sexta-feira, 21 de março de 2014

Quando os esqueletos se remexem no armário


Numa entrevista ao Jornal carioca “O Dia”, o coronel reformado do Exército Paulo Malhães admitiu, pela primeira vez, que foi um dos chefes da operação que, em 1973, deu um fim definitivo ao corpo do então deputado federal Rubens Paiva. Para quem não sabe Rubens Paiva é o pai do escritor Marcelo Rubens Paiva, que escreveu o famoso livro “Feliz ano velho”, um retrato muito interessante da geração, a minha por sinal, que nasceu e se criou sob o signo do medo, da proibição e da censura. Rubens Paiva era deputado federal pelo PTB, partido de João Goulart - presidente deposto pelo golpe de 1964. Ele foi pego em sua residência no dia 20/01/1971 e levado para 0 Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica – o CISA. Depois, Rubens Paiva foi entregue a agentes do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna. Nas dependências do DOI-CODI, Paiva foi torturado até a morte.  Seu corpo nunca foi encontrado.


Agora podemos, finalmente, saber o que aconteceu. O Cel. Malhães disse ao Jornal “O DIA”: “Recebi a missão para resolver o problema, que não seria enterrar de novo. Procuramos até que se achou o corpo. Aí seguiu o destino normal”. Por “seguir o destino normal” entenda-se dar fim ao corpo de forma que ele nunca pudesse reaparecer. Mas, a missão do Cel. Malhães falhou, pois mesmo em sociedades pouco democráticas como a nossa, a verdade teima em vir à torna. Os mortos e desaparecidos da ditadura militar ressurgem, tal qual espectros renitentes, a nos lembrar que nosso processo de transição para a democracia está inacabado. Malhães parece ter entendido que a verdade é um bem que não podemos jogar fora.


O relato de Malhães é detalhado. Ele afirma que o corpo do deputado Paiva tinha sido enterrado no Alto da Boa Vista no Rio de Janeiro. Mas, alguns militares temiam que obras, que a prefeitura realizava no local, pudessem revelar o cadáver. Malhães recebeu ordens para que o corpo de Rubens Paiva fosse retirado do local. Ele conta que havia uma ordem expressa, vinda do Gabinete do Ministro do Exército, para que se desse uma “solução final” ao caso. O Cel. Malhães apenas não revela o que se fez. Disse ele que: “Pode ser que o corpo tenha ido para o mar ou para um rio”. Malhães foi condecorada, em 1974, com a Medalha do Pacificador. Será que foi por causa dos serviços prestados à ditadura?


Malhães foi, ainda, agraciado com a Anistia Política de 1979. Seus superiores previam que, algum dia, a sociedade e/ou um governo, com algum verniz democrático, pudesse querer saber o que de fato ocorreu e punir os que cometeram atos arbitrários. Há 3 meses a Comissão Nacional da Verdade apresentou um relatório parcial sobre este caso. A Comissão revela que o ex-chefe do Pelotão de Investigações Criminais, Ronald José Mota Batista, detalhou como Rubens Paiva foi torturado até a morte. Certo, já sabemos da verdade. A questão agora é: de posse dela, o que faremos?


Podemos enquadrar, com os rigores da lei, estes homens que torturam e mataram pessoas que eram adversárias do regime militar ditatorial? Não, não podemos, pois passamos uma borracha, chamada Lei da Anistia, em nossa triste e suja história política recente. A Lei da Anistia perdoou a todos indistintamente. Existe um pacto informal para que não passemos do estágio de levantar as verdades. O Governo Federal lançou, em 2007, o relatório “Direito à memória e à verdade”, elaborado pela Comissão Especial sobre os Mortos e Desaparecidos Políticos que deu origem a atual “Comissão Nacional da Verdade”. Vejam, é um documento oficial. É o Estado declarando que adversários do regime militar foram torturados e que muitos morreram através desse expediente abominável. É o Estado reconhecendo que forças da repressão cometeram crimes como tortura, assassinato e ocultação de cadáveres.


Interessa ver que o mesmo Estado que admite ter aniquilado cidadãos seus é o que se recusa, explicitamente, a julgar e condenar os que cometeram crimes tidos, pelo direito internacional, como de lesa humanidade. Daqui a dez dias completaremos 50 anos do golpe civil-militar de 1964. Muito se diz que devemos lembrar os fatos para que eles não voltem a ocorrer. Certo, devemos, sim, remexer nos segredos do período militar. Mas, para que mesmo faremos isso?



Porque temos que deixar que os esqueletos sem identificação saiam dos arquivos e das memórias? Governo e sociedade civil estão dispostos a enfrentar o ônus de entrar em rota de colisão com os que precisam que as verdades não venham à tona? Trazer as verdades ao conhecimento de todos é fundamental. Mas, adiantará pouco fazê-lo se não tivermos a coragem democrática de punir os transgressores da ditadura. Não punir os torturadores de ontem é encorajar os torturadores de hoje a agirem quando eles acharem que é necessário.

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AQUI É O POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.

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