Numa entrevista ao Jornal carioca “O Dia”, o coronel reformado do Exército Paulo Malhães admitiu, pela primeira vez, que foi um dos chefes da operação que, em 1973, deu um fim definitivo ao corpo do então deputado federal Rubens Paiva. Para quem não sabe Rubens Paiva é o pai do escritor Marcelo Rubens Paiva, que escreveu o famoso livro “Feliz ano velho”, um retrato muito interessante da geração, a minha por sinal, que nasceu e se criou sob o signo do medo, da proibição e da censura. Rubens Paiva era deputado federal pelo PTB, partido de João Goulart - presidente deposto pelo golpe de 1964. Ele foi pego em sua residência no dia 20/01/1971 e levado para 0 Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica – o CISA. Depois, Rubens Paiva foi entregue a agentes do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna. Nas dependências do DOI-CODI, Paiva foi torturado até a morte. Seu corpo nunca foi encontrado.
Agora podemos, finalmente, saber o que aconteceu. O Cel. Malhães disse ao
Jornal “O DIA”: “Recebi a missão para
resolver o problema, que não seria enterrar de novo. Procuramos até que se
achou o corpo. Aí seguiu o destino normal”. Por “seguir o destino normal” entenda-se dar fim ao corpo de forma que
ele nunca pudesse reaparecer. Mas, a missão do Cel. Malhães falhou, pois mesmo
em sociedades pouco democráticas como a nossa, a verdade teima em vir à torna.
Os mortos e desaparecidos da ditadura militar ressurgem, tal qual espectros
renitentes, a nos lembrar que nosso processo de transição para a democracia
está inacabado. Malhães parece ter entendido que a verdade é um bem que não
podemos jogar fora.
O relato de Malhães é detalhado. Ele afirma que o corpo do deputado Paiva
tinha sido enterrado no Alto da Boa Vista no Rio de Janeiro. Mas, alguns
militares temiam que obras, que a prefeitura realizava no local, pudessem
revelar o cadáver. Malhães recebeu ordens para que o corpo de Rubens Paiva
fosse retirado do local. Ele conta que havia uma ordem expressa, vinda do
Gabinete do Ministro do Exército, para que se desse uma “solução final” ao
caso. O Cel. Malhães apenas não revela o que se fez. Disse ele que: “Pode ser que o corpo tenha ido para o mar
ou para um rio”. Malhães foi condecorada, em 1974, com a Medalha do
Pacificador. Será que foi por causa dos serviços prestados à ditadura?
Malhães foi, ainda, agraciado com a Anistia Política de 1979. Seus
superiores previam que, algum dia, a sociedade e/ou um governo, com algum
verniz democrático, pudesse querer saber o que de fato ocorreu e punir os que
cometeram atos arbitrários. Há 3 meses a Comissão Nacional da Verdade
apresentou um relatório parcial sobre este caso. A Comissão revela que o
ex-chefe do Pelotão de Investigações Criminais, Ronald José Mota Batista,
detalhou como Rubens Paiva foi torturado até a morte. Certo, já sabemos da
verdade. A questão agora é: de posse dela, o que faremos?
Podemos enquadrar, com os rigores da lei, estes homens que torturam e
mataram pessoas que eram adversárias do regime militar ditatorial? Não, não
podemos, pois passamos uma borracha, chamada Lei da Anistia, em nossa triste e
suja história política recente. A Lei da Anistia perdoou a todos
indistintamente. Existe um pacto informal para que não passemos do estágio de
levantar as verdades. O Governo Federal lançou, em 2007, o relatório “Direito à
memória e à verdade”, elaborado pela Comissão Especial sobre os Mortos e
Desaparecidos Políticos que deu origem a atual “Comissão Nacional da Verdade”.
Vejam, é um documento oficial. É o Estado declarando que adversários do regime
militar foram torturados e que muitos morreram através desse expediente
abominável. É o Estado reconhecendo que forças da repressão cometeram crimes
como tortura, assassinato e ocultação de cadáveres.
Interessa ver
que o mesmo Estado que admite ter aniquilado cidadãos seus é o que se recusa,
explicitamente, a julgar e condenar os que cometeram crimes tidos, pelo direito
internacional, como de lesa humanidade. Daqui a dez dias completaremos 50 anos
do golpe civil-militar de 1964. Muito se diz que devemos lembrar os fatos para
que eles não voltem a ocorrer. Certo, devemos, sim, remexer nos segredos do
período militar. Mas, para que mesmo faremos isso?
Porque temos que
deixar que os esqueletos sem identificação saiam dos arquivos e das memórias?
Governo e sociedade civil estão dispostos a enfrentar o ônus de entrar em rota
de colisão com os que precisam que as verdades não venham à tona? Trazer as
verdades ao conhecimento de todos é fundamental. Mas, adiantará pouco fazê-lo
se não tivermos a coragem democrática de punir os transgressores da ditadura.
Não punir os torturadores de ontem é encorajar os torturadores de hoje a agirem
quando eles acharem que é necessário.
AQUI É O POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA
FM.
Nenhum comentário:
Postar um comentário