O caro ouvinte que acompanha o POLITICANDO já me ouviu falar que o
sistema democrático brasileiro não é estável e que nossas instituições
políticas são frágeis na medida em que nós mesmos não acreditamos na
efetividade delas. Também já me ouviu falar que nosso sistema é uma zona
cinzenta entre a democracia e o autoritarismo. Na verdade, vivemos em uma
semidemocracia. Um sistema híbrido que
mescla procedimentos democráticos com elementos do autoritarismo.
Nós não deveríamos,
mas aceitamos conviver pacificamente com elementos democráticos, como eleições
e liberdade de expressão, e com o que chamo de entulhos autoritários presentes,
inclusive, em nossa Constituição. Não é difícil perceber isso em nosso entorno.
Nossa realidade esta repleta de exemplos onde se recorre facilmente a esses
entulhos autoritários na tentativa de se resolver problemas gerados na própria
democracia.
As manifestações que
assistimos desde o mês de junho têm gerado mais custos do que benefícios para a
sociedade brasileira. É triste constatar que aqueles manifestantes, sem
liderança e sem agenda, deram lugar a esses “black blocs” ensandecidos. Existe
uma coisa em comum entre esses vândalos abilolados e as instituições
coercitivas, leia-se a polícia que é militarizada, quando entram em choque nas ruas.
Eles não acreditam na democracia. Para ambos os lados só existe a linguagem da
força. Se o meio para se manifestar é uso da força sem limites e fora da lei, a
forma para se reprimir é o uso da força acima da lei. É como se a cada novo
protesto se abrisse um portal que levasse manifestantes e polícia para os
tempos da ditadura militar.
Vejamos um exemplo prático
dessa questão. No dia 07 um casal de namorados participava de mais uma dessas
manifestações quando acabou preso. Até aí nada de mais. Os manifestantes tratam
uma prisão dessas como se fosse um troféu. Mas, a justiça paulista radicalizou
e indiciou a estudante de moda Luana Bernardo Lopes, 19 anos, e o artista
plástico Humberto de oliveira Caporalli, 24 anos, com base na Lei de Segurança
Nacional, algo incomum desde o fim do regime militar.
A LSN prevê pena de 03 a 10 anos para quem "praticar sabotagem
contra instalações militares, meios de comunicação, estaleiros, portos,
aeroportos, entre outros”. O crime é inafiançável, por isso que o casal já foi
enviado para o Centro de Detenção Provisória. A LSN era um instrumento
coercitivo da ditadura e foi criada para por em prática a Doutrina de Segurança
Nacional que definia que o inimigo interno deveria ser identificado e
eliminado. Inimigos eram todos os que questionavam o regime ditatorial.
Luana e Humberto saíram de Mogi-Guaçu, a 164 km de São Paulo, para
participar das manifestações entre a tarde e a noite do dia 07 no centro da
capital paulista. Os protestos foram violentos, como pudemos ver pela televisão.
Black blocs alucinados depredaram propriedades privadas e bens públicos. A
polícia prendeu várias pessoas, dentre elas Luana e Humberto. Um casal de
jovens como outro qualquer querendo expressar sua rebeldia incontida. Segundo a
polícia, o casal portava latas de spray, uma bomba de gás lacrimogêneo e uma
cartilha de como se portar em protestos. No boletim de ocorrências consta que eles
picharam prédios, incitaram a violência e ajudaram a virar um carro da polícia.
Mas, porque o delegado, que preside o inquérito, enquadrou o casal
com base na LSN se pichar prédios, incitar a violência e depredar bens públicos
são crimes previstos em nosso ordenamento constitucional que é democrático? Porque
se recorrer a um instrumento da ditadura para processar os que cometem crimes nos
dias de hoje? Imagine se cortássemos uma das mãos dos que roubam, como na
antiga Lei de Talião, mesmo que nosso Código Penal preveja esse crime?
Não que eu ache que os atos
de Luana e Humberto devam ser perdoados, caso eles realmente sejam culpados. Se
temos uma lei, feita a partir de procedimentos democráticos, que ela seja
aplicada. Por outro lado, resta a pergunta que não quer calar: se o instrumento
autoritário aí está, porque não utilizá-lo? É como a pessoa que anda armada e
que quando se envolve numa confusão se pergunta por que não usar sua arma.
A questão é: o que esse
entulho autoritário segue fazendo em nosso ordenamento jurídico? O fato é que
nós não acreditamos em nossas instituições democráticas. O fato é que só
acreditamos na força da exceção autoritária para resolver nossos problemas. Hoje,
nós até aceitamos viver nessa democracia eleitoral, desde que nossos entulhos
autoritários estejam ali, ao alcance da mão, para os momentos em que não
sabemos bem o que fazer com tantas leis e com tanta liberdade.
AQUI É O POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.
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