Em 1984 a grande luta, no Brasil,
era para que se pudesse ter o direito de escolher o presidente da República.
Naquela época ninguém com juízo perfeito desvalorizaria o ato de votar como é
tão comum se fazer hoje em dia. Se em 1984 defender o voto livre era algo
extremamente politizado, hoje em dia há quem ache que não deveríamos mais ter
eleições. Muitos cidadãos defendem que não deveríamos mais ser obrigados a
votar, que o ato de escolher deveria ser uma opção.
O que aconteceu nesses quase 30
anos para termos mudado tanto em relação ao sistema representativo que temos?
Sim, eu sei que o caro ouvinte irá me dizer que a culpa é dos políticos e da
corrupção que devasta nossas instituições. Certo, eu até concordo com isso, mas
gostaria de ponderar outras questões. A primeira delas é o que leva o eleitor
às urnas, considerando que o voto de uma única pessoa não influencia em nada o
resultado da eleição? Mais uma vez, o caro ouvinte dirá que o eleitor só vai às
urnas porque é obrigado. Será? Se não fossemos obrigados a votar,
apresentaríamos índices acima de 30% de abstenção nas urnas? Eu não acredito,
pois gostamos de eleição tanto quanto gostamos de novelas e futebol.
É preciso lembrar que fomos aos
poucos abrindo mão de nossa capacidade de mobilização política, daí só nos
restou o ato de escolher aqueles que nos representam e nos governam. Se isso é
pouco, imagine ficar até sem isso. Mas, a pergunta ainda não foi respondida. O
que leva o cidadão a votar? O que faz uma pessoa sair de casa, enfrentar um trânsito
congestionado e as longas filas apenas para depositar um voto na urna?
Certo, eu não esqueço nosso contexto
institucional onde o voto é obrigatório. Sabemos que existe um ônus para quem
deixa de votar. As sanções legais podem explicar porque uma fatia do eleitorado
segue votando gostando ou não disso. Mas, me deixem fazer o papel do advogado
do diabo. É obrigado a votar apenas quem é alistado no sistema eleitoral. No
Brasil, como em várias partes do mundo, o alistamento eleitoral é voluntário,
i.e., o cidadão não é obrigado a ter um titulo de eleitor.
Conheço pessoas
que nunca foram até a justiça eleitoral requerer um título de eleitor. Assim,
nunca votaram. Tenho um amigo que, com quase 50 anos, nunca foi numa sessão
eleitoral, apesar de acompanhar diariamente as coisas da política brasileira. É
interessante ver que a maioria dos brasileiros vai voluntariamente se alistar
no sistema eleitoral ao completar 16 anos. Dados do TSE e do IBGE mostram que o
crescimento do eleitorado é maior do que o crescimento vegetativo da população.
Com o fosso da
corrupção, com atores e partidos políticos tão desgraçadamente ruins e com
instituições tão frágeis, mesmo assim há
um número maior de pessoas procurando o direito ao voto do que o próprio crescimento
da população. Não me parece que
exista um movimento deliberado do cidadão brasileiro para deixar de votar. Pelo
contrário, ele entende que votar é o espaço por excelência para que pratique
sua participação política. Claro, existem outras explicações.
Pela teoria da escolha racional o voto é pautado por questões econômicas.
O cidadão vai às urnas por um cálculo que faz. Vendo que votando num candidato
será beneficiado com políticas públicas, encontra a motivação para sair de casa
e ir votar. O problema disso são os dilemas da ação coletiva. É que existem os
que preferem não agir e esperar que os benefícios venham independentemente da
sua participação. O fato é que existe o “carona” que usufrui dos resultados
obtidos pela ação de outros cidadãos.
Na teoria
sociológica do voto, a participação política é determinada pelo grau de
identidade entre grupos sociais e partidos políticos. Mas, esse modelo serve
bem a Europa não ao Brasil, onde os partidos não são exemplo para muita coisa. Alguns
sistemas políticos atraem seus cidadãos para o processo de escolha a partir da
possibilidade da incerteza do resultado, i.e., o eleitor aceita participar
quanto maior for a lisura do processo eleitoral. A incerteza seria o maior estímulo
para a participação.
Não existindo formas
infalíveis de se prever o desfecho de uma eleição, o cidadão se motivaria a participar
por não saber como os demais eleitores se comportariam, mesmo que as pesquisas pudessem
indicar algum provável resultado. Neste caso o eleitor é
estimulado a praticar um ato individual, e isolado, como única atitude possível
diante de um grau imenso de incerteza. Assim, a soma das atitudes individuais convergem
para o desfecho de uma eleição.
O fato é que precisamos ter claro
que a participação política não deve ser restrita ao ato individual e isolado
de votar. Se apaixonar pela eleição e se desinteressar pelo processo
representativo não passa de um jogo de soma zero. Eleição é condição
necessária, mas não é suficiente para se ter democracia.