quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

CENSORES E LINCHADORES NUM PAÍS DEMOCRÁTICO

Ibsen, dramaturgo norueguês, dava um conselho fenomenal. Ele dizia para nunca se discutir com um idiota, pois ele lhe fará descer ao seu nível e ganhará por ter mais experiência. Nos últimos dias eu tenho tentado seguir o conselho de Ibsen. É que os idiotas estam soltos a falar do que pensam conhecer. Está na moda falar do linchamento, seja físico, ético ou moral. Aliás, no Brasil, é bem mais comum do que se pensa a prática do linchamento como ainda vamos ver. Também tem se falado de censura, ou seja, de como se proibir que as pessoas exerçam o direito a livre expressão. O ato de censurar é algo que trazemos conosco. Aliás, censurar é típico das sociedades pouco democráticas com passados ditatoriais.


Estamos vendo jornalistas defendendo o linchamento de marginais e políticos propondo a criação de mecanismos para censurar a atividade jornalística. No Brasil é assim, basta alguém entoar o canto da sereia para todo mundo ir atrás.  Esse é o principal traço de nossa cultura política. Não sabemos, ou não queremos, utilizar os procedimentos legais e democráticos para resolver nossos mais sérios problemas. Estamos sempre atrás de saídas de força, de mecanismos autoritários. Quando alguém expressa uma opinião que discordamos, não sabemos como, democraticamente, contra argumentar. Somos sempre tentados a fazer nosso interlocutor se calar. Isso está em nosso sangue, é algo que trazemos de nossa formação.


O linchamento é uma forma de mostrarmos que somos fortes e de afrontarmos o Estado e o seu monopólio da coerção. Quando praticamos ou defendemos o linchamento estamos dizendo que não reconhecemos o papel das instituições coercitivas. Eu busquei no Google, o santo oráculo de nossos dias, a origem da palavra linchamento. Descobri que ela veio do nome de Charles Lynch que, por volta de 1780, era coronel do exército que lutava pela independência dos EUA. Charles Lynch fazia seus soldados baterem nos inimigos aprisionados até a morte. Outra versão, diz que havia, na mesma época, um capitão chamado William Lynch que mantinha um comitê para a captura e o linchamento de ingleses.

 
 Naquela época aplicar a Lei de Lynch significa matar um prisioneiro sem que ele fosse julgado. Já no século XX os chamados "comitês de vigilância", que deram origem a organização racista Ku Klux Klan, linchavam os negros indistintamente no sul dos EUA. O linchamento era o modus operandis contra defensores dos direitos civis, ladrões de cavalos e trapaceiros. A partir 1880, se tornou comum linchar criminosos das camadas inferiores. A ideia era dar fim ao criminoso para poupar os esforços do Estado. Mas, já na antiguidade se praticava o linchamento com o apoio da lei. Os judeus praticavam a lapidação, ou seja, o apedrejamento de uma pessoa até a morte. O adultério feminino e a homossexualidade masculina eram punidos com a lapidação.

Na Inglaterra se praticava o “halifax law”, i.e., a aplicação da lei da força. A ideia de uma parcela da sociedade se apropriar do conceito de justiça, para coloca-lo em prática, se baseando no uso da força e passando ao largo da lei, é tão antiga quando a prostituição. No Brasil, o linchamento ocorre quando, em geral, se pratica um crime odioso. Existe a crença disseminada de que a população faz justiça com as próprias mãos por não acreditar na eficácia da ação policial e judicial.  Certa vez li uma tese de doutorado sobre a cultura do linchamento. A justificativa para se praticar tal ato violento girava em torno da necessidade de fazer o trabalho que a polícia não realiza devido a ausência do Estado.

Mas, o fato é que o linchador ignora o “princípio da proibição da autotutela”. Ele desconhece que nós, cidadão, contratamos, com o Estado, seu direito exclusivo como garantidor da lei, da ordem social e da Justiça, pela aplicação da coerção física ou não. Na verdade, as hordas de linchadores bem sabem que as instituições coercitivas existem e que podem cumprir o papel constitucional que a elas atribuímos. A questão é a necessidade, autoritária, de demonstrar que se tem força, ou seja, que se tem poder. Vejam que os jovens que ataram aquele adolescente a um poste, e lhe aplicaram torturas físicas, além de humilha-lo com a nudez, confessaram que tinham montado uma patrulha para policiar a região do Aterro do Flamengo em busca de marginais.

Se eles queriam se sentir cidadãos úteis e responsáveis bastava organizar um trabalho para acionar a polícia sempre que necessário. Mas, nossa cultura política não pede a participação democrática do cidadão, ela quer que o cidadão use a força física. O debate sobre se o cidadão deve ou não usar a força é tão infrutífero quanto à ideia de negar a função das instituições coercitivas. Querer que o cidadão reaja, de arma em punho, é a mesma coisa de negar a existência do Estado, esse mal necessário que, sem ele, não vivemos.

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AQUI É O POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.

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