O general Newton
Cruz, um dos expoentes da chamada linha dura do regime instalado pelo golpe
civil-militar de 1964, concedeu entrevista ao jornalista Geneton Moraes Neto,
em janeiro de 2011, onde tentou explicar o porquê das intervenções militares no
Brasil. Com sua costumeira grosseria, Newton Cruz disse que o exército nunca
quis tomar o poder. Ele afirmou que foram os civis que bateram às portas dos
quarteis em março de 1964. Por incrível que pareça, Newton Cruz disse algo que
faz sentido.
Historicamente,
esse foi nosso modelo. A cada novo dilema institucional, chamávamos as Forças
Armadas para resolvê-lo. Quando nós, os civis, não sabíamos como lidar com
algum problema, corríamos para pedir auxílios aos militares. O preço que
pagávamos era o do uso indiscriminado da força sobre nós mesmos. Em 1964, parte
da sociedade civil, além da elite política, tremia só de pensar que o Brasil
poderia tomar o mesmo rumo revolucionário de Cuba. A solução para esses temores
foi chamar os salvadores da pátria. O golpe civil-militar foi à solução que a
elite encontrou para o dilema que enfrentávamos. Estávamos em dúvida entre as
reformas de base, os projetos revolucionários e a democracia. Decidimos ficar
com a força e o conservadorismo.
A teoria de Newton Cruz se mostra atual. Depois que Joseph Blatter
interpelou a presidente Dilma sobre a segurança que o Brasil vai oferecer aos
que vão participar da Copa da FIFA, o governo tomou a atitude de sempre e
chamou os salvadores da pátria. Como não temos uma democracia consolidada e
como nossa cultura política é lastreada por um autoritarismo ancestral, a
solução que o governo federal está oferecendo à FIFA é a das Forças Armadas
fazerem o papel de polícia durante a Copa do Mundo.
O Ministério da Defesa manterá tropas (do Exército, da Marinha e da
Aeronáutica) aquarteladas nas cidades-sedes durante toda a Copa da FIFA.
Segundo o governo, será uma "reserva estratégica". A ideia é
aciona-la caso as coisas saiam do controle. Essas tropas aquarteladas podem
intervir em caso de perda de controle na área de segurança. Se a quebradeira
tomar às ruas, essas tropas podem deixar os quartéis e assumir a dianteira do
enfrentamento. A polícia passaria a retaguarda. Numa hipótese extrema, as
tropas federais assumiriam o comando e substituiriam as polícias estaduais,
inclusive no tocante a contenção das manifestações que voltaram a acontecer e
que, ao que tudo indica, ainda vão acontecer mais.
A FIFA mostrou grande preocupação com os protestos de massa, com as ações
dos “black blocs” estúpidos e, claro, com o poder que o crime organizado tem no
Brasil. O governo federal respondeu com uma medida extrema, além de temerária. O
caro ouvinte poderá me questionar: “mas, qual é o problema de usar o Exército
se as polícias não conseguem dar conta dos graves problemas na área de
segurança pública?”. O problema é a contumaz militarização do espaço público. E
que cada vez que a sociedade civil pede ajuda aos militares atesta sua
incapacidade e sua dependência do uso da força. Sem contar, que comprova as
fragilidades de um sistema democrático que só se sustenta pelo uso da força
militar.
O fato é que se
não conseguimos prover nem nossa própria segurança, como poderemos prover a
segurança de um evento do porte da Copa da FIFA? Infelizmente, não se pensou
nisso quando nos atrevemos a querer sediar uma Copa do Mundo. Quando o Brasil
quis ser sede da Copa, alguém da FIFA deveria ter perguntado como se agiria no
caso do agravamento dos problemas de segurança. A FIFA, por sua vez, não foi
enganada, pois o mundo sabe como somos violentos. O governo é consciente dos perigos
que rondam o uso dessa reserva estratégica. Tanto é que anunciou que uso dos
militares será a última alternativa, só prevista para o caso de fracasso das
forças de segurança pública. Esse é o problema.
O governo não
poderia trabalhar com a alternativa do fracasso das polícias. Quando o sistema
político é verdadeiramente democrático, suas instituições coercitivas não são
desacreditadas nem pelo governo e muito menos pela sociedade. No Brasil, não
nos esforçamos para ter uma polícia apta a lidar com a questão da violência e
com as desordens de toda sorte, porque nos fiamos na possibilidade concreta de
usarmos as tropas militares sempre que alguma coisa não der certo.
Uma reportagem
do Jornal “O Estado de São Paulo” mostrou que o Ministério da Defesa editou, em
dezembro de 2013, uma portaria regulando o uso das Forças Armadas nas Operações
de Garantia da Lei e da Ordem. O Ministério negou haver uma relação entre as
manifestações e a realização da Copa. Mas, o fato é que o governo vem afiando
suas garras para garantir que distúrbios e violências não se tornem manchetes
durante a Copa do Mundo.
AQUI É O POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.
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