Eu era um adolescente que, claro, não sabia o que queria ou
poderia fazer na vida. Estudava numa escola que mais se parecia com um colégio
militar. Lá os princípios da hierarquia e da disciplina eram mais valorizados
do que o próprio conhecimento. Mas, foi nesta escola que tive um professor que me
abriu os olhos para muita coisa. Ele ensinava ciências, mas eu odiava estudar as
funções dos órgãos do nosso corpo, os micro-organismos, os animais vertebrados
e invertebrados e as bactérias.
Eu não conseguia entender,
se é que eu queria, porque tinha que saber que a célula é composta pelo núcleo
e pelo citoplasma e que é envolta por uma membrana celular. Para mim, nada
daquilo fazia sentido. Eu era, como
disse uma diretora dessa escola, um aluno sofrível e um caso sem solução por
causa de meu péssimo comportamento, de minha indisciplina e de uma ironia que
insistia em não me largar. Esse professor de ciências não me via dessa forma.
Ele achava que eu
tinha salvação. Depois de tentar me convencer de várias formas a prestar
atenção às aulas, ele mudou sua abordagem. Certo dia ele me fez uma proposta
irrecusável. Na verdade, ele propôs um trato. Eu não mais seria obrigado a
assistir as aulas dele, nem precisaria fazer as atividades que tanto detestava.
Em troca, teria que ler alguns livros que ele me emprestaria e depois discutir
com ele sobre cada um desses livros. Eu aceitei o trato na hora. O primeiro
livro que ele me deu foi “O que é ditadura”, da Coleção Primeiros Passos da Editora
Brasiliense. Eu tinha uns 13 anos e
adorei ler sobre o sistema político em que vivíamos lá pelos idos de 1982. Acho
que o cientista político começou a surgir ali.
E assim, cumpríamos o trato. Ele
me dava livros para ler e eu não perturbava as aulas dele. Nas horas vagas, nos
intervalos e na saída da escola ficávamos conversando sobre o que eu lia e sobre
filmes, músicas, história, futebol e, claro, sobre política. Foi pelas mãos
desse professor que tive acesso a um sem número de leituras que foram
primordiais em minha formação. Eu não percebia, mas ele estava, no bom sentido,
claro, fazendo minha cabeça. Mas, porque eu estou lembrando essa história?
Porque hoje é o dia do professor! Nada mais justo do que
lembrar a relevância social desse profissional. Mas, eu não vou repetir o
mantra do “quanto o professor é importante e deve ser valorizado”. Eu não vou
cair na vala comum dos discursos oficiais. Eu não vou fazer uma ode a mim, a meus
colegas e a nossa profissão e me recuso a reproduzir o discurso da vítima. Aquele
que diz “olhem o quanto é difícil ser professor, vejam como ele sofre”. Eu não
quero que ninguém tenha pena de nós.
É lógico, óbvio, que ninguém em sã consciência vai negar a
importância do professor na formação de um cidadão e no desenvolvimento social.
Mas, se é assim, como seguimos sendo profissionais tão pouco valorizados em
nosso país? Porque os governantes continuam a praticar a política de poucos
direitos e muitos deveres para com funcionários públicos da área de educação?
Porque governos tendem a criminalizar os atos dos professores que lutam pelos
seus direitos?
Recentemente professores foram tratados como “black blocs” alucinados
em manifestações no Rio de Janeiro e em São Paulo. No Rio eles protestavam
contra um projeto da Prefeitura que instituiu o professor “tudólogo”, i.e., o
especialista em tudo. O Plano de Cargos e Salários do prefeito Eduardo Paes
cria o professor que pode dar aulas de qualquer matéria, independente de sua
formação. Assim, um professor, como eu, formado em história, poderia dar aulas
de ciências. Vejam que perigo!
Mas, isso não é de hoje. Quem não lembra o ex-governador de
São Paulo, Mário Covas, em plena praça pública colocando o dedo na cara de um
professor e dizendo a plenos pulmões que (SIC) “... professor meu não tem direito de reclamar, tem que dar aulas”. Em
Campina Grande as coisas não são diferentes. Vejam que entra e sai governo e os
professores municipais seguem com as mesmas reivindicações. E seguem sendo
desrespeitados, até chamados de vagabundos, quando resolvem reivindicar seus
direitos e aquelas melhores condições para poderem cumprir seus deveres.
Hoje, a Câmara Municipal realizará uma sessão, proposta pelo
vereador Lula Cabral, para homenagear professores. Nesta sessão, Jonilda Alves
receberá medalha de Honra ao Mérito Municipal por relevantes serviços prestados
a educação no município. Eu não duvido que esta seja uma justa homenagem. Aliás,
eu proponho que, também a título de homenagem, os professores sejam bem mais ouvidos
em suas reivindicações e demandas para que não precisem fazer greves. Para terminar, aquele professor de ciências
que tive lá na escola se chamava Raimundo. E ele me ensinou o que era uma
célula e, mais do que isso, me mostrou que o conceito de célula pode ser usado
em muitas coisas, inclusive na política.
Você tem algo a dizer sobre essa COLUNA ou quer sugerir uma pauta? gilbergues@gmail.com
AQUI É O POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.
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