quarta-feira, 14 de maio de 2014

BRASIL: ENTRE A DEMOCRACIA E A DITADURA.

Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim. (Millôr Fernandes)

Antes de iniciar esta COLUNA POLITICANDO quero fazer uma pergunta ao caro ouvinte. Por favor, responda rápido. Suponha que nós fôssemos mudar nosso sistema política e nossa forma de governo após as eleições de outubro. Se você pudesse escolher que tipo de governo nós iríamos adotar, com qual dessas formas ficaria: com uma democracia? Com uma ditadura? Ou você não se importa, pois os políticos são todos iguais e os sistemas são corrompidos. (....) Pensou? Respondeu?

Na verdade, foi o Instituto Datafolha que fez essas perguntas, entre os dias 19 e 20 de fevereiro, para 2.614 entrevistados em 161 municípios brasileiros. A margem de erro foi de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos, e a pesquisa foi estimulada. O resultado da aferição propõe uma reflexão. 62% dos entrevistados disseram que a “democracia é sempre melhor que qualquer outra forma de governo”. I.e., não importa que outra forma de governo se ofereça, esses brasileiros vão preferir a democracia. 16% dos brasileiros afirmaram que “tanto faz se é uma democracia ou uma ditadura”. Essas pessoas não sabem a diferença entre ditadura e democracia, por isso não se preocupam em escolher entre uma das duas formas de governo. 14% dos brasileiros afirmaram que “em certas circunstâncias, é melhor uma ditadura”. Mesmo que as circunstâncias não tenham sido especificadas, essas pessoas acham que deveríamos ter uma ditadura, dentro de certas condições de temperatura e pressão.


Não deixa de ser interessante ver que, nos 50 anos do golpe civil-militar de 1964, 62% dos brasileiros não querem mais viver em um sistema de força ou governados por uma ditadura. É alvissareiro saber que 62% dos brasileiros preferem a democracia. Por outro lado, eu nem deveria estar falando nisso, pois o lógico é que 100% dos brasileiros não mais considerassem viver em outro sistema que não o democrático. O fato de ainda termos brasileiros aventando viver numa ditadura quer dizer algo. Evoluímos, a passos de formiga e sem vontade, mas foi uma evolução. Em 1989, quando houve a 1ª eleição presidencial após o fim da ditadura militar, apenas 43% dos brasileiros diziam preferir a democracia, segundo o Datafolha daquele momento.

Em setembro de 1989, 40% dos brasileiros preferiam voltar à ditadura militar. Quase a metade da população dizia que trocava a frágil democracia, presidida por José Sarney, por um governo de força desde que ele promovesse desenvolvimento econômico. Quando do impeachment de Fernando Collor, 47% preferiam ficar na democracia, mesmo que enlameada pelos golpes sujos da Família Collor e de PC Farias. No entanto, 46% diziam que exatamente por isso preferiam voltar a viver numa ditadura. No início do primeiro governo de FHC, em 1994, as coisas mudaram. Devido à estabilidade econômica, promovida pelo Plano Real, 54% dos brasileiros se assumiam como democratas e apenas 28% ainda insistiam que uma ditadura poderia ser melhor.

Quando Lula subiu ao poder, em março de 2003, éramos 59% dizendo preferir viver numa democracia contra 29% de brasileiros saudosistas de um tempo em que as liberdade democráticas serviam para absolutamente nada. Enfim, fomos engatinhando lentamente até chegarmos a esse patamar de 62% de apoio a democracia. Se continuarmos nessa preguiçosa progressão deveremos alcançar o patamar do povo chileno, algo em torno de 82%, lá por volta de 2040. Mas, para que a pressa? Afinal, somos o país do futuro. Para que nos preocuparmos se vamos ter a Copa das Copas, se vamos ter as Olimpíadas das Olimpíadas? A questão é, como diriam os americanos, what’s the point?

A questão é que ainda se opta pela ditadura no Brasil. Enquanto tivermos pessoas, não importando quantas, preferindo ditaduras temos muito que nos preocupar, pois já enfrentamos longas ditaduras e sabemos bem o que elas representam. A pesquisa do Datafolha quis saber se “há chances de ocorrer uma nova ditadura no Brasil”. 51% disseram que não, que não há chance alguma de termos uma nova ditadura. Mas, 24% disseram que há um pouco de chance de uma nova ditadura. Já 15% afirmaram que há muita chance de termos uma nova ditadura. Se somarmos estes dois últimos percentuais, teremos que 39% dos brasileiros consideram que existem chances, poucas ou muitas, de termos uma nova ditadura.


Brasileiros apontam a possibilidade de termos uma nova ditadura por não considerarem a democracia como o único sistema político possível. Essa insistente lembrança que temos da ditadura quer dizer que não apostamos todas as nossas fichas na democracia. Sérgio Buarque de Holanda, pai de Chico Buarque, já dizia que a “democracia, no Brasil, foi sempre um lamentável mal entendido”. Foi, e continua sendo, para pelo menos 15% da população que pensa ser bom viver num sistema onde as liberdades e os procedimentos democráticos são artigos de luxo para bem poucos.

Você tem algo a dizer sobre essa COLUNA ou quer sugerir uma pauta? gilbergues@gmail.com

AQUI É O POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.

Nenhum comentário:

UM ARTIGO PARA CHAMAR DE MEU

Queria ter 40 anos em 1969

Faço 40 anos como se degustasse um vinho raro, sorvendo sua essência. Aos 40 não se é mais jovem imprudente e ainda não se ganha lenços e meias. Sinto-me bem - os cabelos brancos não me inquietam e o colesterol está em 166. Tenho esposa e filhos que me amam, um mínimo de experiência, já fiz coisas boas e aposentadoria, para mim, vale tanto quanto um ventilador para um esquimó.

A questão é ter nascido em 1969, o ano maldito em oposição a 1968, que para muitos não terminou. Se ele não findou, então 69 não iniciou. Já li que 69 começou na fatídica sexta-feira-13 (dezembro de 68) quando o AI-5 foi decretado. Nessa excêntrica visão, 68 é o ano das bondades e 69 das maldades – é como se os fatos não se processassem, acontecessem de forma estanque e fossem randomicamente colocados nos anos. Se 68 “mudou vidas”, 69 fez o quê?

Meu apreço por 69 dá-se pelo que nele aconteceu e não porque nele nasci. Farei uma seleção, arbitrária como todas, de fatos que queria ter visto in loco, não importando se bons ou ruins, pois a realidade é assim mesmo, diferente do ideal. Veremos que o “museu de grandes novidades”, do qual Cazuza falava, começou em 1969.

Em 1969 “Butch Cassidy and the Sundance Kid”, com Paul Newman e Robert Redford, foi lançado, com bela trilha sonora. O 6° filme de James Bond, “007 a serviço de sua majestade”, saiu com George Lazenby – pior, só Daniel Craig que desconhece a psique bondiana. Tivemos ainda clássicos como “Satiricon”, “Macunaíma”, “Meu ódio será sua herança” e “Perdidos na noite”.

Meus heróis, The Beatles, fizeram “Abbey Road” - arte em forma de disco. Nasci embalado por Something, Come Together, Here Come the Sun, etc. Eles se apresentaram pela última vez, no telhado da Apple Records, em Londres. O show foi encerrado pela polícia, eles riram e John Lennon sentenciou: “the dream is over”. Lennon disse que era só mais uma banda de rock que acabava, pois havia uma nova realidade. Era “apenas” uma banda de rock, mas que banda! Azar meu, cheguei quando eles iam embora.

Pink Floyd lança “Ummagumma” – experimentação e psicodelismo levados as últimas consequências.The Who, com Daltrey & Townshend drogadíssimos, lançou a ópera-rock “Tommy” e em Led Zeppelin II o rock é como tem que ser: guitarras pesadas e distorções. Caetano Veloso lançou seu “álbum branco”, quando ainda era mortal, os Mutantes lançam seu 2° disco com versos como “a vida é um moinho/é um sonho o caminho” e Gal Costa surge com seu primeiro disco solo.

