Ao contrário do
que se pensa, não havia unanimidades no Brasil de 1964, a não ser o fato de que
muito dificilmente se encontraria um partido, um movimento, uma liderança
política ou mesmo um cidadão a favor da democracia. Às vésperas do golpe
civil-militar de 31 de março de 1964, havia um dilema (falso, diga-se de
passagem) e uma forte tensão entre as reformas de base, as mudanças sociais e a
sustentação, ou não, do fragilíssimo sistema democrático que tínhamos à época.
O amplo espectro político-partidário nacional antagonizava estes fatores
desnecessariamente. Os atores políticos à direita temiam que, pela democracia,
se chegasseàs mudanças sociais - por isso mesmo realizaram o golpe
civil-militar.
Os atores políticos à esquerda defendiam que só teríamos mudanças sociais
acabando com a democracia, pois acreditavam, seguindo as ideias do pensador
alemão Karl Marx, que este sistema servia apenas para favorecer os interesses
da elite burguesa no poder. Não querendo generalizar, muito menos simplificar a
questão, o que de fato aconteceu em 64 é que todo mundo defendia saídas de
força para a crise institucional que vivíamos. Ninguém achava que, pela
democracia, fosse possível encontrar soluções.
Não era só a direita que estava organizando seu assalto golpista ao
poder. Os vários setores da esquerda também se articulavam para tomar de
assalto o poder, através de um processo revolucionário, talvez nos moldes de
Cuba.
Enquanto civis e militares tramavam a deposição do presidente João
Goulart, a esquerda se articulava. Leonel Brizola chegou a propor a Jango que
fechasse o Congresso Nacional, e o Judiciário, e implementasse as reformas de
uma canetada só. Luis Carlos Prestes, líder dos comunistas, disse numa
entrevista a TV Cultura que concordava que o governo implantasse o Estado de
Sítio, desde que Jango decretasse as reformas de base, ancorando-se num suposto
esquema militar governista. Em março de 64 a esquerda queria golpear as
instituições para impulsionar seus projetos reformistas e revolucionários. Como
a direita vinha se organizando a mais tempo, e contava com o apoio dos EUA,
pode dar seu golpe para impedir as mudanças. A sociedade brasileira estava,
também, dividida. Setores conservadores, contrários às reformas, organizavam as
marchas da “Família com Deus pela Liberdade”.
Os que eram pró-reformas faziam os “Comícios pelas Reformas de Base”.
Passados 50 anos, esse duelo de extremos se repete. Como se não tivéssemos
mudado em nada, as grandes cidades, como São Paulo, devem assistir a uma série
de manifestações anacrônicas, fora de seu tempo, de sua época, de seu eixo.
Enquanto conservadores e reacionários de toda sorte tentarão reviver a “Marcha
da Família”, anarquistas, comunistas, bolivarianos e rebeldes, com ou sem
causa, preparam atos de repúdio ao golpe de 64. Pelas redes sociais, claro, vem
se articulando a reedição da “Marcha pela Família”. O movimento parece bem
organizado, com vários sites pela Internet, e pessoas que sistematicamente
escrevem em blogs.
Eles se intitulam defensores do Brasil e dos valores religiosos. Para
eles, o maior mal do Brasil é a corrupção. Você quer saber o que eles pensam?
Preste atenção no que Raquel Sheherazade, Marco Feliciano, Jair Bolsonaro e
José Luiz Datena dizem. Tem um panfleto, circulando pela internet, com a
convocação de uma “Marcha da Família com Deus II - O Retorno". Nele se lê
que: "Há 50 anos nossos pais foram às ruas e conseguiram a redenção do
Brasil. Eles tiveram coragem. Agora é a nossa vez!”.
Esses são os
fundamentalistas da direita, que querem o confronto aberto em manifestações
marcadas para o dia 22 de março próximo. Tal qual seus antepassados, vão pedir
a volta dos militares ao poder por temerem um suposto golpe comunista. Já os
fundamentalistas da esquerda, aqueles que pensam que promover quebra-quebra é
solução para alguma coisa, qualquer coisa, também vão às ruas. Nas redes
sociais, eles conclamam uma tal “Marcha Antifascista”. Eu vi mensagens convocando anarquistas e
comunistas às ruas do centro de São Paulo. Eles dizem que lutam pela memória das
vítimas da ditadura militar e para que os militares não tentem voltar ao poder
através de um golpe.
Esses órfãos da
revolução brasileira, que nunca houve, se unem numa tal “Ação Antifascista
Brasil” e num “Movimento Popular Revolucionário”, prometem levar aos
conservadores “a verdadeira baderna do povão”. Ler as publicações desses
grupos, de esquerda e de direita, anacrônicos, retrógrados, pouco inteligentes,
me deu uma certeza: eles são muito parecidos. São autoritários, descrentes da
democracia e desconhecedores das teorias que dizem defender. Eles são
opostos, mas, claro, terminam se atraindo. Vejam que tantos os defensores da
“revolução de 64” como os que protestam contra o “golpe de 64” defendem o
enfrentamento físico nas ruas. Todos, sem exceção, defendem o caos e pregam o
ódio.
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AQUI É O
POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.
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