terça-feira, 13 de maio de 2014

A COPA DO MUNDO NÃO É NOSSA.


Devido a uma forte gripe fiquei acamado alguns dias. Um diligente médico me proibiu ler jornais, revistas e acessar a internet. A ideia era me desconectar do mundo das notícias. Zeloso de minhas cordas vocais, o doutor impôs silêncio absoluto. Fiquei deitado, proibido de me comunicar. Como último recurso, ao alcance da mão, restou-me o controle remoto de uma pequena televisão desconectada da TV a cabo. Agarrei-me a ele tal qual um naufrago faria com um pedaço de madeira sobre o mar. Passei um final de semana inteiro assistindo aos canais abertos da televisão brasileira. Testei a agilidade de meu cérebro, e de meus dedos, para mudar o mais rápido possível de canal a cada vez que as mais pavorosas atrações da TV brasileira apareciam na tela.

Como não poderia deixar de ser só se falava na Copa da FIFA. Programas esportivas, jornalísticos, de variedades, novelas e até mesmo os programas mais toscos, que tratam a tragédia humana como algo engraçado, faziam milhares de referencias a Copa. Nada a se estranhar se considerarmos que faltam apenas 30 dias para o início do evento. Gostemos ou não, e eu não gosto, a Copa da FIFA vai começar para a alegria de muitos, lucro de poucos e o fabuloso prejuízo de uma nação inteira. O que me chamou atenção foi que os 4 maiores canais da TV aberta (Globo, Record, Band e SBT) falavam de um Brasil verde e amarelo aonde tudo vai muito bem obrigado. Neste Brasil dos nossos sonhos não existiriam problemas, só esperanças.

Esperanças de que teremos um futuro melhor? Não, claro que não. Eu falo da fé de que os “meninos” do Felipão conquistarão a Copa do Mundo, para que ninguém, inclusive Maradona, ouse duvidar de que, pelo menos no futebol, somos os melhores do mundo. Eu não vi nos canais da televisão aberta as denúncias dos desmandos administrativos em torno da organização da Copa. Não vi nada sobre os acidentes que, semanalmente, tiram a vida de cidadãos brasileiros que trabalham nas obras intermináveis das Arenas. As reportagens especiais, feitas pelos jornais desses canais, não abordaram o fato de que não teremos legados sociais pelos quais possamos dizer que, apesar de tudo, valeu a pena termos tido essa Copa dos horrores em nosso país.

Vi muitas reportagens sobre a Copa da FIFA e em nenhuma delas se falou nos muitos erros e falhas que vão, por certo, acontecer pelo fato de que obras aeroportuárias e de transportes públicos, de vias de comunicação e de acessibilidade sequer foram iniciadas. O aeroporto de Viracopos, em Campinas, por onde devem passar oito seleções de futebol, além de um sem número de turistas, não teve nem a primeira fase de suas obras, de um total de quatro, concluída. Os canais só mostram a felicidade, a expectativa e os preparativos dos brasileiros para a Copa. Vi reportagens otimistas, mostrando a alegria das pessoas, vestidas de verde e amarelo, por finalmente só estar faltando um mês para a abertura do evento.

Os programas esportivos falam das seleções que vão disputar o mundial dando especial atenção àquelas que por ventura podem se colocar no caminho da seleção brasileira que, claro, segue lépida e fagueira rumo ao hexa campeonato. Vi matérias na Globo e na Band sob os jogadores brasileiros. Em geral, mostravam como eles vivem bem, depois de terem tido uma origem humilde. A lógica era a de sempre mostrar que foi o futebol que lhes deu ascensão social. A ideia era pontuar que sem o futebol esses meninos continuariam pobres, entregues a própria sorte. A frase “o futebol salvou a minha vida” é sempre utilizada. Muitas matérias tem aquele tom “autoajuda” piegas a la Paulo Coelho.


É aquela história que para se realizar um sonho basta ter força de vontade, basta querer. O meia-atacante Oscar disse que chegou à seleção porque sempre acreditou que isso iria um dia acontecer. Disto dessa forma nem parece que é preciso ser um bom jogador. Numa dessas matérias a mãe do atacante Jô contou, rindo, que ele pedia para não mais ir para escola para se dedicar só ao futebol. Noutra a mãe do Zagueiro Thiago Silva enumerava, também rindo, as vezes que ele fugiu de casa ou da escola para jogar bola. Eu não vi nenhuma reportagem falando de como um desses jogadores se dedicou aos estudos. É como se estudar não fosse importante. Também não vi matérias mostrando pessoas que tiveram ascensão social graças ao estudo e a qualificação intelectual.

A mensagem subliminar é que é possível ser grande sem investir na educação. Afinal de contas chegamos até aqui sendo o país do futebol, abençoado por Deus e bonito por natureza, do que mais precisamos? O que vi foi o símbolo maior de nossa cultura sendo mostrado como a válvula de escape para àqueles que nasceram no meio da pobreza. O que vi foi o futebol sendo tratado como a salvação de um país fadado a não ter legados. O que vi foi à promessa de que essa será a Copa das Copas. E deverá mesmo ser a maior de todas as copas. Mas, não será para mim e nem para você, caro ouvinte. Essa será a maior de todas as Copas, mas apenas para aqueles que não precisam do futebol.

Você tem algo a dizer sobre essa COLUNA ou quer sugerir uma pauta? gilbergues@gmail.com

AQUI É O POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.

Nenhum comentário: