quarta-feira, 19 de novembro de 2014

E SE O BRASIL FOSSE DIVIDIDO?

Em 1984 Elba Ramalha lançava “Do jeito que agente gosta”. Uma das músicas desse álbum é “Nordeste Independente”, composta por Bráulio Tavares e Ivanildo Vilanova.  Essa canção fez muito sucesso graças à estupidez do governo militar da época. É que ela foi proibida pela Censura Federal. Elba a cantava em shows, mas em emissoras de rádio e televisão ela era vetada. Lembro-me de um show, no Teatro Municipal de Campina Grande, onde Elba a cantou e levou a platéia ao delírio. Todos vibraram com Elba cantando: “Já que existe no Sul esse conceito/ Que o Nordeste é ruim, seco e ingrato/ Já que existe a separação de fato/ É preciso torná-la de direito”. O sentimento era de vingança pelo histórico de discriminação sofrido pelo Nordeste.

“Nordeste Independente” surgiu como um bem humorado manifesto contra a discriminação e o preconceito contra os nordestinos. Talvez nem Bráulio Tavares tenha imaginado que, passados 30 anos, ela pudesse servir às polêmicas separatistas. Para Bráulio e Vilanova imaginar que o “Brasil pudesse ser dividido e o Nordeste ficar independente” não passava de uma grande ironia, de uma história bem montava, baseada em algo improvável, que os militares não acharam a menor graça. Quando vejo a descrição de uma São Paulo, que sobreviveria sem a força do trabalho dos nordestinos, lembro que, em 1984, Bráulio e Vilanova antecipavam, como farsa, o que os “Diogos Mainardis”, desprovidos de inteligência, defendem, hoje, como verdade.
 
Num trecho de “Nordeste Independente” se diz que: “Dividido a partir de Salvador/O Nordeste seria outro país/ Vigoroso, leal, rico e feliz/ Sem dever a ninguém no exterior”. É que gostamos de pensar que sem nós, os nordestinos, os sulistas não seriam nada. E a recíproca é verdadeira. Em São Paulo é cada vez mais corrente o discurso de que o Nordeste, essa metade do país para cima que não deu certo, atravancaria o desenvolvimento dessa metade para baixo do país que supostamente deu certo. De fato não dá mesmo para levar a sério a ideia de que o povo de São Paulo trabalha para sustentar, com Bolsa Família, o Nordeste. Só mesmo FHC, Arnaldo Jabor e os jornalistas do Manhattan Connection para terem concluído tamanha estupidez.

Mas, se em São Paulo o tal separatismo não passa de manifestações crescentes e desorganizadas, apesar do racismo xenófobo, conservador e de direita, no Sul ele é algo bem organizado e já um tanto quanto enraizado desde o começo da década de 90. Em 1992 surgiu o movimento “O Sul é Meu País” em Laguna, interior de Santa Catarina. A ideia era, ainda é, separar os três Estados do Sul do resto do Brasil. A palavra de ordem do grupo é: "a consequência, de cujas causas não podemos ser acusados". É que eles sabem que pregar o separatismo é crime previsto na Constituição Federal. A Lei de Segurança Nacional, entulho dos tempos da ditadura, prevê que é crime “tentar desmembrar parte do território nacional para constituir país independente”.

Celso Deucher, presidente do “O Sul é Meu País”, diz que o movimento tem 6 milhões de simpatizantes. Em setembro, eles fizeram um evento em Passo Fundo (RS) pregando a separação do Brasil por causa da corrupção. É que eles se acham imunes a isso. Eles negam o rótulo de racistas e dizem que aceitam todos os credos, raças e tendências desde que “imbuídas do separatismo”. Repudiam o “Bolsa Família”, às cotas raciais e o Mensalão. Não são racistas, mas são contra as cotas. Repudiam o Mensalão como se no Sul houvesse uma blindagem contra a corrupção. Celso Deucher diz que o separatismo é pessoal, pois eles não se sentem brasileiros, nem alemães, nem italianos. Eles se veem como sulistas.  Eles desconhecem o que vem a ser miscigenação e multiculturalismo. Se sentem puros, assim como os nazistas.

“O Sul é Meu País” diz que quer se separar do Brasil por ser roubado por Brasília. Eles dizem que em 2013 os três estados do sul arrecadaram 152 bilhões de reais, mas que tiveram um “retorno” de apenas 30 bilhões. Eles distribuem um panfleto onde afirmam que “80% do total arrecadado não retornou aos estados do Sul”. Na verdade, nosso pacto federativo beneficia, em larga escala, a arrecadação em favor da União e em detrimentos dos Estados da federação. Hélio Micheleto, do movimento República das Araucárias, diz que essa desigual distribuição desencadeou o “favelamento do Sul”, que empobreceria enquanto o Nordeste enriqueceria com o “Bolsa Família”. E ainda há quem dê crédito a isso!

O separatismo sulista recusa o envolvimento com a política, mas Hermes Aloisio, membro do movimento em Passo Fundo, foi candidato a vice-governador do Rio Grande do Sul pelo PRTB, não por acaso o partido do homofóbico Levy Fidelix. No programa do PRTB gaúcho há uma proposta de um plebiscito pela “autodeterminação política e econômica” do Rio Grande do Sul. Ou seja, as pretensões separatistas encontraram, em partidos políticos de direita, terreno para germinarem. Bráulio e Vilanova combatiam o preconceito e a discriminação. Esses sulistas, de alma branca, defendem o isolamento para se protegerem de que ou de quem? De nós, essa metade para cima que não deu certo? Ou deles mesmos?

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AQUI É O POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.

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