A frase “aos amigos tudo, aos inimigos a lei” é comumente atribuída ao
ex-ditador/presidente Getúlio Vargas. Na verdade, quem a pronunciou pela
primeira vez foi o também ex-presidente Artur Bernardes. Vargas a incorporou ao seu discurso, não sem
antes aprimorá-la. Dizia ele que: "Aos
amigos tudo, aos inimigos o rigor implacável da lei, se possível”. Não deixa de ser contraditório que, como
ditador, ele punisse adversários com os rigores da lei.
Vargas
costumava dizer que “o Diário Oficial é o
local onde se arquiva amigos e aliados”. E isso diz muito desse sistema
político que temos onde procedimentos democráticos convivem bem com elementos
autoritários. Esse expediente é o que faz nosso presidencialismo de coalização
sobrevir às intempéries da política nacional. Para Vargas, a lei, no Brasil, tinha
dono. Isso era comum no tempo dele, bem
como no nosso. O fato é que fomos sendo formados pela lógica de que a lei não é
algo para todos, para assegurar direitos e deveres. Para nós, a lei serve para
punir uns e agraciar outros.
Nossa
cultura política aceita de bom grado que a lei não seja algo republicano, i.e.,
não vemos problema nenhum que alguns tenham que abaixar a cabeça para lei
enquanto outro tenham prazer em pisoteá-la. Lembrei-me dessas frases quando eu
e Arquimedes de Castro falávamos de como foi fácil para PSD, PPL, PEN, PROS e
Solidariedade se registrarem junto ao TSE e de como estava sendo difícil para a
Rede Sustentabilidade de Marina Silva torna-se um partido.
Mas, afinal,
existem duas leis eleitorais no Brasil? Uma que permite que um partido consuma
poucos meses para se formar e se registrar no TSE e outra que dificulta ao
extremo que outro partido entre no sistema eleitoral? Vejamos o caso do PROS
que em menos de um ano elaborou seu programa, colheu assinaturas e se registrou
no TSE. Em um tempo breve conseguiu recolher cerca de 1,5 milhões de
assinaturas pelo Brasil afora.
Quem não se lembra das acusações
(nunca de fato esclarecidas) de que o PSD só conseguiu o mínimo de assinaturas
para se registrar porque se utilizou do expediente da duplicação e falseamento
de assinaturas. O Solidariedade é outro péssimo exemplo. Ele iniciou a coleta
de assinaturas em novembro de 2011 e já conseguiu seu registro junto ao TSE. O
Correio Braziliense trouxe matéria dando conta das artimanhas utilizadas para
cumprir as exigências do TSE. O jornal acusa que até um ex-servidor do Senado
Federal, falecido a mais de cinco anos, teve sua firma reconhecida na lista de
apoio para criação desse partido. Imagine o caro ouvinte, se mortos assinam
listas, o que não farão os vivos e os muito vivos?
Já a Rede Sustentabilidade de
Marina Silva não conseguiu a autorização do TSE para poder existir como partido
e concorrer às eleições de 2014. Que crime eleitoral a organização de Marina
Silva cometeu? Teria deliberadamente falsificado ou comprado assinaturas? Teria
recorrido às forças do além para que mortos assinassem sua lista? Enfim, teria
a Rede cometido algumas dessas fraudes que tanto vemos? Não. Nada disso. A
questão é que Marina Silva não conseguiu cumprir o “apoiamento necessário”,
como bem disse a Ministra Laurita Vaz. Ontem à noite, o TSE indeferiu o
registro da Rede com seis, dos sete ministros, votando contra.
A questão é que para os novos
partidos, que não querem ser diferentes dos antigos, se dá tudo.
Principalmente, o direito de se postarem para além e acima da lei. Mas, para os
que não querem fazer parte desse jogo sujo, aí se aplica os rigores da lei.
Marina Silva se propôs a criar um partido ético e a população parece aplaudir
isso. Ela acredita que é possível, em se tratando de sistema político
brasileiro, a existência de um partido que não reproduza velhas práticas e que
seja fiel a um programa.
Boa parte do
espectro político-partidário brasileiro não só não quer isso como enxerga os
que defendem isso como virtuais inimigos. Marina Silva precisou ser rechaçada
por querer cumprir as regras do jogo. É
assim mesmo que funciona a engrenagem. O Ministério Público Eleitoral afirmou que não cabe ao TSE verificar a
validade das assinaturas e que os “apoiamentos” são ônus dos partidos e não dos
cartórios. Agora eu sei por que que até funcionário público morto assina lista
de apoiamento.
Eu não acho que
devemos vitimizar a Rede de Marina Silva, mesmo que seus punhos tenham sido
autoritariamente cortados. Se ela não conseguiu cumprir as exigências da lei
que arque com os custos disso. Mas, porque a lei eleitoral foi tão rígida com a
Rede Sustentabilidade e tão benevolente com o PROS, o Solidariedade, o
PEN e o PSD? Elementar, porque esses partidos são amigos e aliados e devem,
portando, serem arquivados no Diário Oficial.
Ainda ficou faltando explicar quem ganha e quem perde se Marina Silva não
puder concorrer às eleições presidenciais de 2014. Mas, isso é assunto para a
próxima semana.
AQUI É O POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A
CAMPINA FM.
3 comentários:
Eu estava procurando informação sobre a frase atribuida ao Getúlio e encontrei seu excelente comentário - esclarecedor e bem-escrito. Parabéns.
É Maquiavel.
Aos amigos os favores, aos inimigos a lei. Foi Maquiavel mesmo.
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