Imagine o caro ouvinte que a FIFA
divulgasse o ranking das seleções nacionais e que o Brasil aparecesse em 85º
lugar, ao invés de estar entre as 3 melhores seleções do mundo como é de costume.
Provavelmente, teríamos uma comoção nacional. Imaginem o que diria Galvão Bueno
em um irado editorial do Jornal Nacional? Correria o risco de termos uma revolta
quando o povo soubesse que sua seleção penta campeã ocupava o 85º lugar no
ranking da FIFA. Haveria rebeliões em praça pública.
As pessoas fariam greve. O
trânsito das grandes cidades se tornaria um caos total e a sede da CBF seria
invadida por torcedores revoltados e humilhados. O Congresso Nacional
convocaria uma CPI para apurar as responsabilidades. Certo, isso tudo uma
fantasia. Mas, o fato é que a ONU acaba de divulgar o ranking do Índice de
Desenvolvimento Humano (o IDH) e nele o Brasil aparece exatamente no 85º lugar.
O caro ouvinte sabe o que significa isso? Eu explico.
Nas últimas duas décadas o Brasil
melhorou seu IDH, mas segue com uma taxa menor do que a média dos países da
América Latina. O Chile ocupa o 40º lugar e a Argentina o 45º, enquanto nós
estamos no 85º lugar num total de 186 países. Vi pessoas reclamando do fato do
papa ser argentino, mas não lembro ter visto alguém protestar dessa goleada que
levamos de nossos vizinhos. Maradona, aquela pobre alma, tripudiou porque o
papa é seu conterrâneo, mas calou em relação ao IDH.
Certo, vamos refletir sobre a
questão. Segundo dados de 2012 do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento, o Brasil teve um aumento de 24% no seu IDH nos últimos 20
anos. É uma proporção superior à de outros países da América Latina. De 1990
até 2012, a Argentina aumentou seu índice em 16%, o Chile em 17% e o México em
18%. Neste mesmo período, o Brasil foi o 14º país que obteve mais sucesso na
árdua tarefa de reduzir os déficits do IDH. Nestes 22 anos o Brasil avançou
muito.
Mas, isso só agrava a situação.
Pois, com todas as melhoras seguimos tendo um resultado inferior a esses outros
países. Se hoje estamos, ainda, 40 países atrás da Argentina, imagine como não
era a situação lá no início da década de 90? O IDH é um índice de referência que
avalia o desenvolvimento humano dos países membros da ONU. Ele é calculado a
partir de três variáveis: vida longa e saudável; acesso ao conhecimento; e padrão
de vida decente.
A primeira variável é aferida a
partir da expectativa de vida dos cidadãos de cada país. A segunda é medida
pelos índices médios dos anos de escolaridade que os adultos de cada país
possuem. A terceira variável é obtida a partir da renda nacional per capita. É por isso que a
Argentina se colocada melhor do que o Brasil, pois só em Buenos Aires existem
mais livrarias e bibliotecas do que nas 10 maiores cidades brasileiras. Ser
penta campeão do mundo e ter Pelé não conta pontos no ranking do IDH da ONU.
O que importa mesmo é ter qualidade de vida, boas condições materiais e
cidadãos com bons níveis de conhecimento. O que interessa para a ONU não é pensar
com pés calçados em chuteiras e sim com cabeças recheadas de conhecimentos. Se
o IDH brasileiro não chega a ser muito baixo como de vários países do
continente africano, também está um tanto quanto longe dos 47 países que foram
rotulados com um IDH muito alto. O IDH brasileiro é de 0.73 em uma escala que
vai de 0 a 1.
Quanto mais próximo de 1, melhor o desempenho do país. Assim, ficamos em 85º
lugar num ranking composto por 186 países. O Brasil está no grupo dos que tem "alto
desenvolvimento humano". Mas, fica atrás da média latino-americana que é
de 0.741. Estar no grupo dos que tem "alto desenvolvimento humano" é
bom para o governo utilizar em suas propagandas institucionais e para Dilma
Rousseff colocar no seu guia eleitoral do ano que vem. Mas, olhando detidamente
ainda temos muito que melhorar.
O Brasil aparece empatado
com a Jamaica, que não é um primor de desenvolvimento. Líbano, Sérvia e Bósnia,
devastados por guerras nos últimos 22 anos, tem IDH melhor que o nosso. Peru e
Cuba, inferiores economicamente, possuem IDH melhor que o nosso. A Líbia, ainda
arrasada após a ditadura Kadafi, e o Irã, onde as mulheres podem ser
apedrejadas, possuem melhor IDH que o Brasil. E sabem por quê? Porque de alguma
forma eles valorizam mais aquelas três variáveis do que nós.
A questão é que adianta pouco crescer
economicamente, se isso não serve para fazer com que a qualidade de vida das
pessoas melhore. De que adianta ter um “PIBÃO”, como quer o ministro Guido
Mantega, se continuamos pobres de conhecimento. O fato é que temos um crescimento
econômico baseado no consumo e isto não serve como base para o IDH, pois não
adianta consumirmos tanto se não temos bons índices quando se trata de vida saudável, decente, e acesso ao conhecimento.
Mas, para que ter IDH alto se
sediaremos a Copa do Mundo e as Olimpíadas? Na pátria de chuteiras, IDH não
quer dizer nada. O que importa mesmo é o ranking da FIFA. No entanto, acendam a
luz vermelha, pois verifiquei o ranking da FIFA e vi que o Brasil ocupa, hoje,
o 18º lugar. Será possível que nem no futebol conseguimos mais ficar em
primeiro lugar?
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