Em 1984 Elba
Ramalha lançava “Do jeito que agente gosta”. Uma das músicas desse álbum é “Nordeste
Independente”, composta por Bráulio Tavares e Ivanildo Vilanova. Essa canção fez muito sucesso graças à
estupidez do governo militar da época. É que ela foi proibida pela Censura
Federal. Elba a cantava em shows, mas em emissoras de rádio e televisão ela era
vetada. Lembro-me de um show, no Teatro Municipal de Campina Grande, onde Elba
a cantou e levou a platéia ao delírio. Todos vibraram com Elba cantando: “Já
que existe no Sul esse conceito/ Que o Nordeste é ruim, seco e ingrato/ Já que
existe a separação de fato/ É preciso torná-la de direito”. O sentimento era de
vingança pelo histórico de discriminação sofrido pelo Nordeste.
“Nordeste Independente” surgiu como um bem humorado manifesto contra a
discriminação e o preconceito contra os nordestinos. Talvez nem Bráulio Tavares
tenha imaginado que, passados 30 anos, ela pudesse servir às polêmicas
separatistas. Para Bráulio e Vilanova imaginar que o “Brasil pudesse ser
dividido e o Nordeste ficar independente” não passava de uma grande ironia, de uma
história bem montava, baseada em algo improvável, que os militares não acharam
a menor graça. Quando vejo a descrição de uma São Paulo, que sobreviveria sem a
força do trabalho dos nordestinos, lembro que, em 1984, Bráulio e Vilanova
antecipavam, como farsa, o que os “Diogos Mainardis”, desprovidos de
inteligência, defendem, hoje, como verdade.
Num trecho de “Nordeste Independente” se diz que: “Dividido a partir de
Salvador/O Nordeste seria outro país/ Vigoroso, leal, rico e feliz/ Sem dever a
ninguém no exterior”. É que gostamos de pensar que sem nós, os nordestinos, os
sulistas não seriam nada. E a recíproca é verdadeira. Em São Paulo é cada vez
mais corrente o discurso de que o Nordeste, essa metade do país para cima que
não deu certo, atravancaria o desenvolvimento dessa metade para baixo do país
que supostamente deu certo. De fato não dá mesmo para levar a sério a ideia de
que o povo de São Paulo trabalha para sustentar, com Bolsa Família, o Nordeste.
Só mesmo FHC, Arnaldo Jabor e os jornalistas do Manhattan Connection para terem
concluído tamanha estupidez.
Mas, se em São Paulo o tal separatismo não passa de manifestações
crescentes e desorganizadas, apesar do racismo xenófobo, conservador e de
direita, no Sul ele é algo bem organizado e já um tanto quanto enraizado desde
o começo da década de 90. Em 1992 surgiu o movimento “O Sul é Meu País” em
Laguna, interior de Santa Catarina. A ideia era, ainda é, separar os três
Estados do Sul do resto do Brasil. A palavra de ordem do grupo é: "a consequência, de cujas causas não
podemos ser acusados". É que eles sabem que pregar o separatismo é
crime previsto na Constituição Federal. A Lei de Segurança Nacional, entulho
dos tempos da ditadura, prevê que é crime “tentar desmembrar parte do
território nacional para constituir país independente”.
Celso Deucher, presidente do “O Sul é Meu País”, diz que o movimento tem 6
milhões de simpatizantes. Em setembro, eles fizeram um evento em Passo Fundo
(RS) pregando a separação do Brasil por causa da corrupção. É que eles se acham
imunes a isso. Eles negam o rótulo de racistas e dizem que aceitam todos os
credos, raças e tendências desde que “imbuídas do separatismo”. Repudiam o
“Bolsa Família”, às cotas raciais e o Mensalão. Não são racistas, mas são
contra as cotas. Repudiam o Mensalão como se no Sul houvesse uma blindagem
contra a corrupção. Celso Deucher diz que o separatismo é pessoal, pois eles
não se sentem brasileiros, nem alemães, nem italianos. Eles se veem como
sulistas. Eles desconhecem o que vem a
ser miscigenação e multiculturalismo. Se sentem puros, assim como os nazistas.
“O Sul é Meu País” diz que quer se separar do Brasil por ser roubado por
Brasília. Eles dizem que em 2013 os três estados do sul arrecadaram 152 bilhões
de reais, mas que tiveram um “retorno” de apenas 30 bilhões. Eles distribuem um
panfleto onde afirmam que “80% do total arrecadado não retornou aos estados do
Sul”. Na verdade, nosso pacto federativo beneficia, em larga escala, a
arrecadação em favor da União e em detrimentos dos Estados da federação. Hélio
Micheleto, do movimento República das Araucárias, diz que essa desigual
distribuição desencadeou o “favelamento do Sul”, que empobreceria enquanto o
Nordeste enriqueceria com o “Bolsa Família”. E ainda há quem dê crédito a isso!
O separatismo sulista recusa o
envolvimento com a política, mas Hermes Aloisio, membro do movimento em Passo
Fundo, foi candidato a vice-governador do Rio Grande do Sul pelo PRTB, não por
acaso o partido do homofóbico Levy Fidelix. No programa do PRTB gaúcho há uma
proposta de um plebiscito pela “autodeterminação política e econômica” do Rio
Grande do Sul. Ou seja, as pretensões separatistas encontraram, em partidos
políticos de direita, terreno para germinarem. Bráulio e Vilanova combatiam o
preconceito e a discriminação. Esses sulistas, de alma branca, defendem o
isolamento para se protegerem de que ou de quem? De nós, essa metade para cima
que não deu certo? Ou deles mesmos?
AQUI É O
POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.
Nenhum comentário:
Postar um comentário