Nos EUA, quando
um cidadão quer se impor a outro ou mesmo sobre uma instituição, pode ser um
policial, ele pergunta: “Quem você pensa
que é?”. A continuação da pergunta é: “...
para se dirigir a mim dessa maneira”. No Brasil, quando se que fazer valer
o poder econômico e/ou politico logo se pergunta: “Você sabe com quem está falando?”. Pode-se, também, usar as
expressões: “Onde você pensa que está?”;
“Recolha-se a sua insignificância”; ou “Vê se te enxerga”. Tanto na terra
do Tio Sam como na do Zé Carioca essas expressões servem para delimitar as
fronteiras entre as classes sociais. Elas são arrogantes, autoritárias e
reforçam, em nós, a ideia de que a igualdade existe, mas apenas entre os
iguais.
Porém, existe uma diferença. Quando um norte-americano pronuncia o “quem você pensa que é?” está se
ancorando naquilo que amealhou fruto do seu estudo e do seu trabalho. É uma
questão de mérito, presunçosa e soberba, mas de mérito. É que nos EUA impera a
ideia do “do it yourself”, é o “faça você mesmo”. Os americanos acreditam na
ideia de que é você que tem que se fazer a si mesmo. Para eles importa menos a
origem e bem mais o que a pessoa fez, e como fez, para ser o que é. Por causa
de sua formação liberal, anglicana, individualista, onde o trabalho é a chave
para o sucesso, a sociedade norte-americana valoriza ao extremo, por exemplo, a
história do imigrante que saiu da Europa e foi “fazer a América”.
Já no Brasil, impera a instituição informal do “você sabe com quem está falando?” porque nossa tradição é
escravocrata. Herdamos da nobreza portuguesa essa mania estulta de viver dos
títulos familiares e da riqueza deixada pelos nossos pais e avós. No Brasil,
trabalhar desabonava a pessoa. A labuta foi sempre uma coisa das classes
subalternas. O que fazia o nobre brasileiro se diferenciar do escravo e do
pobre homem livre era o fato de não trabalhar, de viver de rendas e do
sobrenome pomposo. Fomos acostumados a ver o trabalho como um enorme e pesado
fardo. É por isso que a elite não dizia “quem
você pensa que é?”, pois o titulo
que dispunha foi herdado. Assim, preferia dizer o “você sabe com quem está falando?”, apelando para o rico sobrenome.
Essa é nossa cultura politica. O “você
sabe com quem está falando?” (e suas variantes) é, como afirma o
antropólogo Roberto DaMatta, um “rito de autoridade” e é tão brasileiro como o
carnaval, o seu simétrico inverso. Quando alguém usa desse expediente está
querendo fazer a demarcação radical, e autoritária, das posições sociais,
independente se elas existem de fato ou se são fruto das aparências que tanto
gostamos de manter e, claro, demonstrar. O “você
sabe com quem está falando?” mostra como ainda somos uma sociedade
estratificada, desigual e preconceituosa. A única vantagem é que, a cada vez
que é dito, faz cair por terra à ideia de que vivemos numa democracia racial e
social.
Roberto DaMatta diz que ele “subverte nosso orgulho da intimidade, da
suposta ausência de fronteiras e revela hierarquias mascaradas pelo carnaval,
pelo futebol, pela praia”. Nosso mais grave problema é gostarmos de pensar que
somos iguais em tudo. Achamos que vivemos democraticamente, sob o esplendor
desse sol tropical, desde que não nos venha um juiz, como o João Carlos de
Souza Correa, dar voz de prisão para a agente de trânsito Luciana Silva
Tamburini por ela ter dito que “juiz não é Deus”. Em 2011, Luciana Silva atuava em uma blitz,
na zona sul do Rio de Janeiro, quando teve o azar de parar o juiz João Carlos
que dirigia, embriagado e sem carteira de habilitação, um carro sem placas e
sem documentos.
O juiz não aceitou que seu carro fosse rebocado, deu voz de prisão a
agente de trânsito e chamou a Polícia Militar para prendê-la. Não sem antes,
claro, perguntar se a agente sabia com quem estava falando ao levantar sua
reluzente carteira de juiz. O caso foi parar na justiça e, pasmem, a agente
Luciana Silva foi condenada a pagar uma indenização de R$ 5.000 ao juiz João
Carlos. Na decisão judicial, o relator do processo, desembargador José Carlos
Paes, considerou que Luciana agiu com abuso de poder. Segundo o desembargador,
ao dizer que João Carlos não é Deus, e sim um juiz, a agente Luciana zombou do
cargo ocupado por ele. Luciana fez a mãe de todas as constatações, irritante e
ridiculamente óbvia: o juiz João Carlos de Souza não é Deus.
Vinha o Juiz, num dia de sol,
embriagado, dirigindo seu possante, se sentido um deus, quando a agente de
trânsito, vinda das classes subalternas que trabalham, o parou para lembra-lo
que ele não passa de um ser humano. Vejam como somos diferenciados. Luciana
Silva alegou não poder pagar a multa que lhe foi imposta, pois recebe R$ 3.700
por mês. Várias pessoas, sem titulo nobre como Luciana, fizeram, pela internet,
a famosa “vaquinha” e recolheram o dinheiro que o juiz-deus já deve ter
recebido. O pior de tudo foi à decisão do tribunal que favoreceu o juiz João
Carlos. Seus pares, desembargadores, fizeram um “você sabe com quem está
falando?” coletivo. Foi um recado: “não mexa conosco”. No Brasil, do “vê se te
enxerga”, é assim mesmo, questionou a autoridade do andar de cima, é logo
punido.
AQUI É O
POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.
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