Na metade do ano
de 2005 a mídia e a sociedade brasileiras se ocupavam da CPI do Mensalão. Quem
não lembra aquelas agitadas tardes onde, os que hoje cumprem pena, negavam de
pés juntos qualquer envolvimento no caso da Ação Penal 470. Lembro-me do
depoimento de José Dirceu na CPI. Nunca esqueci que ele, além de Roberto
Jefferson, não escondeu que o governo tinha um esquema, para comprometer
parlamentares, com votações de interesse do governo no Congresso Nacional. Zé
Dirceu justificou o esquema do mensalão pela necessidade que o governo tinha de
estabelecer plena governabilidade. Ele disse que comprar parlamentares era a
forma de fazê-los votar a favor dos projetos sociais que o então presidente
Lula apresentava.
Inclusive, Zé Dirceu chegou a dizer que era consciente de que os meios que
se utilizava não eram dos mais decentes, mas eram os únicos ao alcance da mão
para viabilizar os justos fins relacionados com o programa de desenvolvimento
social do governo Lula. Certo, ninguém mais lembra aqueles depoimentos, apesar
de que isso pouco importa agora que os mensaleiros estam cumprindo suas penas.
O que me importa agora é a questão da governabilidade, pois em nome dela muito
já se fez de escabroso neste país. Conhecido pela sinceridade e pelo
destempero, Ciro Gomes admitiu, numa entrevista a jornalista Miriam Leitão
quando foi candidato a presidente da República em 1998, que faria tudo o que
fosse possível para garantir sua governabilidade caso foi eleito.
Por tudo, entenda-se tudo, tudo mesmo. Numa viagem a João Pessoa a
presidente Dilma disse que: "Podemos
fazer o diabo quando é hora de eleição, mas quando se está no exercício do
mandato, temos de nos respeitar, pois fomos eleitos pelo voto direto".
O que a presidente quis dizer foi que para poder se exercer o mandato, i.e.,
para ser eleito, se faz de tudo, inclusive o diabo. A presidente acha ser
possível ter um bom governo, que respeite a sociedade, tendo feito o diabo para
ser eleito. O fato é que em nosso presidencialismo de coalização existe uma
regra informal, que situação e oposição não ousam contrariar, que diz que para
se conseguir e manter a governabilidade pode-se, e até deve-se, fazer de tudo,
inclusive o diabo.
O naufrágio do governo Collor provou duas coisas: (1) o poder executivo
tem que ter maioria confortável no Congresso Nacional; e (2) o governo que não
buscar ter essa maioria, que tentar governar sem o parlamento, estará fadado ao
fracasso. A mãe de todas as verdades de
nosso sistema político é que é imprescindível ter maioria parlamentar para
governar. Mas, isso não é um problema. Problema mesmo são os mecanismo pouco
republicanos utilizados para se conquistar a maioria no parlamento. Ninguém em
sã consciência dirá que o governo (em qualquer uma das três esferas: municipal,
estadual e federal) não deve ter a maioria parlamentar, pois de que outra
maneira irá aprovar seus projetos?
Essa é a fórmula adotada nas mais sólidas democracias do mundo. Nas
democracias da Europa, é o partido com a maior quantidade de cadeiras no
parlamento quem banca o primeiro-ministro que de fato governa. No
parlamentarismo, a governabilidade é conquistada nas urnas, pois governa quem
tem a maioria no poder legislativo. Já no nosso presidencialismo de coalização,
primeiro se conquista o poder executivo nas urnas, depois se busca a maioria no
parlamento. Não há nada de errado em o governo buscar ter a maioria dos
deputados compondo a bancada da situação. A questão é como se vai buscar essa
maioria. Em muitos países, o governo troca apoios no legislativo por
ministérios e secretarias de governo.
Esse é o melhor remédio para se curar o mal da ingovernabilidade. O
problema é quando se usa e abusa do remédio. É aquela história do paciente que
de tanto tomar o remédio terminou envenenado. O problema não é o governo querer
ter governabilidade. O problema é ele busca-la a qualquer preço, ou fazendo o
diabo, como diria nossa presidente. Ruim, para a nação, é quando a busca pela
governabilidade se dá pelo clientelismo, pela troca de favores. “Conquistar”,
eu diria “comprar”, apoios no Congresso Nacional mediante transferência de
recursos para parlamentares e partidos (como se fez no mensalão e na aprovação
da PEC da reeleição) garante, sim, a governabilidade, mas maltrata a
democracia.
Entregar cargos da administração faz o governo aprovar o que quiser no
legislativo, mas cria a necessidade de se satisfazer interesses e de não
contrariar ninguém. O loteamento de cargos no governo é a droga que sustenta o
vício da governabilidade. Governar, então, é o exercício contínuo da busca do
mínimo denominador comum entre a situação e oposição. Os governos se quedam aos
ditames da governabilidade para não se tornarem vítimas da paralisia decisória
e do impasse institucional. Os parlamentares usam e abusam da tese da
governabilidade para viabilizarem interesses de toda sorte. Assim é o nosso
sistema política que segue acreditando que para se ter governabilidade pode-se
fazer tudo, inclusive o diabo.
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