O escritor e
filósofo Barão de Monstesquieu escreveu no “Espírito das Leis”, sua mais
importante obra, que uma coisa não é justa simplesmente porque é lei, pelo
contrário, ela deve ser lei exatamente por ser justa. As leis expressam códigos
sociais, éticos, culturais, econômicos e políticos de uma sociedade e são tão
mais respeitadas quanto mais legitimidade obtiverem do povo que deve
cumpri-las. Mas, o que dizer, então, de um povo que não gosta de cumprir leis?
Dito de outra forma, qual o problema de uma sociedade onde 81% dos seus
cidadãos dizem ser fácil desrespeitar a lei? Não deveria ser o contrário? A
maioria esmagadora dessa sociedade deveria ter claro que viver a margem da lei
é muito difícil.
O caro ouvinte já sabe que estou falando de nós mesmos. O Fórum Brasileiro
de Segurança Publica divulgou o Anuário da Segurança 2014, ano base 2013. Por
ele, vemos o que acontece conosco em termos de violência e (in)segurança
pública. O Anuário é dividido em duas partes. A primeira traz as estatísticas
criminais e os gastos com segurança pública e prisões e mostra um estudo sobre
os efetivos das forças policiais, sobre a população carcerária e o sistema
socioeducativo do Brasil. A segunda parte traz o um estudo de como o Congresso
Nacional tem tratado a segurança pública. Traz, ainda, o “Projeto Brasil que
Queremos”, sobre a visão que os brasileiros têm do judiciário, da polícia e das
leis.
É aqui que temos dados relevantes para entendermos porque somos tão bem,
ou mal, predispostos à violência. Uma pesquisa feita pelo Curso de Direito da
Fundação Getúlio Vargas viu que 81% dos brasileiros concordam que é fácil não
respeitar as leis. Desrespeitar a lei não quer dizer apenas não cumpri-la. Não
são apenas os marginais, aquele que vivem deliberadamente a margem da lei, que
a desrespeitam. Também, não vamos por na conta dos políticos a total
responsabilidade por essa estatística absurda. Somos nós, os cidadãos
brasileiros, que não aceitamos o “espírito” das leis do qual nos fala
Montesquieu. A todo momento estamos dispostos a desacatar, desconsiderar,
infringir ou transgredir a lei e as regras que nós mesmos criamos.
Essa é a mãe de todas as perversões de nossa sociedade. Achamos fácil, até
engraçado, desrespeitar a lei. Alguns até se gabam disso. Gostamos de achar que
só desrespeita a lei quem rouba, mata, sequestra, estupra, enfim quem é
bandido. Mas, a cada vez que ultrapassamos o sinal fechado, jogamos lixo na
rua, furamos a fila, subornamos o agente de trânsito, colocamos som alto em
local público, vendemos o voto ou mesmo aplicamos a famosa “Lei de Gérson”
estamos, sim, burlando a lei. Nossa formação política e social nos ensinou a
não querer respeitar as leis porque, como diria Jean Jacques Rousseau, elas
foram sempre mais úteis aos que têm posses e quase sempre mais nocivas aos que
nada têm.
Criamos expedientes como o “jeitinho brasileiro” ou a ideia de que “tem
lei que pega e lei que não pega” para podermos nos defender das imposições
legais que a elite escravocrata luso-brasileira foi criando ao longo de cerca
de três séculos. Assim, temos que lidar com essa situação esdrúxula de não
respeitar aquilo que deveria servir para garantir nossos direitos e fazer
cumprir nossas obrigações. Temos uma relação instrumental para com a lei. Até
cumprimos a lei desde que seja a favor do interesse pessoal ou do grupo social,
econômico e político ao qual pertencemos. Mas, se a lei interfere em alguma
ação particular logo evocamos o “sagrado” direito de burlá-la à base do
“jeitinho brasileiro”.
O Anuário da Segurança trouxe que a cada 10 minutos um brasileiro é assassinado.
Em 2013, tivemos 53.646 mortes violentas, incluindo as vítimas de homicídios
dolosos e ocorrências de latrocínios e lesões corporais seguidas de morte.
Foram registrados 50.320 casos de estupro. Considerando que apenas 35% das
vitimas, desse crime odioso, vão a policia relatar seus traumas, é possível que
tenhamos tido algo em torno de 143 mil casos de estupro em todo o Brasil apenas
em 2013. Aliás, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social
(CREAS), do Governo do Estado, nos mostra que a cada 15 horas uma criança ou
adolescente é vitima de abuso sexual na Paraíba. E esse dado se refere apenas
aos 3 primeiros meses de 2014.
De acordo com o Anuário da
Segurança, a Paraíba teve (em 2012) 1.515 casos de homicídios dolosos. Já em
2013, tivemos um caso a menos, foram 1.514. Já os casos de crimes violentos,
letais e intencionais foram 1.537 só em 2013. Eu poderia citar mais dados, mas,
por enquanto, é o que nos basta. Esses números já dão conta de nossa revolta
quando o tema é insegurança. O que interessa é perceber que ficamos perplexos
com esses números, mas o que temos feito para muda-los? Revoltamo-nos com a
crescente marginalidade, mas continuamos achando que a lei pode ser desrespeita
facilmente. Se nós, os cidadãos de bem, não gostamos de respeitar a lei,
porque, afinal, vamos exigir que os marginais façam o mesmo?
AQUI É O
POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.
Nenhum comentário:
Postar um comentário