quinta-feira, 22 de maio de 2014

O QUE SE PODE FAZER PARA TER GOVERNABILIDADE?




Na metade do ano de 2005 a mídia e a sociedade brasileiras se ocupavam da CPI do Mensalão. Quem não lembra aquelas agitadas tardes onde, os que hoje cumprem pena, negavam de pés juntos qualquer envolvimento no caso da Ação Penal 470. Lembro-me do depoimento de José Dirceu na CPI. Nunca esqueci que ele, além de Roberto Jefferson, não escondeu que o governo tinha um esquema, para comprometer parlamentares, com votações de interesse do governo no Congresso Nacional. Zé Dirceu justificou o esquema do mensalão pela necessidade que o governo tinha de estabelecer plena governabilidade. Ele disse que comprar parlamentares era a forma de fazê-los votar a favor dos projetos sociais que o então presidente Lula apresentava.

Inclusive, Zé Dirceu chegou a dizer que era consciente de que os meios que se utilizava não eram dos mais decentes, mas eram os únicos ao alcance da mão para viabilizar os justos fins relacionados com o programa de desenvolvimento social do governo Lula. Certo, ninguém mais lembra aqueles depoimentos, apesar de que isso pouco importa agora que os mensaleiros estam cumprindo suas penas. O que me importa agora é a questão da governabilidade, pois em nome dela muito já se fez de escabroso neste país. Conhecido pela sinceridade e pelo destempero, Ciro Gomes admitiu, numa entrevista a jornalista Miriam Leitão quando foi candidato a presidente da República em 1998, que faria tudo o que fosse possível para garantir sua governabilidade caso foi eleito.

Por tudo, entenda-se tudo, tudo mesmo. Numa viagem a João Pessoa a presidente Dilma disse que: "Podemos fazer o diabo quando é hora de eleição, mas quando se está no exercício do mandato, temos de nos respeitar, pois fomos eleitos pelo voto direto". O que a presidente quis dizer foi que para poder se exercer o mandato, i.e., para ser eleito, se faz de tudo, inclusive o diabo. A presidente acha ser possível ter um bom governo, que respeite a sociedade, tendo feito o diabo para ser eleito. O fato é que em nosso presidencialismo de coalização existe uma regra informal, que situação e oposição não ousam contrariar, que diz que para se conseguir e manter a governabilidade pode-se, e até deve-se, fazer de tudo, inclusive o diabo.

O naufrágio do governo Collor provou duas coisas: (1) o poder executivo tem que ter maioria confortável no Congresso Nacional; e (2) o governo que não buscar ter essa maioria, que tentar governar sem o parlamento, estará fadado ao fracasso.  A mãe de todas as verdades de nosso sistema político é que é imprescindível ter maioria parlamentar para governar. Mas, isso não é um problema. Problema mesmo são os mecanismo pouco republicanos utilizados para se conquistar a maioria no parlamento. Ninguém em sã consciência dirá que o governo (em qualquer uma das três esferas: municipal, estadual e federal) não deve ter a maioria parlamentar, pois de que outra maneira irá aprovar seus projetos?

 

Essa é a fórmula adotada nas mais sólidas democracias do mundo. Nas democracias da Europa, é o partido com a maior quantidade de cadeiras no parlamento quem banca o primeiro-ministro que de fato governa. No parlamentarismo, a governabilidade é conquistada nas urnas, pois governa quem tem a maioria no poder legislativo. Já no nosso presidencialismo de coalização, primeiro se conquista o poder executivo nas urnas, depois se busca a maioria no parlamento. Não há nada de errado em o governo buscar ter a maioria dos deputados compondo a bancada da situação. A questão é como se vai buscar essa maioria. Em muitos países, o governo troca apoios no legislativo por ministérios e secretarias de governo.

Esse é o melhor remédio para se curar o mal da ingovernabilidade. O problema é quando se usa e abusa do remédio. É aquela história do paciente que de tanto tomar o remédio terminou envenenado. O problema não é o governo querer ter governabilidade. O problema é ele busca-la a qualquer preço, ou fazendo o diabo, como diria nossa presidente. Ruim, para a nação, é quando a busca pela governabilidade se dá pelo clientelismo, pela troca de favores. “Conquistar”, eu diria “comprar”, apoios no Congresso Nacional mediante transferência de recursos para parlamentares e partidos (como se fez no mensalão e na aprovação da PEC da reeleição) garante, sim, a governabilidade, mas maltrata a democracia.

Entregar cargos da administração faz o governo aprovar o que quiser no legislativo, mas cria a necessidade de se satisfazer interesses e de não contrariar ninguém. O loteamento de cargos no governo é a droga que sustenta o vício da governabilidade. Governar, então, é o exercício contínuo da busca do mínimo denominador comum entre a situação e oposição. Os governos se quedam aos ditames da governabilidade para não se tornarem vítimas da paralisia decisória e do impasse institucional. Os parlamentares usam e abusam da tese da governabilidade para viabilizarem interesses de toda sorte. Assim é o nosso sistema política que segue acreditando que para se ter governabilidade pode-se fazer tudo, inclusive o diabo.

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