Devido a uma
forte gripe fiquei acamado alguns dias. Um diligente médico me proibiu ler
jornais, revistas e acessar a internet. A ideia era me desconectar do mundo das
notícias. Zeloso de minhas cordas vocais, o doutor impôs silêncio absoluto.
Fiquei deitado, proibido de me comunicar. Como último recurso, ao alcance da
mão, restou-me o controle remoto de uma pequena televisão desconectada da TV a
cabo. Agarrei-me a ele tal qual um naufrago faria com um pedaço de madeira
sobre o mar. Passei um final de semana inteiro assistindo aos canais abertos da
televisão brasileira. Testei a agilidade de meu cérebro, e de meus dedos, para
mudar o mais rápido possível de canal a cada vez que as mais pavorosas atrações
da TV brasileira apareciam na tela.
Como não poderia deixar de ser só se falava na Copa da FIFA. Programas
esportivas, jornalísticos, de variedades, novelas e até mesmo os programas mais
toscos, que tratam a tragédia humana como algo engraçado, faziam milhares de
referencias a Copa. Nada a se estranhar se considerarmos que faltam apenas 30
dias para o início do evento. Gostemos ou não, e eu não gosto, a Copa da FIFA
vai começar para a alegria de muitos, lucro de poucos e o fabuloso prejuízo de
uma nação inteira. O que me chamou atenção foi que os 4 maiores canais da TV
aberta (Globo, Record, Band e SBT) falavam de um Brasil verde e amarelo aonde
tudo vai muito bem obrigado. Neste Brasil dos nossos sonhos não existiriam
problemas, só esperanças.
Esperanças de que teremos um futuro melhor? Não, claro que não. Eu falo da
fé de que os “meninos” do Felipão conquistarão a Copa do Mundo, para que
ninguém, inclusive Maradona, ouse duvidar de que, pelo menos no futebol, somos
os melhores do mundo. Eu não vi nos canais da televisão aberta as denúncias dos
desmandos administrativos em torno da organização da Copa. Não vi nada sobre os
acidentes que, semanalmente, tiram a vida de cidadãos brasileiros que trabalham
nas obras intermináveis das Arenas. As reportagens especiais, feitas pelos
jornais desses canais, não abordaram o fato de que não teremos legados sociais
pelos quais possamos dizer que, apesar de tudo, valeu a pena termos tido essa
Copa dos horrores em nosso país.
Vi muitas reportagens sobre a Copa da FIFA e em nenhuma delas se falou nos
muitos erros e falhas que vão, por certo, acontecer pelo fato de que obras
aeroportuárias e de transportes públicos, de vias de comunicação e de
acessibilidade sequer foram iniciadas. O aeroporto de Viracopos, em Campinas,
por onde devem passar oito seleções de futebol, além de um sem número de
turistas, não teve nem a primeira fase de suas obras, de um total de quatro,
concluída. Os canais só mostram a felicidade, a expectativa e os preparativos
dos brasileiros para a Copa. Vi reportagens otimistas, mostrando a alegria das
pessoas, vestidas de verde e amarelo, por finalmente só estar faltando um mês
para a abertura do evento.
Os programas esportivos falam das seleções que vão disputar o mundial
dando especial atenção àquelas que por ventura podem se colocar no caminho da
seleção brasileira que, claro, segue lépida e fagueira rumo ao hexa campeonato.
Vi matérias na Globo e na Band sob os jogadores brasileiros. Em geral,
mostravam como eles vivem bem, depois de terem tido uma origem humilde. A
lógica era a de sempre mostrar que foi o futebol que lhes deu ascensão social.
A ideia era pontuar que sem o futebol esses meninos continuariam pobres,
entregues a própria sorte. A frase “o futebol salvou a minha vida” é sempre
utilizada. Muitas matérias tem aquele tom “autoajuda” piegas a la Paulo Coelho.
É aquela história que para se realizar um sonho basta ter força de
vontade, basta querer. O meia-atacante Oscar disse que chegou à seleção porque
sempre acreditou que isso iria um dia acontecer. Disto dessa forma nem parece
que é preciso ser um bom jogador. Numa dessas matérias a mãe do atacante Jô
contou, rindo, que ele pedia para não mais ir para escola para se dedicar só ao
futebol. Noutra a mãe do Zagueiro Thiago Silva enumerava, também rindo, as
vezes que ele fugiu de casa ou da escola para jogar bola. Eu não vi nenhuma
reportagem falando de como um desses jogadores se dedicou aos estudos. É como
se estudar não fosse importante. Também não vi matérias mostrando pessoas que
tiveram ascensão social graças ao estudo e a qualificação intelectual.
A mensagem subliminar é que é possível ser grande sem investir na
educação. Afinal de contas chegamos até aqui sendo o país do futebol, abençoado
por Deus e bonito por natureza, do que mais precisamos? O que vi foi o símbolo
maior de nossa cultura sendo mostrado como a válvula de escape para àqueles que
nasceram no meio da pobreza. O que vi foi o futebol sendo tratado como a
salvação de um país fadado a não ter legados. O que vi foi à promessa de que
essa será a Copa das Copas. E deverá mesmo ser a maior de todas as copas. Mas,
não será para mim e nem para você, caro ouvinte. Essa será a maior de todas as
Copas, mas apenas para aqueles que não precisam do futebol.
AQUI É O
POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.
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