quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

A MILITARIZAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO COMO RESERVA ESTRATÉGICA


O general Newton Cruz, um dos expoentes da chamada linha dura do regime instalado pelo golpe civil-militar de 1964, concedeu entrevista ao jornalista Geneton Moraes Neto, em janeiro de 2011, onde tentou explicar o porquê das intervenções militares no Brasil. Com sua costumeira grosseria, Newton Cruz disse que o exército nunca quis tomar o poder. Ele afirmou que foram os civis que bateram às portas dos quarteis em março de 1964. Por incrível que pareça, Newton Cruz disse algo que faz sentido.

Historicamente, esse foi nosso modelo. A cada novo dilema institucional, chamávamos as Forças Armadas para resolvê-lo. Quando nós, os civis, não sabíamos como lidar com algum problema, corríamos para pedir auxílios aos militares. O preço que pagávamos era o do uso indiscriminado da força sobre nós mesmos. Em 1964, parte da sociedade civil, além da elite política, tremia só de pensar que o Brasil poderia tomar o mesmo rumo revolucionário de Cuba. A solução para esses temores foi chamar os salvadores da pátria. O golpe civil-militar foi à solução que a elite encontrou para o dilema que enfrentávamos. Estávamos em dúvida entre as reformas de base, os projetos revolucionários e a democracia. Decidimos ficar com a força e o conservadorismo.

A teoria de Newton Cruz se mostra atual. Depois que Joseph Blatter interpelou a presidente Dilma sobre a segurança que o Brasil vai oferecer aos que vão participar da Copa da FIFA, o governo tomou a atitude de sempre e chamou os salvadores da pátria. Como não temos uma democracia consolidada e como nossa cultura política é lastreada por um autoritarismo ancestral, a solução que o governo federal está oferecendo à FIFA é a das Forças Armadas fazerem o papel de polícia durante a Copa do Mundo. 


O Ministério da Defesa manterá tropas (do Exército, da Marinha e da Aeronáutica) aquarteladas nas cidades-sedes durante toda a Copa da FIFA. Segundo o governo, será uma "reserva estratégica". A ideia é aciona-la caso as coisas saiam do controle. Essas tropas aquarteladas podem intervir em caso de perda de controle na área de segurança. Se a quebradeira tomar às ruas, essas tropas podem deixar os quartéis e assumir a dianteira do enfrentamento. A polícia passaria a retaguarda. Numa hipótese extrema, as tropas federais assumiriam o comando e substituiriam as polícias estaduais, inclusive no tocante a contenção das manifestações que voltaram a acontecer e que, ao que tudo indica, ainda vão acontecer mais.

A FIFA mostrou grande preocupação com os protestos de massa, com as ações dos “black blocs” estúpidos e, claro, com o poder que o crime organizado tem no Brasil. O governo federal respondeu com uma medida extrema, além de temerária. O caro ouvinte poderá me questionar: “mas, qual é o problema de usar o Exército se as polícias não conseguem dar conta dos graves problemas na área de segurança pública?”. O problema é a contumaz militarização do espaço público. E que cada vez que a sociedade civil pede ajuda aos militares atesta sua incapacidade e sua dependência do uso da força. Sem contar, que comprova as fragilidades de um sistema democrático que só se sustenta pelo uso da força militar.

O fato é que se não conseguimos prover nem nossa própria segurança, como poderemos prover a segurança de um evento do porte da Copa da FIFA? Infelizmente, não se pensou nisso quando nos atrevemos a querer sediar uma Copa do Mundo. Quando o Brasil quis ser sede da Copa, alguém da FIFA deveria ter perguntado como se agiria no caso do agravamento dos problemas de segurança. A FIFA, por sua vez, não foi enganada, pois o mundo sabe como somos violentos. O governo é consciente dos perigos que rondam o uso dessa reserva estratégica. Tanto é que anunciou que uso dos militares será a última alternativa, só prevista para o caso de fracasso das forças de segurança pública. Esse é o problema.

O governo não poderia trabalhar com a alternativa do fracasso das polícias. Quando o sistema político é verdadeiramente democrático, suas instituições coercitivas não são desacreditadas nem pelo governo e muito menos pela sociedade. No Brasil, não nos esforçamos para ter uma polícia apta a lidar com a questão da violência e com as desordens de toda sorte, porque nos fiamos na possibilidade concreta de usarmos as tropas militares sempre que alguma coisa não der certo.

Uma reportagem do Jornal “O Estado de São Paulo” mostrou que o Ministério da Defesa editou, em dezembro de 2013, uma portaria regulando o uso das Forças Armadas nas Operações de Garantia da Lei e da Ordem. O Ministério negou haver uma relação entre as manifestações e a realização da Copa. Mas, o fato é que o governo vem afiando suas garras para garantir que distúrbios e violências não se tornem manchetes durante a Copa do Mundo.

Você tem algo a dizer sobre essa COLUNA ou quer sugerir uma pauta? gilbergues@gmail.com

AQUI É O POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.

Nenhum comentário: