Há exatos 50
anos, em 31/03/1964, o presidente João Goulart foi deposto pelo que prefiro
chamar de golpe civil-militar. Na época, uns chamaram aquilo de revolução e
outros de golpe. Hoje, a sociedade brasileira, como há 50 anos, segue dividida.
Tem quem defenda que deveríamos voltar aos tempos da ditadura militar e tem que
afirme que luta para que o Brasil se torne uma república socialista. Bem mais para
o mal do que para o bem, o Brasil de março de 64 não era tão diferente do que
vivemos hoje. Se em 64 havia a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, que
comemorou a deposição de João Goulart, e as manifestações pelas reformas de
base, hoje temos a “Marcha da Família com Deus II - O Retorno" e a “Marcha
Antifascista”.
O debate central nestes dias, sobre essa data marcante, tem se dado sobre o que de fato ocorreu naquele 31 de março. Eu li um artigo em que seu autor perguntava se o Brasil tinha sido vítima de um golpe ou salvo por uma revolução. Historiadores estam revendo seus conceitos e defendendo que não se pode falar que a ditadura militar durou 21 anos, pois entre 1964 e 1968, por exemplo, teríamos tido um sistema híbrido de um viés autoritário com procedimentos democráticos. Mas, eu quero lembrar que já nos primeiros dias do regime militar o líder comunista Gregório Bezerra foi preso, espancado e barbaramente torturado por militares. Gregório foi amarrado a um jipe do Exército e arrastado pelas ruas de Recife.
Se usarmos premissas equivocadas chegaremos a termos diferentes, mas que
se equivalem. O fato é que tivemos um governo constitucional deposto e que
mandatos eletivos foram cassados. Sem contar que o parlamento e o judiciário
foram subjugados. Também, é preciso lembrar que o governo ditava Atos
Institucionais e decretos-lei e que não havia liberdade de imprensa, associação
e expressão. Claro, nunca, jamais, esqueçamos que pessoas eram pressas,
torturadas e mortas. Assim, por favor, não tergiversemos. O que tivemos no
Brasil, entre 1964 e 1985, foi, sim, uma DITADURA MILITAR. Claro, não tivemos
uma ditadura homogênea como a do Chile, onde um único general tomou o poder e
nele permaneceu por alguns anos.
A ditadura militar brasileira teve fases diversas, pois diferentes setores
das Forças Armadas se reversavam no poder. Foi o jornalista Elio Gaspari quem
conseguiu precisar essas várias fases numa preciosa série de livros sobre o
período militar. Cada um dos cinco livros especifica um período do regime
militar, mostrando onde ele foi mais tirano, mais institucional, mais
desenvolvimentista e onde mais exercitou alguns procedimentos democráticos. Foi
Gaspari quem provou que o 4º general-presidente do regime militar, Ernesto
Geisel, sabia que a tortura era usada em larga escala como uma política de
Estado. Tem mais, não só sabia, como concordava, e até defendia a necessidade
de tal expediente.
O que confunde é que muitos generais e coronéis eram legalistas. Golbery
do Couto e Silva defendia que os atos do governo deveriam ser
constitucionalizados. O ato mais autoritário da ditadura foi chamado de
Institucional. Eu me refiro ao AI-5 de Dezembro de 1968. Em 1964 ainda éramos
muito atrasados. Em janeiro daquele ano, uma pesquisa do IBGE revelava que dois
terços dos brasileiros sobreviviam com menos de 1.600 calorias diárias, era a
chamada “fome canina”. Hoje, ainda temos brasileiros enfrentando a fome, a
miséria, o analfabetismo e sofrendo os males advindos da desigualdade social. O
golpe foi dado sob a justificativa de se combater a corrupção no governo de
João Goulart. Hoje, os querem um novo golpe militar afirmam que é essa a forma de se
acabar com a corrupção. Passados 50 anos, depois de experimentarmos todo tipo
de governo e vivido sobre uma ditadura e uma democracia, mesmo que frágil,
mudamos em quê? Quando vi a pesquisa mostrando que a maioria da população
brasileira “acredita que mulheres que usam roupas curtas, mostrando o corpo,
merecem ser atacadas” pensei que estava lendo um estudo realizado em 1964. Não,
não estava. Essa pesquisa foi feita entre maio e junho de 2013 pelo Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada. Cada vez que vejo um jogador de futebol sendo
agredido por causa da cor de sua pele nos vejo perdidos em um túnel do tempo sem
fim.
Os defensores, de ontem e de hoje, da tal “revolução de 64” afirmam que o
Brasil melhorou e se modernizou por causa do Regime Militar. Será mesmo? O que
vejo é que continuamos tão racistas, machistas e conservadores quanto a 50 anos
atrás. O que me perturba é esse saudosismo autoritário que não deixamos de ter.
O golpe civil militar de 1964 implantou um regime que praticou a tortura como
uma política de Estado. Isso deveria ser o bastante para abominarmos toda e
qualquer ditadura. No entanto, muitos brasileiros querem esse regime de volta.
Hoje, parece ser normal que um regime político tenha torturado e matado
cidadãos apenas porque eles eram tidos como subversivos. Realmente, hoje parece
mesmo ser o dia 31 de março de 1964.
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FM.