Brian Jones, do Rolling Stones, apareceu morto numa piscina. Fiéis ao lema “pedras rolantes não criam musgo”, os Stones lhe dedicaram o show do Hyde Park, em Londres, três dias após a tragédia. Simon & Garfunkel fizeram a turnê de “Bridge Over Troubled Water", gravaram tudo e, 15 anos depois, saiu “Live 1969”, que comprei e ouvi até que minha mãe implorasse para parar.

Chico Buarque lançou um disco com músicas em italiano e foi divulgá-lo na Itália. Lá ficou, pois a obtusidade militar não o pouparia. Ficou seu alônimo Julinho da Adelaide que gravou “Acorda Amor”, mostrando como era o Brasil de 1969. Dizia Julinho: “se eu demorar uns meses convém, às vezes, você sofrer; mas depois de um ano eu não vindo, ponha a roupa de domingo e pode me esquecer”. Caetano e Gilberto Gil foram presos, humilhados e exilados, mas Gil deixou “Aquele Abraço”.

O IV Festival Internacional da Canção e o V Festival da MPB aconteceram, polêmicos como queria a época e ricos em talentos, apesar de “Dom & Ravel” – o Chitãozinho e Xororó da época, só que pior e a serviço da ditadura. Surgiu o tablóide “Pasquim”, irreverente e debochado, que vendeu 200 mil cópias com Leila Diniz na capa.

Enquanto isso, Vinícius de Moraes casava-se pela 5ª vez, tomava seu cachorro engarrafado e compunha, com Tom Jobim, belas canções. Vera Fisher foi eleita Miss Brasil, entrou para o show business e nele manteve-se por bem e/ou por mal. E teve o festival de Woodstock - um desbunde geral, regado a sexo, drogas & rock and roll. Imagine ver Joe Cocker cantando “A Little Help From My Friends”, com aquele vozeirão de bluzeiro do meio-oeste americano?

Tivemos as estréias do Concorde, do Boeing 747, da ArpaNet, embrião da Internet, e se isolou um gene. Nada como Neil Armstrong pisar em solo lunar e dizer a tal frase que, acho, não foi de sua lavra. Os soviéticos não vacilaram e a Soyuz 6 foi dar uma voltinha no espaço. De quebra, foi à primeira transmissão de televisão via satélite para o mundo. Conta minha mãe que assistiu aquilo tudo, emocionada, enquanto eu resumia 69 ao precioso líquido que jorrava do peito dela.

Para o bem e para o mal, estreou o Jornal Nacional da Rede Globo, com Cid Moreira, que já tinha cabelos brancos. Jackie Stewart foi campeão na Fórmula 1 e nasceu Schumacher, hepta campeão – pudera, adversários?, só o fátuo Barrichello. Com o alterego de Edson Arantes do Nascimento, que fez seu milésimo gol, Santos foi campeão e meus times, Campinense Clube e Flamengo, não ganharam nada – resguardavam-se para me alegrarem no futuro.

Nos EUA, Charles Manson mandou os fanáticos de sua seita assassinarem a atriz Sharon Tate e a imprensa usou o fato para desviar a atenção das atrocidades que o exército cometia no Vietnã, como o massacre de My Lai em 68. Nixon entrou na Casa Branca e foi lépido e fagueiro até o desastre da guerra e 250.000 pessoas marcharam em Washigton pedindo o fim dela. Na Líbia, Kadhafi tomou o poder com um golpe e teve sólida carreira de ditador. O Congresso Nacional Palestino apontou Yasser Arafat como líder da OLP e Charles de Gaulle renunciou a presidência devido às ebulições do Maio francês. Prova que 68 acabou e foi sucedido por 69, goste-se ou não disso. O processo histórico é assim mesmo.

