O escritor e
dramaturgo italiano Luigi Pirandello, prêmio Nobel de Literatura de 1936, ficou mundialmente conhecido por causa de sua obra para o teatro “Assim é (Se lhe parece ser)” de 1917. O próprio Pirandello dizia
que sua obra era uma “farsa filosófica”. A peça é uma comédia que trata do que
é verdade, do que é falso e do contraste entre realidade e aparência. Nela, Pirandello
questiona se existe uma realidade única e objetiva e se ela pode ser interpretada
racionalmente. A história gira em torno dessa mania incorrigível que nós, seres
humanos, temos de querer saber o que se passa na vida alheia, i.e., trata de fofoca
e bisbilhotice. A trama central gira em torno da chegada de uma família a uma
província do interior da Itália.
Os moradores têm especial curiosidade pelos hábitos da família e
pelo fato de seus membros morarem em casas diferentes. O genro e sogra, dessa
família, têm versões opostas para isso, o que deixa os cidadãos ainda mais
curiosos para saber a verdade. Pirandello afirma que não existe uma só verdade,
mas diferentes pontos de vista. Não existiria uma só pessoa, mas diversas
máscaras que vestimos no dia-a-dia. Não haveria uma verdade absoluta. Por isso
que as coisas são aquilo que nos parecem ser. Mas, afinal, porque eu estou
falando da verdade dessa maneira tão filosófica? É que a Comissão Nacional da
Verdade continua as voltas com toda sorte de dificuldades para trazer à tona as
verdades que insistem em se manter muito bem guardadas.
Esta Comissão foi criada pela Lei 12.528/2011 com a finalidade de apurar
graves violações aos Direitos Humanos ocorridas entre 1946 e 1988. O objetivo
central da Comissão é investigar os crimes de tortura cometidos durante a
ditadura militar. A questão, enfrentada pela Comissão, é tratar da violência
praticada pelo Estado militarizado considerando que a Lei da Anistia de 1979 é
vigente. O problema é que anistiamos um sem número de pessoas sem saber o que
de fato elas fizeram. Sabemos que não existe uma verdade absoluta, como diria
Pirandello. Temos a verdade do torturador e a verdade do torturado. Mas, por
favor, não sejamos tão subjetivos, pois o fato é que o Estado militarizado
torturava e matava seus adversários.
Prender, torturar, matar e fazer corpos desaparecer foi uma
política de Estado, não uma coisa ocasional feita por um militar menos
civilizado. Nós temos uma verdade. Mas, ela só será útil se for publicada, se
for para escondê-la, melhor que se torne uma mentira. A Comissão Nacional
vinha, aos trancos e barrancos, conseguindo o depoimento de militares que
participaram ativamente da repressão praticada pelo regime inaugurado em 1964.
Todos devem lembrar o depoimento do Cel. Paulo Malhães. Foi aquele caso em que
o militar foi até a Comissão e confirmou suspeitas, citou nomes, datas, locais
e fatos. Depois ele foi assassinado em sua casa por um suposto ladrão. Houve
uma investigação, nada conclusiva, e a história segue em aberto.
Como se não bastasse o fato de não existir instrumento legal que
obrigue, através de intimação judicial, quem quer que seja a depor e de a Comissão
não ter poderes para processar militares torturadores, agora eles decidiram que
não mais falarão. Militares acusados de cometer crimes, na ditadura, fizeram um
pacto para se manter calados nos depoimentos. Eles comparecerão às audiências
públicas da Comissão da Verdade, mas evocarão o direito constitucional de
permanecerem em silêncio. O primeiro a praticar este silêncio, mais do que
comprometedor, foi o Gal. José Antônio Nogueira Belham, que chefiava o DOI-Codi
do Rio de Janeiro quando o ex-deputado Rubens Paiva foi morto sob tortura.
Provou-se que Belham estava nas dependências do DOI-CODI, comandando
operações, quando Rubem Paiva foi preso e torturado até a morte. Rodrigo Roca, advogado
de militares, disse que a fase de colaborar acabou e que a “orientação é o silêncio
total”. Convocado a depor numa audiência da Comissão, o tenente do Exército
José Conegundes do Nascimento, não só se recusou a comparecer, como ainda
afirmou que não vai não colaborar com o inimigo. Disse ele: “Não vou comparecer. Se virem”. O
coordenador da Comissão, Pedro Dallari disse que esse comportamento é "uma afronta à Comissão que foi constituída
por lei e que deve colher depoimentos”. Mas, o tenente bem sabe que a Lei
da Anistia lhe acoberta e protege.
Dallari disse ainda que o exemplo para o
silêncio vem de cima, pois as Forças Armadas seguem se negando a reconhecer as
práticas de tortura e morte. Esse comportamento institucional só estimula os
oficiais a não cooperar. Pior, consente o silencio deles. O general do Exército
José Brandt Teixeira se recusou a comparecer a audiência alegando que o alto
Comando das Forças Armadas orientou seus oficiais a só acatar convocações vindas
da própria autoridade fardada. Assim, está estabelecido o confronto, pois a Comissão
tem poder para convocar militares sem a autorização das Forças Armadas que
segue, oficialmente, afirmando que não houve tortura no Brasil. Pois é, assim
é, se assim lhe parece ser.
AQUI É O
POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.
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