quarta-feira, 26 de novembro de 2014

PORQUE NOSSAS LEIS NÃO PEGAM?

Certa vez eu estava num encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, em Belo Horizonte, e fui assistir um debate onde se discutia a maneira errática que nós brasileiros temos de lidar com a lei. Os debatedores tratavam dessa questão, tão nossa, de que tem lei que pega e lei que não pega. Muitos presentes ao debate, inclusive eu, ironizávamos esse nosso jeito, nem um pouco republicano, de lidar com o instrumento que nos daria alguma civilidade. Foi quando uma professora, de um curso de Direito de algum país de língua espanhola da América do Sul, se dirigiu aos debatedores e perguntou num portunhol confuso: “Como assim? Porque vocês aprovam leis se não estam dispostos a obedecê-las?”.

Ninguém conseguiu responder, ou explicar, esse paradoxo político, tão próprio de uma sociedade que se acostumou a lidar com as leis de forma instrumentalizada. Só cumprimos a lei quando ela nos favorece, do contrário a ignoramos classicamente. Alguém disse que a professora de direito fez uma pergunta ingênua, pois, afinal de contas, o Brasil é assim mesmo, tem muita coisa que não se explica. De fato, vivemos selecionando, aqui e ali, as leis que vamos respeitar e as que vamos ignorar. É comum vermos parlamentares, no guia eleitoral, se auto intitulando campeões em apresentação de projetos de lei. Mas, entre apresentar a minuta de uma lei e esta vir a ser aprovada em plenário e sancionada pelo governo vai uma distância siberiana.

Não adianta transformar belos projetos em leis reluzentes se elas não forem efetivas, eficazes, abrangentes e, claro, vigentes. A primeira coisa é que a lei tem que adentrar no ordenamento jurídico do Estado, só assim ela tem vigor. A Reforma Política será sempre um belo projeto, um sonho dourado para alguns ou um enorme fardo para outros, enquanto não for inserida em nossa Constituição. Por isso que muitos, como eu, falam em revisão constitucional ao invés de Reforma Política.

Já a eficácia da lei se refere à maneira como a vigência da norma produz efeitos. Aqui, importa perceber a eficácia social, a aplicação prática da lei. Um bom exemplo é quanto ao uso do cinto de segurança que foi uma lei que, literalmente, pegou. Mas, o que importa é sabermos, como e porque, uma lei vigente, e com eficácia comprovada, não consegue ter efetividade. Porque temos leis que não são capazes de causar efeito sobre o cidadão, que não se relacionam com sua realidade? A lei que obrigava motoristas andarem com um kit de primeiros socorros em seus carros é um exemplo de lei que não pegou, que não teve efetividade. É que ela foi feita para favorecer o fabricante dos kits que doara dinheiro para campanhas eleitorais.

A Assembleia Legislativa da Paraíba é, historicamente, pródiga em criar leis que, mesmo vigentes, não são eficazes e muito menos efetivas. Em quase 180 anos de história, o parlamento estadual já criou mais de 10 mil leis. Nossos deputados estaduais são especialistas em criar leis sem serventia. O caro ouvinte sabe que a lei 10.246/2014 instituiu o “05 de outubro” como o Dia Estadual da Democracia? Não? Pudera, isso nunca foi divulgado. Mas, vejam que lei pomposa! O deputado Anísio Maia teve essa brilhante ideia porque foi neste dia que as constituições federal e estadual foram promulgadas. Para que mesmo precisamos ter um dia dedicado à democracia?  Será que é porque sempre esquecemos que vivemos numa?

E o que dizer da lei 6.597/1998, de autoria da ex-deputada Francisca Motta, que instituiu a “Semana Estadual da Cidadania”? Mesma coisa. Se somos cidadãos, temos que vivenciar a cidadania diariamente. Porque ter apenas uma semana dedicada a ela? A lei 10.220/2013, do deputado Caio Roberto, diz que instituições de ensino devem entregar diplomas num prazo de 60 dias. O que se espera de uma instituição de ensino séria é que ela conceda seus diplomas. Se isso não acontecer, o concluinte vai ao PROCON ou ao Ministério Público. Assim, não precisa da lei do deputado. Na Paraíba, temos quase 300 leis para garantir direitos e proteger crianças, adolescentes, mulheres, idosos, portadores de necessidades especiais. Mas, para que tantas leis? Não bastaria se cobrar a efetividade do artigo 5º da Constituição Federal?

Aquele mesmo que diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade...”. Bem melhor do que ter muitas leis, é fazer as mais relevantes funcionarem. Os deputados dizem que as leis são pouco efetivas, porque a população não as conhece. Sim, não se pode exigir o cumprimento daquilo que não se sabe. Mas, não adianta produzir leis no atacado se elas não atentam para nossa realidade no varejo. Se ter leis em grande quantidade fosse garantia de alguma coisa, seríamos a sociedade mais democrática e desenvolvida do mundo. Este não é nosso problema. A questão é que temos leis de mais e vontade de segui-las de menos.

Você tem algo a dizer sobre essa COLUNA ou quer sugerir uma pauta? gilbergues@gmail.com

AQUI É O POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.

Nenhum comentário: