quinta-feira, 29 de maio de 2014

LIVRO – OXIGÊNIO DO CÉREBRO


Eu sou do tempo em que a “Sessão da Tarde” era à tarde e sempre passava bons filmes. Não faz muito tempo, até porque eu ainda não completei meio século de vida, mas foi uma época em que os canais concorriam para ver quem tinha a melhor programação. Hoje, ao contrário, a disputa é para ver quem consegue ser pior, quem produz e reproduz o que tem de mais tosco em termos de programação. Certa vez, na Sessão da Tarde, assisti o filme “Fahrenheit 451” do cineasta francês François Truffaut. Lançado em 1966, este filme trata de uma sociedade fictícia, num futuro hipotético, onde um regime ditatorial proibia os livros, e toda forma de escrita. Os ditadores desse regime diziam que os livros deixavam as pessoas infelizes e improdutivas.

Nessa sociedade repressora se alguém fosse pego lendo um livro era preso e enviado para um processo de “reeducação”. O regime totalitário incentivava as pessoas a denunciarem os leitores subversivos. Portar livros era um crime da maior gravidade. A história se desenvolve em torno dos “bombeiros”, uma tropa de soldados, a serviço do regime, que invadiam casas que tinham livros para incendiá-los no meio da rua de forma que todos pudessem ver e, claro, temer. A personagem principal da história é Guy Montag, representada pelo ator Oskar Werner. Montag era um bombeiro que queimava livros. Até que um dia ele resolveu descobrir o que os livros tinham de tão perigoso a ponto de merecerem ser queimados.

Assim, ele começa a furtar livros para ler. Não mais do que repente, ele mudou. Sua esposa, Linda Montag, desconfiou e o denunciou.  Enquanto tudo isso acontecia, Guy Montag se relacionava com Clarisse, uma mulher que ele conheceu no metrô. Clarisse levou Guy à terra dos homens-livro, onde as pessoas que liam livros, e eram perseguidas, se refugiavam. Lá elas decoravam livros para publicá-los quando não fossem mais proibidos. Certo, eu não vou mais contar nada desse filme. Mas, se o caro ouvinte quiser saber o que aconteceu com Montag pode fazer o download desse filme. Lembro ter ficado impressionado com a história de um governo que queimava livros, até porque os livros já faziam parte de meu universo naquele momento.

Eu fiquei chocado quando descobri que a história de François Truffaut não era tão ficção assim, pois, de fato, existiram sociedades e governos que queimavam livros pelas ruas para que as pessoas não pudessem conhecer as verdades que tantos os incomodavam. Na Alemanha nazista, na China comunista, no Chile do Ditador Pinochet, para citar alguns exemplos, se recolhia livros, tidos como subversivos, para queimá-los. Aqui mesmo, no Brasil, se queimou muitos livros nos tempos da ditadura militar. Vez por outra, o Exército invadia alguma universidade, prendia estudantes e professores e, para demonstrar força e desdém pelo conhecimento, que leva as pessoas a refletirem, fazia enormes fogueiras com livros recolhidos nas bibliotecas.



Eu lembrei disso tudo na terça-feira quando visitava a 7ª Mostra do Livro Universitário, que está sendo organizada pela Editora da UEPB até o dia 20 de junho. São mais de 500 títulos, com especial destaque para obras sobre a ditadura militar brasileira. Essa Mostra integra o projeto “Livro é Cidadania”, cujo objetivo é promover o amplo acesso da sociedade ao livro universitário por preços acessíveis. Claro, a ideia é, também, divulgar as obras publicadas pela Editora da UEPB. Enquanto via os lançamentos e aproveitava as promoções eu tive um delírio. Imaginei se seria possível destruir livros nos dias de hoje. Sim, foi um delírio, mas a ideia de controlar, ou cercear, o conhecimento persiste em nossa realidade.

Ainda temos países onde se tenta controlar o fluxo de informações das redes sociais. Aqui mesmo, no Brasil, tramitam projetos no Congresso Nacional para limitar a venda e divulgação de livros, discos e filmes pela internet. Sem contar que ainda praticamos a censura aos livros, vejam o caso recente de Roberto Carlos que foi a justiça proibir a publicação de uma biografia sobre sua vida e sua carreira artística. Nós não temos um Guy Montag queimando nossos livros. Mas, temos a tradição de lermos pouco. O Ibope Inteligência entrevistou 5 mil pessoas, em 315 municípios em junho de 2013, e descobriu que a média de leitura do brasileiro é de 4 livros por ano, sendo que desses 4, apenas 2 são lidos até o fim.

A pesquisa viu ainda que a Bíblia segue sendo o livro mais lido no Brasil, seguido pelos livros didáticos, religiosos e pelos contos infantis. O pior da pesquisa foi atestar que 75% da população nunca frequentou uma livraria. Como isso é possível? Elementar. É que em 68% dos municípios brasileiros simplesmente não existem livrarias. E não precisa ir longe. Campina Grande é o péssimo exemplo disso. Com tantas escolas e universidades não dispomos de uma única livraria em nossa cidade. Será que Caetano Veloso se inspirou em nossa cidade quando fez a música “Livros”?. Diz ele: “Quase não tínhamos livros em casa/ E a cidade não tinha livraria/ Mas os livros que em nossa vida entraram/ São como a radiação de um corpo negro/ Apontando para expansão do Universo/ Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso/ É o que pode lançar mundos no mundo”.

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AQUI É O POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.

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