Certa vez, o
Jornal Nacional apresentava uma reportagem sobre a questão racial no Brasil.
Uma Fátima Bernardes sorridente dizia que, ao contrário dos EUA, não existem,
no Brasil, registros de conflitos raciais sangrentos. Tentando validar a ideia,
ou o mito, de que somos uma democracia racial, a reportagem mostrava conflitos
entre negros e brancos nos EUA e falava dos “Panteras Negras”, aquele grupo que
pregava a resistência armada contra a opressão sofrida pelos negros. O Jornal
Nacional mostrava brasileiros de diferentes raças conversando alegremente. A
câmera se voltava para Fátima Bernardes para que ela dissesse, aliviada, que
enquanto o preconceito racial dos americanos só aumentava, o nosso diminuía a
cada dia.
O argumento era que os negros brasileiros ocupavam cada vez mais cargos
públicos e privados e que até já existia uma revista de moda dedicada à raça
negra. Pasmem! O Jornal Nacional esqueceu a histórica luta do Quilombo dos
Palmares contra a escravidão. O jornalismo global parecia desconhecer os
conflitos gerados pela perseguição do Estado brasileiro aos que se manifestavam,
através do Candomblé e da Umbanda, na Bahia e em outros estados, na primeira
metade do século XX. É por isso que sempre tenho ao alcance da mão, em aulas de
História do Brasil, a obra “Raízes do Brasil”, onde Sérgio B. de Holanda
ironiza a mal afamada passividade de nosso povo que, mesmo tiranizado, agiria
de forma cordial para com seus opressores.
O racismo nos EUA é explícito. Lá, ainda existem aqueles restaurantes
divididos em 3 pavimentos para que negros, brancos e hispânicos não se
misturem. Imagine o que uma brasileira,
de pele negra e cabelo e olhos claros, faria para comer num local desses? Já
nós, preferimos pensar que, por aqui, não existe esse tipo de pré-conceito.
Aqui mesmo, no Nordeste, é comum se achar que só existe racismo lá pelo sul do país.
Mas, eis que a realidade vem sempre nos tirar de nossa zona de conforto.
Recentemente, dois agentes de Trânsito do DETRAN do Ceará receberam cartas, com
xingamentos e ofensas racistas, após rebocarem carros que estavam estacionados
em locais proibidos. A suspeita de ter escrito as cartas é Jane Cordeiro Alves.
Revoltada por ter seu veículo rebocado, ela foi à sede do DETRAN para
entregar três cartas, todas de conteúdo racista. Pobre Jane, ao invés de fazer
sua defesa para retirar a multa, que lhe foi aplicada, preferiu gerar prova
contra si mesma. Numa das cartas, Jane Alves diz: “Vou me referir ao da cor da noite sem estrelas, que dirigia o reboque:
hoje tu vive como gente, convivendo com gente, por causa da maldita princesa
Isabel”. Coitada, além de tudo, Jane desconhece o processo histórico. E ela
continua: “hoje, tu viveria no tronco,
levando chicotada (...) tem inveja de mim porque sou branca. Se tivesse vivendo
na época dos meus bisavós (que eram senhores portugueses, donos de escravos)
estaria lambendo o chão que eu piso”.
O que mais me assusta é a possibilidade de haverem muitos (e muitas) “Jane
Alves”, espalhados por aí, compartilhando dessa mentalidade escatológica.
Claro, Jane deverá responder por crime de injúria, racismo e desacato. Mas, eu tenho
uma sugestão. Não acho que Jane deveria ser presa. Penso que a melhor punição
para ela seria limpar o chão por onde aqueles, que ela xingou, passam todos os
dias. Não sei se seria educativo, mas, com certeza, seria a melhor punição que
ela merece e precisa. Esse fato não é isolado, ele não é exceção. Ele é a regra
na ponta do iceberg, pois somos criados, educados, para reproduzir essa visão
racista, ao mesmo tempo em que desenvolvemos os tais jeitinhos para conviver
com o que nos desagrada.
Lembro-me de uma professora, do ensino fundamental aqui mesmo em Campina
Grande, que foi repreendida pelos pais de seus alunos, e pela direção de sua
escola, por ter pedido às crianças para refazerem um trabalho sobre a questão
da cor da pele. Numa tarefa, as crianças deveriam pintar bonecos com a cor da
pele. Todas pintaram com cores bem claras, inclusive 3 crianças negras que lá
estudavam. A educadora agiu para mostrar que não existe uma única cor de pele.
Foi repreendida e quase demitida. Dione do Nascimento, estudante do curso de
Pedagogia da UFPB, constatou que 92% das crianças que estudam no ensino
fundamental, da rede pública do Estado da Paraíba, apresentam um comportamento
racista. A pesquisa foi algo bem simples.
Apresentava-se uma boneca branca e
outra negra às crianças. 92% delas, independente da cor de pele, escolheram a
boneca branca. Porca miséria essa nossa. Não nos consideramos racistas, mas
agimos como tal o tempo todo. Se tivéssemos feito uma revolução para acabar com
a escravidão, hoje não agiríamos como Jane Alves, que em seus delírios se vê
herdeira de senhores escravagistas. Esse é o nosso problema, somos pacíficos
demais, cordiais demais e conscientes de menos.
AQUI É O
POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.
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