos grupos que ocupavam o poder.
Nossa atual
constituição herdou elementos do ordenamento jurídico da ditadura. Vejam, por
exemplo, o Artigo 142 que dá aos militares federais prerrogativas que eles
possuíam no período autoritário, porque, óbvio, precisam reprimir os inimigos
do regime. A pergunta que não quer calar é: porque seguimos tendo esses
entulhos autoritários em nosso sistema democrático? Do que, ainda, temos medo?
Ou, dito de outra forma, continuamos a desconfiar da democracia como um sistema
político viável?
Em março de 1967 o
Gal. Costa e Silva assumiu o poder, substituindo o Gal. Castelo Branco. Foi
neste mesmo momento que a esquerda armada e, também, militarizada iniciou as
ações armadas contra o regime. A Aliança Nacional Libertadora, de Carlos
Marighella, realizou a primeira expropriação num banco de São Paulo.
Expropriação era o eufemismo usado para assalto à mão armada. Marighella não
via outra forma de mudar o mundo.
Em 1968 explodiram
os protestos estudantis nas grandes cidades. Foi o tempo de fazer a hora e não
esperar acontecer. Todo mundo ia pegando em armas. Uns para implementar
reformas e fazer revoluções. Outras para impedir que essas coisas acontecessem.
Em dezembro de 68 se deu o golpe dentro do golpe.
Os militares fizeram um conclave e no final sinalizaram com uma espessa fumaça negra
chamada Ato Institucional nº 05 que ficou conhecido como AI-5. Com ele tudo era
proibido, até conversar em público.
Passamos tanto tempo proibidos de
nos manifestarmos que esquecemos como é que se faz. Nossos avós e pais eram
proibidos de, por exemplo, votar. Dessa forma não puderam nos ensinar como se
faz. É por isso que hoje elegemos de tudo, até políticos profissionais.
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