A VPR, de Lamarca, e a ALN, de Marighella, sequestraram o embaixador Elbrick. Puderam, por momentos, emparedar a ditadura. Mas, ela deu o troco e fuzilou Marighella no final do ano. Morria um ícone da esquerda, daí tantos amaldiçoarem 69. Já Lamarca desertou do quartel onde servia e foi à luta armada, fez uma imperceptível cirurgia plástica e namorou a musa da revolução, Iara Iavelberg. Tudo em 69, não dava para perder tempo, logo também ele seria morto.

Achando o AI-5 limitado, Costa e Silva decretou 11 Atos Institucionais em 69 e outorgou a 7ª Constituição Brasileira, que incorporou todos os atos e decretos desde o golpe de 64. A ditadura era legalista - o supra-sumo do autoritarismo era disposto em lei. Pródiga em crises institucionais, ela teve uma séria em 69. Costa e Silva teve uma trombose e afastou-se. Assumiu uma junta de três militares, logo alcunhada de “os 3 patetas”, que impediu o vice (civil) Pedro Aleixo de assumir, para ele aprender a não ser “do contra” – recusou-se a assinar o AI-5. Os “patetas” baixaram o AI-14, instituindo a Lei de Segurança Nacional – que previa pena de morte, prisão perpétua e banimento.

A linha dura bancou a candidatura de Médici, tido como o pior dos ditadores, mas outro qualquer seria igual, era a lógica da época. Para moldar a geração que viria (a minha) o Decreto-Lei nº 869 pôs “Educação Moral e Cívica” no sistema educacional. E para encerrar o ano político de 69, Paulo Maluf assumiu a prefeitura de São Paulo, iniciando uma eficiente carreira de predador do Estado.

Sinto inveja de Benjamin Button, o personagem de Fitzgerald que nasce velho e morre bebê. Poderia ter nascido em 1929 com 80 anos. Regredindo, em 1969 teria 40 e veria os fatos aqui descritos. Assistiria a um show de Chico Buarque e refletiria sobre as canções, ao invés de ir para os shows de hoje onde se pede para ²tirar os pezinhos do chão e jogar as mãozinhas para cima². Ouviria os lançamentos da época: Abbey Road, Led Zeppelin II, Tommy, Ummagumma, discos de Chico, Caetano e Gil, ao invés de ter que aturar nos odiosos “carrinhos de CD pirata”, o excremento que a indústria musical atual produz. Acompanharia as lutas e fatos políticos da época, ao invés de assistir a pasmaceira previsível que se tornou a política atual.

Preocupar-me-ia com o “pequeno” passo de Armstrong, ao invés da gripe suína, do aquecimento global e da corrupção estabelecida no Brasil. Gostaria de ter 40 anos em 1969 e acompanhar tudo in loco. Mas, assim, tal qual Button, hoje eu teria dois meses de vida e seria inane. Como diria Lennon & McCartney, let it be...

Postscriptum: Dedico este artigo a minha “Daisy” (eterna namorada). “No curioso caso de Benjamim Button”, Daisy (Cate Blanchett) é sua paixão. Enquanto ele rejuvenesce, ela envelhece, mas o amor deles resiste a tudo, principalmente ao tempo. Em meu caso, minha Daisy não envelhece. Com seu amor, ternura e alegria oxigena minha vida, impedindo que eu mesmo envelheça.

Junho – 2009.

52 anos após o golpe, país não aceita o valor universal da democracia

52 anos após o golpe, país não aceita o valor universal da democracia
A principal causa para o golpe de 1964 foi a tensão (um falso dilema) existente entre democracia e mudanças sociais. O amplo espectro político-partidário nacional antagonizava esses dois fatores, desnecessariamente. Os atores políticos à direita acreditavam que pela democracia poderia se chegar às mudanças sociais, e por isso deram o golpe. Os atores à esquerda defendiam que só teríamos mudanças sociais acabando com a democracia. O confronto entre as forças políticas contrárias e favoráveis às reformas de base destruiu as instituições democráticas. O resultado a que se chegou bem conhecemos: democracia inexistente e nenhuma reforma social!

Postagens mais visitadas

Seguidores

Total de visualizações da página

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *

Powered By Blogger