quarta-feira, 10 de setembro de 2014

IDEOLOGIA, VOCÊ TEM UMA PARA VOTAR? PARTE II.

Ontem, eu mostrei que a maioria dos eleitores, tidos como de direita, dizem preferir votar em Marina Silva e que a maioria, dos que são de esquerda, se mostram interessados em votar em Dilma Rousseff. Eu mostrei, também, que isso não torna Marina uma empedernida direitista e nem faz de Dilma uma fiel seguidora dos ideais de esquerda. É quem num país como o nosso ser de esquerda ou de direita é, em muitas situações, tão somente uma postura de ocasião. Já dizia Lula que ideologia é uma coisa da juventude inconsequente e que na medida em que a pessoa vai ficando mais velha, e mais sábia, vai aprendendo a deixar de lado essas coisas que não levam a nada. O caro ouvinte duvida que Lula tenha dito isso?

Eu confesso que duvidei que ele tivesse sido capaz de dizer tamanha estultice. Mas, ele disse. E não foi numa reunião fechada com meia-dúzia de companheiros. Essa pérola do pensamento “lulista” foi dita num comício, em São Paulo, nas eleições de 2005. Mas, o próprio Lula se desmentiu. Já reeleito presidente, Lula saiu-se com outra grande frase de seu repertório de improvisos. Ele disse que quando se é jovem, é normal ser de esquerda. Mas, quando se vai ficando mais velho, aí é normal ir se tornando de direita. Norberto Bobbio, um respeitado pensador italiano da política contemporânea, já dizia que direita e esquerda se tornaram categorias universais da política e que fazem parte das noções que informam o funcionamento de nossas sociedades.

No mundo bicolor dos tempos da Guerra Fria tudo era mais fácil. O cidadão seria de direita se fosse a favor dos EUA, do capitalismo e da liberdade. E ele seria de esquerda se fosse a favor da União Soviética, do socialismo e da igualdade. Com o fim da Guerra Fria, e dessa bipolarização maniqueísta, as coisas ficaram bem mais complexas. Igualdade e liberdade puderam ser aceitas como coisas que possuem valor universal, para acima e além de alguns interesses políticos. Norberto Bobbio se considerava emotivamente de esquerda e se identificava com a defesa dos direitos do cidadão. Ele dizia que uma esquerda digna desse nome tem, por obrigação, que resistir a tentativa liberal de desmantelar os aparatos do Estado social.


Eu sei que o caro ouvinte deve estar se perguntando se essa discussão reflete bem nossa realidade e cultura políticas. Não, não reflete bem. Mas, não deixa de ser interessante perceber que em vários setores da sociedade essas questões estejam sendo tratadas. Vejam que quando Marina Silva disse, e depois desdisse, ser contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a liberalização da maconha, suscitou um interessante debate pelas redes sociais, na imprensa e no próprio mundo da política institucional.  Hoje as coisas são bem mais complexas. Não basta mais se fazer um vago discurso, a favor da liberdade ou da igualdade, para definir uma ideologia. Hoje, é preciso se posicionar sobre um sem número de questões das mais polêmicas.

Em geral, é de esquerda quem é a favor da liberalização da maconha e contra o porte de armas. E é de direita quem justamente é contra a liberalização e a favor do porte de armas. Eu disse, em geral, mas existem as subdivisões. Na economia, a esquerda defende que o governo deve ser o maior investidor, para promover desenvolvimento, e que quanto mais ele beneficiar a população mais bem estar se gera. A esquerda ainda acredita que o intervencionismo estatal pode ser bom. Para a direita é a livre iniciativa que leva ao desenvolvimento, através de seus investimentos particulares. A direita acredita que é melhor pagar menos impostos e contratar, junto a empresas particulares, os serviços de educação e saúde, por exemplo.

A direita acredita que os adolescentes que cometem crimes devem ser punidos como se fossem adultos. Já a esquerda defende que os adolescentes infratores devem passar por um processo de reeducação dirigido pelo próprio Estado. Em relação ao sindicalismo, a esquerda segue defendendo sua importância como um instrumento de defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores. Já para a direita, o sindicalismo é tão somente uma forma de projetar pessoas para a política partidária. A esquerda brasileira é bastante apegada as suas tradições, pois vejam que ela continua defendendo que as principais causas da pobreza e da criminalidade são as desigualdades sociais e a falta de oportunidades para todos os brasileiros.

A direita, claro, faz tábula rasa disso e defende que a pobreza e a riqueza são coisas naturais, inerentes aos homens e suas sociedades. Já a criminalidade recebe, de uma direita cada vez mais conservadora, um tratamento moral, ético e até religioso. De acordo com a pesquisa do Datafolha, da qual falava ontem, o eleitorado de direita e de centro-direita aumentou significativamente nos últimos quatro anos. Já o eleitorado de esquerda vem encolhendo timidamente, mas sem deixar de cair. O que será que está acontecendo? Será que Lula tinha razão? Será que na medida em que vamos envelhecendo vamos nos “endireitando”? Ou será que nossos valores são bem mais resistentes as mudanças do nosso tempo? Em todo caso não custa lembrar que, sim, somos dotados de ideias, que temos ideologias.

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AQUI É O POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.

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