Passados exatos 49 anos do golpe
civil/militar de 1964 eu sugiro que façamos algumas reflexões. O golpe foi dado
no dia 01 de abril, mas ele nunca foi uma mentira, pelo contrário, ele foi o
marco inicial para longos 21 anos que tivemos de duras verdades. Eu vou
destacar duas questões para relacionar o fato histórico com nossa realidade
para não repetir o que tanto já se disse sobre o golpe de 64. Eu quero lembrar
que o passado só nos serve se for para fazer com que entendamos mais e melhor o
presente.
Ao contrário do que quer crer o
pastor/deputado Marco Feliciano, importa sim o que se fez no passado. É preciso
reavaliar o que fizemos, pois à medida que nos distanciamos temporalmente dos acontecimentos
de nossas vidas vamos mudando a visão sobre eles. É preciso redimensionar os
fatos vividos nos primeiros dias de abril de 1964 para nossa visão atual, pois,
claro, não vivemos no passado. O que quero é refletir sobre o que herdamos em
termos de cultura política do golpe e do regime militar que tivemos.
Por que as memórias do golpe e da
ditadura ainda nos são tão vivas? Seria pelas feridas ainda não cicatrizadas? Como
querer que os que foram reprimidos pelo Estado militarizado esqueçam tudo que
passaram? Saímos da ditadura e entramos na “Nova República” alegremente sem revermos
nossos atos. A Anistia Política de 1979 foi uma grande e pesada pedra colocada
por cima dos erros e crimes cometidos. Assim, herdamos uma sociedade e um
Estado recheados de “entulhos autoritários”, que o débil processo de
liberalização que tivemos não foi competente para extrair de nosso entorno
político. A ditadura acabou, mas seus procedimentos permaneceram conosco.
A principal causa do golpe de 64
foi uma suposta tensão existente entre democracia e mudanças sociais. É fato
que parte considerável da sociedade queria mudanças, mas duvido que houvesse um
único grupo organizado para defender e lutar pela democracia. O amplo espectro
político-partidário nacional fingia aceitar o falso dilema entre mudanças
sociais e democracia. Os atores políticos à direita acreditavam que a
democracia levaria às mudanças sociais - por isso mesmo praticaram o golpe. Os
atores à esquerda defendiam que só teríamos mudanças sociais acabando com a
democracia, pois eles defendiam a violência revolucionária como motor das
amplas reformas que parte da sociedade desejava.
O fato é que o confronto
entre as forças políticas favoráveis e contrárias às reformas de base destruiu
as instituições democráticas. O resultado a que se chegou nós bem conhecemos: nenhuma
reforma social e democracia inexistente!
O processo de
liberalização política (notem que não utilizo o termo redemocratização),
efetivado com a eleição de Tancredo Neves foi torto, pois não conseguiu afastar
do cenário nacional atores políticos que atuaram durante a ditadura militar. A
ditadura não acabou e se criou um Estado democrático. O que nós tivemos foi um
pacto entre as forças políticas - iniciado ainda em 1974 e capitaneado pelo
general Presidente Ernesto Geisel e seu senhor de todas as maldades, Golbery do
Couto e Silva.
O resultado foi um
processo em que lentamente se foi inserindo alguns elementos do ritual
democrático nas instituições sem, no entanto, reformá-las e, principalmente,
mantendo intocada a espinha dorsal do regime ditatorial: o poder militar. Democracia
é a junção dos mecanismos associados às formas de decidir em favor dos
interesses sociais. Democracia são as normas que regem o bom funcionamento das
instituições. Assim, é fácil ver que não temos uma democracia consolidada.
A forma como a
ditadura foi sendo encerrada não permitiu que tivéssemos um processo em que
Sociedade Civil e Estado firmassem um compromisso para banir as prerrogativas
que os militares atribuíram para si durante 21 anos. Como na ditadura, seguindo
a lógica da Doutrina de Segurança Nacional que dizia que o inimigo a se
combater estava dentro do território nacional e não fora dele, as Forças
Armadas continuaram mais preocupadas com a segurança interna do que com a
externa.
Vivemos um momento
difícil por não percebermos o quanto ainda temos que avançar no sentido de
efetivarmos uma democracia em que aqueles que detêm a força irão obedecer aos
que não as tem. Os atores políticos não devem
ceder às tentações de mudar as regras do jogo político enquanto ele estiver
sendo jogado. Devem se submeter às incertezas democráticas dos resultados. Esse
é o nosso maior gargalo político, além da corrupção, claro. Falta-nos, ainda, aceitar que democracia deve ter
um valor universal e rejeitarmos aquele dito do humorista Millôr Fernandes que
diz que “ditadura é você mandar em mim e
democracia sou eu mandar em você!”.
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