Demorou, mas a Lei da Ficha Limpa está sendo usada
em larga escala e eu tenho motivos para acreditar que atores e partidos políticos
já entendem que não podem mais lutar contra ela e que é preciso respeitá-la.
Os Tribunais Regionais Eleitorais barraram 317
candidaturas a prefeito com base na Lei da Ficha Limpa. A constatação foi feita
por um levantamento realizado pela Folha de São Paulo em 26 estados do país.
Mas, este número pode tanto aumentar como diminuir,
pois em 16 TRE´s existem casos que ainda vão a julgamento e, como se sabe, os
barrados na festa da democracia podem recorrer ao TSE.
Entre os “fichas sujas”
barrados temos o ex-presidente da Câmara dos Deputados, e líder do baixo-clero,
Severino Cavalcanti (PP), que queria se reeleger prefeito do município de João
Alfredo (PE). Ele foi enquadrado na lei por ter renunciado ao mandato de
deputado federal, em 2005, sob a acusação de ter recebido propina de um
concessionário da Câmara. Vejam a lei retroagindo para punir alguém.
Temos Rosinha Matheus,
atual prefeita de Campos (RJ). Ela teve o registro negado sob a acusação de
abuso de poder econômico e uso indevido de meios de comunicação durante as
eleições de 2008. Na Paraíba, Cláudia Alencar (PSDB) teve sua candidatura a
prefeita de Mataraca impugnada. A ex-prefeita teve suas contas reprovadas pelo
TCE e pela Câmara Municipal. Assim, não teve jeito, virou “ficha suja”.
Desses 317, 53 são paulistas. Isso pode ser bom, se
significar que São Paulo é modelo na implementação da Lei da Ficha Limpa, e
pode ser ruim se comprovar que o estado é pródigo na quantidade de políticos
ficha suja.
A aplicação da Lei da Ficha Limpa é a boa notícia dessa eleição. Já a notícia ruim é que pelo Brasil afora o 3º turno judicial vai acontecer, pois alguns atores políticos lutarão até o fim para passarem ao largo dessa lei.
A maioria dos barrados na festa do dia 07 de outubro
foi enquadrada no item da Lei da Ficha Limpa que torna inelegíveis os que
tiveram contas públicas rejeitadas por TCE´s. A lógica é clara. Se um governante foi reprovado por causa da gestão das
contas públicas, ele não pode mais querer continuar sendo gestor. Se a
reprovação se deu por improbidade administrativa, tanto pior.
A Lei da Ficha Limpa foi iniciativa popular
sancionada em 2010. Mas, ela só está sendo aplicada nessas eleições. O fato é
que atores e partidos políticos se organizam para não caírem na malha fina da
Ficha Limpa. O que essa lei tem de mais positivo é ter ampliado os casos em que
o político fica inelegível. Antes dela, os cassados, os condenados em
colegiados ou que renunciaram para evitar a cassação podiam se recandidatar. A
Lei da Ficha Limpa colheu esses casos.
O Juiz eleitoral Márlon Reis, um dos autores da
minuta da lei, disse que "A lei anterior era permissiva demais". Era
permissiva porque dava ao “ficha suja” a possibilidade de se proteger no
sagrado manto do foro privilegiado. Outro efeito da lei é que, com sua
normalização, vamos perceber os próprios partidos políticos evitando lançar
candidatos “fichas-sujas” por saberem que eles fatalmente serão impugnados no
TRE.
Mas, meu otimismo para por aqui, pois como a
reforma política não foi feito (provavelmente não será) tivemos que nos
contentar com a Lei da Ficha Limpa que ajuda a depurar nosso espectro
político-partidário. Tem quem diga que a Lei da Ficha Limpa é uma etapa do
processo de consolidação da democracia, assim como a Lei de Responsabilidade
Fiscal e a adoção da urna eletrônica. Mas, isso são apenas procedimentos
formais da democracia.
O cientista político Fernando Abrúcio disse que a
"grande reforma não virá, mas o país tem feito modificações positivas em
suas instituições”. Abrúcio acredita mesmo que essa depuração ajudará a reduzir
a corrupção. Infelizmente, eu não sou tão
otimista assim. Mas, darei o benefício da dúvida a Lei da Ficha Limpa. Eu
contarei três eleições, a partir de 2014. Darei um tempo para que essa lei
deixe de ser uma novidade.
Se ao final desse prazo o número de impugnações de
candidaturas diminuírem é porque os “ficha suja” resolveram baixar a cabeça
para a lei. Do contrário, a Lei da Ficha terá entrado no rol das leis que não
pegaram.