Eu já tratei
algumas vezes, aqui mesmo no POLITICANDO, da Comissão Nacional da Verdade (CNV)
e das questões levantadas sobre nosso passado ditatorial. Lembro-me de sempre
perguntar o que, afinal, faríamos com as verdades descobertas. Questionei como
lidaríamos com as informações levantadas pelas audiências públicas realizadas
pela CNV. Essas audiências ouviram pessoas perseguidas pelo regime militar e
agentes públicos a serviço do Estado autoritário. Numa delas, o Tenente-Coronel
Paulo Malhães detalhou o processo de torturas que levou o deputado Rubens Paiva
a morte. Conhecido no submundo da tortura como Doutor Pablo, Malhães disse como
e onde o corpo de Paiva foi ocultado.
Malhães contou que usava a “Casa da Morte”, em Petrópolis (RJ), para
torturar presos como forma de torna-los informantes dos órgãos de repressão.
Depois disso, ele foi assassinado no dia 25 de abril passado numa nítida ação
de “queima de arquivo”. Noutra audiência, a CNV foi a Recife acompanhar a
visita de ex-presos políticos às instalações da Delegacia da Ordem Política e
Social (DOPS-PE) e do Destacamento de Operações de Informações e Centro de
Operações de Defesa Interna, o DOI-CODI. Os ex-presos políticos Marcelo Mesel,
Alanir Cardoso, Lilia Gondim e José Adeildo não só reconheceram os locais onde
foram barbaramente torturados como descreveram situações de extrema humilhação
ao enfrentarem a dor física e mental.
Eu não vou relatar aqui como os torturadores agiam. Não acho interessante
exemplificar a que ponto chegou a brutalidade e a bestialidade desses homens
que, a serviço do Estado, prendiam, torturavam, matavam e ocultavam corpos.
Mas, se você quer ter estes relatos pode ir, por exemplo, no www.cnv.gov.br. Lá tem a íntegra das audiências feitas, que não foram gravadas apenas
para que no futuro, como agora, ninguém possa ainda dizer que não sabia das
atrocidades cometidas. Aliás, os dois jornalistas que andam pedindo a volta do
regime militar, num programa de uma emissora de rádio da Paraíba, deveriam
assistir as audiências. Já que eles vão mesmo defender tamanha asneira, pelo
menos que o façam de forma consciente.
Para eles, eu diria que existe uma diferença entre ditadura e democracia.
É que na democracia, o cidadão tem o direito de se expressar até para pedir
intervenção militar. Já na ditadura, se alguém pede democracia, pode ser preso,
torturado e até assassinado. A CNV não tem poder de polícia, como não é
instância judiciária. Ela foi criada, pela presidência da República, através da
Lei 12.528/2011 e foi instituída em 16/05/2012 para apurar graves violações aos
Direitos Humanos ocorridas entre 1946 e 1988. Sem papel coercitivo, a CNV vai
repassar ao governo e a justiça federal tudo que documentou. A ideia é
colaborar, nos processos judiciais, que parte da sociedade espera que sejam
instalados contra os que cometerem crimes tidos como de lesa humanidade.
No dia 10/12, a CNV entregará à presidente Dilma o relatório de suas atividades
com a recomendação para que se responsabilize criminalmente cerca de 100
militares, que ainda estão vivos, e que violaram os direitos humanos durante a
ditadura. A CNV cumpriu este papel limitado até porque não havia amparo legal
para que agisse de outra maneira. Com alguns equívocos, levantou e comprovou,
as informações que dão conta que o Regime Militar tinha a tortura como uma
politica de Estado. Numa entrevista concedida ao programa "Poder e
Política", do UOL, o coordenador da CNV, Pedro Dallari, disse que “esse é o desfecho, a decorrência natural
das apurações feitas, de um trabalho que durou 3 anos”.
Dallari disse que a responsabilização é necessária, mas como isto vai ser
feito, se vai ser feito, é algo que caberá ao Ministério Público e aos três
poderes constituídos do país. Aí é que entra a questão de não sabermos o que
fazer com a verdade. Dallari lembra que a responsabilização penal de
torturadores esbarra na Lei de Anistia, em sua reinterpretação, modificação ou
mesmo em sua extinção. A questão é: como puniremos os torturadores se eles
foram anistiados, perdoados, por lei? Poderemos enquadrar, com os rigores da
lei, estes homens que torturam e mataram os adversários do regime militar? Não,
não poderemos, pois passamos uma borracha, chamada Lei da Anistia, em nossa
triste e suja história política recente.
A Lei da Anistia perdoou a todos
indistintamente. Existe um pacto informal para que não passemos do estágio de
levantar verdades. Assim a CNV atende bem ao primeiro estágio, de sabermos o
que de fato aconteceu, mas nada poderá fazer daí em diante. O que se espera é
que a publicação do relatório da CNV dê os argumentos, a partir de casos
concretos, para que o Supremo Tribunal Federal aceite analisar a Lei da Anistia
seja para revê-la, seja para extingui-la. Espera-se, também, que o mesmo
governo que criou a CNV tenha altivez suficiente para bancar, perante os outros
poderes e a própria sociedade, a ideia de que chegou a hora de enfrentar todas
as nossas verdades por mais dolorosas que elas sejam.
AQUI É O
POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.
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