Em 1989 eu tinha
exatos 20 anos e acreditava piamente que o mundo se dividia em dois grandes
blocos. Um desses blocos, o socialista, ficaria do lado esquerdo do mundo e
seria aquele onde as melhores coisas aconteceriam. O outro bloco, o
capitalista, ficaria do lado direito e seria responsável por todas as mazelas
existentes na humanidade. O caro ouvinte, por favor, não me entenda mal, mas
era assim mesmo. A minha geração foi, ainda é, extremada e paradoxal. Minha
geração não é digital, é analógica. Não somos randômicos. Para nós, que
nascemos bem no finalzinho dos anos 60, as coisas são lineares, não aleatórios
e seguem sempre uma ordem específica. Fomos ensinados a pensar de forma
maniqueísta.
Gostemos ou não, somos seguidores da doutrina que diz que o mundo seria
dominado por dois princípios: o do bem e o do mal. Eu cresci e me formei
sabendo que existiam duas “Alemanhas”, uma capitalista e outra socialista,
divididas por um muro colossal. Para mim, até os 20 anos, a lógica do mundo era
a do Harvey “Duas Caras”, aquele inimigo do Batman, cujo rosto é metade
deformada metade humana. Para o “Duas Caras”, e para minha geração, não haveria
meio-termo, ou se era bonito ou se era feio. Ou se era triste ou se era alegre.
Para nós, ou se era de esquerda ou se era de direita. Ou se defendia a
liberdade ou se lutava pela igualdade. Ou se era pró-URSS ou se era a favor dos
EUA. Ou se gostava de MPB ou se adorava rock in roll. Mundinho chato esse em
que vivíamos, não?
Mas, eis que o mundo girou e mudou. A tal da globalização varreu as nossas
certezas e verdades para bem longe e de uma forma impiedosa derrubou o Muro de
Berlim. Não mais do que repente aquela muralha, que parecia indestrutível,
ruiu, desmoronou. Eu lembro bem daquele 09/11/1989. Já tínhamos computadores,
mas internet era coisa de apenas se ouvir falar. As notícias nos chegavam ao
vivo e em cores, mas não em todo momento. Tínhamos que esperar o noticiário da
noite para saber os fatos do dia. Foi no Jornal Nacional, ainda com Cid
Moreira, que Pedro Bial, que ainda via vida inteligente fora do Big Brother,
anunciou para todo o país que o Muro de Berlim estava sendo destruído. E ele
estava lá, bem ao lado dos manifestantes que quebravam o muro.
Aquilo foi algo que jamais esqueci. Que nunca esquecerei. Ali acontecia
algo bem maior do que um simples fato. Naquele momento, pela TV, tive a
sensação de que aquele fato iria transcender sua própria época, que ele
entraria para a história. Naquele momento eu não me dava conta da extensão dos
danos, muito menos dos benefícios. Só depois entendi que a unificação das duas
“Alemanhas”, e a queda do muro, permitiu que as gerações seguintes não fossem
tão maniqueístas como a minha. O fim da bipolarização entre os dois sistemas
econômicos permitiu que, literalmente, víssemos para acima e além dos vários
muros que nos cercavam. Foi quando eu pude entender que liberdade e igualdade
não são excludentes, pelo contrário, se somam
A crise do socialismo no Leste-Europeu, e o fim da URSS, expôs que, por
trás das maravilhas que a esquerda acreditava existir, havia ditaduras que
oprimiam seus cidadãos do mesmo jeito que se fazia desse lado de cá do muro
durante a Guerra Fria. Foi Mikhail Gorbatchev, último líder da URSS, entre 1985
e 1991, quem deu uma boa explicação para a queda do império vermelho soviético
e a crise do socialismo. Ele disse que o problema foi que seu país não deu
conta de algumas questões materiais. Gorbatchev dizia que o jovem soviético
queria tomar Coca-Cola, ouvir rock in roll, usar calça jeans, mas sem abrir mão
de suas conquistas. A contradição era tão profunda que dentro daquele sistema
ela não se resolveria. Solução? Derrubar todos os muros.
O problema é que o muro caiu por cima das ideologias da esquerda. Ele
soterrou as certezas de uma esquerda que não estava preparada para mudar. O problema
é que não caiu um único tijolo no pé de um grande capitalista. No final de
1989, o Papa João Paulo II comemorava o fim do socialismo e agradecia a Deus
por ter nos livrado do perigo vermelho, mas ele ainda teve tempo para
reconhecer que não seria bom deixar o mundo exclusivamente nas mãos dos
capitalistas. Se o socialismo não resolveu os problemas da desigualdade e fez a
liberdade sucumbir, imagine o capitalismo que tem na desigualdade o seu
oxigênio. Aquele mundinho chato preto & branco acabou, mas esse que temos
hoje não é lá essas coisas também.
Eu só me dei conta de algumas
questões quando vi um velho comunista chorando ao ver, na TV, aquele muro sendo
demolido. É que a utopia, a qual ele dedicou sua vida, ruía feito um castelo de
areia e isso doía muito nele e em mim também. O velho Maia não sobreviveu a
tudo isso, o coração dele não aguentou. Eu, como se percebe, sobrevivi. E sabe
de uma coisa? Eu prefiro mesmo é este mundo em que vivemos. Não temos certeza
de nada, mas pelo menos temos alguma liberdade. Há 25 anos atrás eu passava o
tempo todo tendo que escolher entre uma coisa e outra. Eu não podia ouvir Chico
Buarque e The Beatles ao mesmo tempo. Como diria Belchior: “Não sou feliz, mas não
sou mudo: hoje eu canto muito mais”.
AQUI É O
POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.
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