O POLITICANDO de hoje é um tanto
quanto saudosista, pois se refere a um tempo em que nós, brasileiros, ainda
éramos capazes de nos mobilizarmos e irmos às ruas para protestar e reivindicar
por aquilo que considerávamos legal e legítimo. Em 1984 eu tinha 15 anos e
enxergava o mundo pelas cores monocromáticas que o sistema educacional da
ditadura militar, e uma ideologia pretensamente comunista, me ensinaram.
Foi exatamente em 1984 que
eclodiu o "Movimento das Diretas Já!". Aquele ano foi importante para que minha
geração fosse salva dos efeitos da ditadura militar. Em poucos meses aprendemos
mais sobre participação política do que em todos os anos em que fomos obrigados
a estudar Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política do Brasil e
Estudos dos Problemas Brasileiros. Todas aquelas vezes em que fui obrigado a
ficar perfilado para rezar o “Pai Nosso” e a “Ave Maria” e cantar o Hino
Nacional não me serviu para nada, nem para que decorasse aquela primeira parte
do Hino: “Ouviram do Ipiranga as margens
plácidas, de um povo heroico o brado retumbante...”.
Foi em 25 de abril de 1984 que o
Congresso Nacional rejeitou a Emenda Dante de Oliveira que instituía o voto
direto para presidente da República. Havia uma enorme esperança de que a Emenda
fosse aprovada. A sociedade se mobilizou em torno disso. E não sem razão, pois
desde o ano de 1960 que não votávamos para Presidente. Ver a Emenda Dante de
Oliveira aprovada no Congresso significava, para nós, que estávamos de fato
encerrando o ciclo da ditadura militar e começando a instituir uma democracia.
Em 1979, os militares passaram a aceitar
algumas liberdades democráticas, como a extinção do bipartidarismo e o
surgimento de novos partidos. Com eles, muita gente pode atuar politicamente e
isso contribuiu sobremaneira para as futuras mobilizações. Em 1982 houve
eleições para governos estaduais e para o parlamento. Leonel Brizola, inimigo
figadal dos militares, se elegeu governador do Rio de Janeiro. Foi assim que a
oposição ao regime militar articulou uma lei para que se instituísse o voto
direto.
A sociedade, que tinha uma
demanda represada por participação política de quase 15 anos, viu naquela
articulação a possibilidade de ir às ruas não só para dizer que queria votar
para presidente da República como para gritar todas as suas necessidades. A “Emenda Dante de Oliveira” foi o estopim que
precisávamos para ganhar às ruas. Lideranças políticas de oposição e da
esquerda realizavam comícios em defesa da Emenda e do direito de escolher o presidente.
Era a “Campanha das Diretas Já!”.
As “Diretas Já!”
foi um dos maiores e melhores movimentos políticos de nossa história
republicana. Algo inusitado acontecia naqueles comícios, pois podíamos ver os perseguidos
pela ditadura militar ao lado de artistas e intelectuais, além das lideranças
políticas. Pela televisão eu via tanta gente boa nos palanques que só podia
achar que aquilo não era algo ruim. Eu vibrava quando via Sócrates, Casagrande
e Wladimir, os craques da democracia corintiana, defendendo as “Diretas Já!”.
Em janeiro de 1984,
500.000 pessoas se reuniram na Praça da Sé, em São Paulo, para gritar “Diretas
Já!”. Em março, um milhão de pessoas tomaram as ruas do centro do Rio de
Janeiro. Foi quando a Globo teve que falar das Diretas no Jornal Nacional. Foi
com o Comício da Candelária, no Rio de Janeiro, que Chico Buarque compôs “Pelas
Tabelas”, onde diz que “Quando vi todo
mundo na rua de blusa amarela, eu achei que era ela puxando o cordão”.
Chico não falava de uma mulher, se referia à revolução que, por sinal, nunca
veio.
Os comícios aconteciam por toda parte, em todos os estados. Muita gente se assustava, pois ainda vivíamos numa ditadura, e aquelas bandeiras vermelhas faziam com que muitos se lembrassem dos acontecimentos de antes do golpe de 1964. Minha mãe, por exemplo, ficava muito preocupada e dizia o tempo todo que aquilo ia terminar numa quartelada. Eu tive a sorte de assistir três desses comícios. O primeiro, aqui em Campina Grande. Uma multidão tomou toda a extensão que vai da Praça da Bandeira até o começo da Rua João Pessoa. Eu nunca tinha visto tanta gente de vermelho e de amarelo num mesmo local. E, o que era mais interessante, aquela multidão sem fim podia se expressar livremente. Podia falar e defender suas ideias sem se preocupar muito com a repressão. Aquela foi uma das melhores aulas de política que eu tive em toda a minha vida.
Em João Pessoa, no
Ponto Cem Réis, e em Recife, na Praça do Derby, eu vi multidões maiores e mais
animadas. Em Recife, eu vi um mundaréu de gente gritando sem parar: “um, dois, três, quatro, cinco, mil, eu
quero votar para presidente do Brasil!”. Mas, e com tudo isso, a “Emenda
Dante de Oliveira” foi rejeitada no Congresso na noite de 25 de abril de 1984,
por uma diferença de 22 votos e com absurda quantidade de abstenções. É que os
militares deram um “jeitinho” de “convencer” vários deputados e senadores que
era melhor se ausentar do Congresso naquela noite. Em 1985 tivemos eleições
indiretas e foi aí que Tancredo Neves foi eleito presidente, mas essa já é a
continuação dessa história e fica para outra COLUNA POLITICANDO.
Na manhã do dia 26
de abril de 1984, no caminho para a escola, eu vi um senhor chorando. Perguntei
o que estava acontecendo e ele me disse, irado, que chorava porque os “safados dos deputados tinham rejeitado a
Emenda Dante de Oliveira”. Essa foi outra grande
lição que tive. Aprendi o quanto é perigoso, na politica, frustrar expectativas
e represar demandas. Mesmo que a Emenda das “Diretas Já!” tenha sido rejeitada,
aquilo tudo foi útil para minha geração que pode aprender que participar da
vida política do país é uma necessidade.
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