“Declaro promulgado o documento da liberdade, da democracia e da justiça
social do Brasil”. Com essa frase, o presidente
da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) de 1988, Ulysses Guimarães, promulgava
a Constituição Federal que hoje usamos. Com esse ato, eternizado pela imagem em
que um sorridente Dr. Ulysses segurava a Constituição por sobre a cabeça,
abandonávamos a Constituição militarizada de 1967 e adotávamos a carta que
ficou conhecida como a “Constituição Cidadã”.
Mesmo
sendo tão jovem nossa Constituição já sofreu 74 alterações. O Congresso
Nacional realizou 67 emendas constitucionais e 6 emendas de revisão. A
Constituição dos EUA sofreu apenas 14 emendas em 226 anos de existência. Neste
momento tramitam pela Câmara dos Deputados cerca de 2.000 propostas para se
alterar o texto constitucional. É como se não soubéssemos o que é certo e o que
é errado. Parece que nunca sabemos bem quais leis seguir e quais rejeitar.
É
certo que não é de todo errado chamar nossa Constituição de cidadão. Muitos
estudiosos já notaram que a palavra “direito” aparece muito mais vezes do que a
palavra “obrigação” no texto constitucional. Para ser exato, a expressão
“direito do cidadão” aparece 76 vezes ao longo dos 245 artigos originais, enquanto
que a expressão “dever do cidadão” aparece tão somente quatro vezes. Isso
intriga os estudiosos. Uns dizem que somos licenciosos em demasia. Outros dizem
que evoluímos tanto no processo de consolidação democrático que fizemos uma
Constituição versada em direitos. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se
refere a nossa constituição como um modelo para o mundo democrático.
Quando lembro que a Assembleia
Constituinte definiu coisas como o direito do cidadão ter trabalho digno e
salário decente, ter direito a educação e a previdência social, ter direito a
licença materna e paterna, fico tentado a concordar com o ex-presidente FHC.
Mas, a tentação passa rápido quando lembro que nossa Constituição traz dentro
de si sua própria negação. Os mecanismos capazes de barrar os avanços sociais,
promovidos pela Constituição, se fazem presentes dentro dela própria.
A Constituição de
1988 não foi capaz de extirpar de nosso entorno político e jurídico uma série
de prerrogativas que o regime militar dispunha por ser, obviamente, um sistema
de força, autoritário. Fizemos uma Constituição sem termos claro que mecanismos,
normas e práticas seriam necessários para um salutar processo de consolidação democrático.
Aliás, tenho dúvidas se erámos conscientes de que a nova Constituição serviria
a uma democracia.
Naquele ano de 1988, os deputados
constituintes não quiseram, ou não puderam, questionar o legado autoritário que
atores políticos egressos do regime militar depositavam no texto
constitucional. Em 1999, estive num evento na UFPE onde o senador Roberto
Freire, que foi deputado constituinte, disse que a (SIC) ”ANC foi militarizada”. Ele relembrou que oficiais do Exército
participavam das sessões temáticas interferindo do jeito que bem queriam.
José Genoíno, também deputado
constituinte, disse a Revista Carta Capital certa vez que o Ministro do
Exército em 1988, Gal. Zenildo Lucena, ameaçou zerar a Constituição se alguns
deputados insistissem em rediscutir o texto do Artigo 142 da Constituição. O
artigo 142 é o que dá prerrogativas aos militares federais de intervirem na
ordem social e política do país, caso eles próprios entendam que ela está sendo
ameaçada. Algo assim, não se vê nem em constituições fundamentalistas do
Oriente Médio.
O fato é que o
mesmo processo constitucional que legou ao país tantos avanços em termos de
cidadania foi o que formalizou, diria mesmo normalizou, amplas prerrogativas,
com verniz democrático, àqueles que estiveram a frente da ditadura. É por isso
mesmo que eu não espero que a Lei da Anistia venha a ser extinta e que algum
agente público comprometido com a prisão, tortura e eliminação de presos
políticos, durante a ditadura militar, venha a ser punido na forma da lei.
É Inegável que a
Assembleia Nacional Constituinte foi um procedimento democrático, apesar do
casuísmo de termos elegido uma única pessoa para cumprir os distintos papéis de
deputado constituinte e deputado federal. É que concluídos os trabalhos da Assembleia Nacional, os deputados
constitucionais se tornaram automaticamente parlamentares. Eles, literalmente,
estavam legislando em causa própria. É por isso que tanto precisamos de uma
reforma política.
Nossa Constituição
completa 25 anos emendada, remendada, recheada de entulhos autoritários e, o
que é pior, com baixa efetividade. O Congresso Nacional segue se recusando a
fazer um amplo processo de revisão constitucional. Nossos representantes
preferem mexer aqui e ali em nossa lei máxima para maximizarem seus interesses.
E assim seguimos tendo uma Constituição Cidadã que não consegue efetivamente
garantir a cidadania.
Você tem algo a dizer sobre essa COLUNA ou quer
sugerir uma pauta? gilbergues@gmail.comAQUI É O
POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.
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