A jornalista
paraibana Raquel Sheherazade, apresentadora âncora do Jornal do SBT, conseguiu,
mais uma vez, gerar polêmica com um de seus editoriais. Dessa vez ela se
posicionou sobre o porto construído em Cuba com financiamento do BNDES
brasileiro. Ela disse que não tem limites a generosidade do nosso governo para
com os estrangeiros. Sheherazade estava furiosa por ter descoberto que governo
federal liberou mais de R$ 800 milhões para o porto cubano. Ela reclamou,
também, dos mais de R$ 500 milhões de dólares que saíram do Brasil, a título de
crédito para Cuba, e do fato do governo de Dilma ter perdoado a dívida que 12
países africanos tinham já há muito tempo com o Brasil.
A jornalista disse que não tem nada contra o espírito de solidariedade
entre os povos, mas que é um absurdo perdoar a dívida de países governados por
ditadores. Subjacente ao discurso de Raquel vejo uma atitude moralista,
apolítica, conservadora e reacionária. Eu não concordo que o governo do PT
trate países, controlados por ditaduras, como se fosse irmãos mais novos
precisando de cuidados. Mas, entendo que
as relações entre nações se dão por interesses que estam bem longe de serem
humanitários. Foi numa dessas declarações que tudo se revelou. Sheherazade disse
que era de esquerda, que gostava de política e que tinha votado em Lula. Mas,
se decepcionou tanto com o governo petista que terminou mudando radicalmente.
Vejam a fragilidade ideológica dessa moça e do que ela representa.
Justificar um discurso apolítico baseado nos desmandos de um governo, não
importa qual, é não compreender que a política é algo bem mais complexo do que
uma questão de governo. Por trás de uma pretensa atitude politizada, se percebe
um trabalho contumaz de negação da dimensão política, que é fundamental para o
funcionamento de uma sociedade e de suas instituições. Mas, Sheherazade não
está só. Na verdade, ela é a porta-voz, o produto mais bem acabado, de um
movimento que alcança vários setores da sociedade e que tem como principal
objetivo rejeitar e/ou negar a política em todas as suas dimensões.
Fazem parte desse movimento o deputado federal Jair Bolsonaro, que não
perde a oportunidade de defender uma volta ao passado ditatorial que já
tivemos, e que afirma sempre que o mal maior de nossa sociedade é a política.
Outro expoente desse movimento é a Deputado Estadual Myrian Rios. Ela aprovou
um projeto de lei para a implantação do “Programa de Resgate de Valores Morais,
Sociais, Éticos e Espirituais” na rede de ensino público do Rio de Janeiro. O
detalhe é que a deputada afirmou que esse projeto não tinha relação alguma com
a política, pois o objetivo maior era formar cidadãos que não pudessem ser
corrompidos. A deputada só não diz como é que ela mesma faz para ficar longe da
política.
Mas, não
encontraremos os despolitizados de toda sorte apenas na política institucional.
Entre os profissionais liberais, entre os jornalistas e, pasmem, no meio
acadêmico é fácil encontrar pessoas que acham que política só atrapalha ou que
não serve para nada. Para muitos, se são os políticos que praticam os atos
ilícitos, então a política não presta, é algo nefasto. Não tem sido incomum,
pessoas me questionarem como eu posso ficar falando de política, quando existem
tantas outras coisas mais importantes para tratar. É bem verdade que, toda essa
bandalheira só contribui para a proliferação de tais atitudes não só no meio
popular, como nos setores intelectualizados. Mas, um erro não justifica o
outro. O fato é que o desprezo pela política virou moda.
Tive que me
acostumar com os pronunciamentos enfurecidos contra a política. Convivo com um
bando de “Sheherazades” que se dedicam a campanha de negar a dimensão política,
por não entenderem que ela rege o funcionamento de nossa sociedade. Hoje em
dia, prova que tem uma atitude moderna, descolada, os que se consideram
apolíticos. Certa vez, ouvi um colega dizer que “eu sou um pesquisador, não me
envolvo com a política universitária, pois ela só serve para reproduzir os
vícios do parlamento”.
Os adeptos de
Raquel Sheherazade são os “puros de alma”, defensores da pureza da ciência e
dos valores morais. São os que defendem tudo o que é politicamente correto. São
os que acham que acima de tudo está a questão social, como se ela pudesse ser
descolada da dimensão política. Eles esquecem que a dimensão política existe
independentemente de suas vontades, humores e interesses. Eles não percebem que
seus discursos (aparentemente conscientes) só contribuem para a manutenção
desse estado de coisas. Agindo assim, oferecem seu quinhão para que muitos
pensem que o mal da humanidade está na política. Eles não educam, apenas
desconscientizam, e participam de um poderoso processo de alienação.
Sheherazade, e seus seguidores, deveriam parar com seus discursos revoltados e
irem estudar os clássicos da política.
2 comentários:
Concordo em parte com sua opinião, política vai além de discursos impregnados de revolta, mas torna-se humanamente impossível não perder as estribeiras e acabar por expressar de maneira exacerbada sua opinião quando o assunto é a democracia brasileira. Portanto, não acho que Sheherazade esteja certa, mas é cobrar demais do senso comum tenuidade quando o assunto é "bandalheira" em vez de política.
Bonitas palavras.
Belas críticas a Sherazade e parabéns, você sabe ser político e defender seus ideais.
Mas e sobre tudo isso gasto? Achei que você iria explicar sobre e não apenas criticar.
Se possível, escreva mais sobre tudo isso gasto.
Obrigado
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