terça-feira, 13 de novembro de 2012

Ditaduras ditam, não pedem – Parte II.











Há cerca de quatro anos o Supremo Tribunal Federal (STF) foi chamado a se posicionar sobre os limites da Lei da Anistia. O STF teria que dizer quem de fato ela perdoou e o que poderia acontecer com quem ela não absolveu. Já a Advocacia Geral da União (AGU) afirmou que “estão perdoados os crimes de tortura cometidos durante a ditadura”. A AGU apegou-se a tese de que a Anistia é "ampla, geral e irrestrita" e que delitos cometidos na ditadura prescreveram. No STF, o Ministro Gilmar Mendes afirmou que punir torturadores traria insegurança jurídica ao país. O Ministro e a AGU parecem temer que alguns acusados não aceitem que devem (precisam) ser julgados de forma passiva.





Na transição da ditadura para a Nova República estimulou-se a tese do esquecimento e do não revangismo, de deixar velhos problemas para trás e só se olhar para frente. Boa parte da sociedade comprou a ideia de um grande pacto em nome da democracia. Foi no governo do Gal. Figueiredo que se encaminhou a Lei da Anistia para o Congresso Nacional. Como ele não reconhecia a tortura como um delito, ela não apareceu no texto final da lei. Ou seja, se não houve crime de tortura não há do que se anistiar.





Os governos de FHC, Lula e Dilma se dividiram em torno da matéria. De um lado, temos os que pedem a revisão da Lei da Anistia e a punição para quem, por exemplo, torturou e matou em nome do Estado. Do outro lado há os que dizem que a anistia foi fruto de uma negociação entre a sociedade civil e o regime militar. É comum se lembrar do pacto feito para que ambos os lados tivessem como lema o esquecimento, e que só assim foi possível à democracia.





Para a AGU as convenções e tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário, que têm a tortura como imprescritível se submetem à Constituição Federal. Ela entende que não interessa posições assumidas no passado se elas estão em desacordo com leis atuais. É a AGU que defende a União no processo aberto pelo Ministério Público Federal para punir os militares reformados Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Maciel por tortura, morte e ocultação de 64 cadáveres durante a ditadura.





No governo os favoráveis a punição são minoria. A presidente Dilma Rousseff, por ser ex-presa política, tendo sido submetida à tortura, se mostra a favor da punição. Mas, a AGU, o Ministério da Defesa, a Controladoria Geral da União e o Itamaraty são contra. Dilma afirma que na Lei da Anistia não foram contemplados os agentes que, durante a ditadura, cometeram lesão corporal, estupro, homicídio, ocultação de cadáver e tortura.










Mas, a AGU diz que não dá para responsabilizar pessoas pelos delitos. A AGU concorda com a tese do ex-ministro Nelson Jobim, segundo a qual: “nem a repulsa que nos merece a tortura impede reconhecer que se deve dar toda a amplitude ao esquecimento penal desse período negro da nossa história". A União é ré na questão da abertura dos arquivos da ditadura e já foi sentenciada a tornar público documentos do período. A Comissão da Verdade tem árdua tarefa nesse sentido.




Mas, a questão é complexa. FHC alterou a legislação para o acesso público a documentos oficiais. Ele ampliou para 50 anos o prazo de divulgação de documentos tidos como “ultrassecretos” e oficializou o sigilo eterno, possibilitando, ainda, que uma Comissão Interministerial renove o prazo de confidencialidade sem restrições de tempo.





Lula alterou a lei, mas manteve sua essência autoritária. Ele reduziu o prazo de divulgação dos documentos “ultrassecretos” de 50 para 30 anos, mas prevendo uma renovação por mais 30 anos. Ou seja, os documentos podem ficar até 60 anos sem que a sociedade tenha acesso a eles. Lula manteve a Comissão Interministerial e o sigilo de documentos que possam ameaçar a soberania nacional.





Numa palavra, ao meio-século imposto por FHC, Lula acresceu mais 10 anos. Sob um verniz democrático, temos uma espessa camada autoritária que impede que a sociedade civil tenha acesso às informações. FHC e Lula, que concordam que nossa democracia está consolidada, não caminharam no mesmo sentido da Argentina, por exemplo, que abriu seus arquivos a toda sociedade e eles serviram de provas para que muitos fossem punidos.





Se não temos mais ameaças de um revés autoritário só nos resta abrir os arquivos da ditadura e revolver nosso passado autoritário. Importa menos o que vamos lá descobrir. O que interessa é que tenhamos acesso em definitivo a esses documentos, pois se esquecer do passado sem que ele esteja resolvido é grave, imagine o quão perigoso é fechar os olhos para erros cometidos no presente?