sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

AFINAL, PORQUE O TORTURADOR DEVERIA SER PERDOADO?

Há cerca de quatro anos o Supremo Tribunal Federal foi chamado a se posicionar sobre os limites da Lei da Anistia. O STF teria que dizer quem de fato ela perdoou e o que poderia acontecer com quem ela não absolveu. Já a Advocacia Geral da União afirmava que “estão perdoados os crimes de tortura cometidos durante a ditadura militar”. A AGU apegou-se a tese de que a Anistia é "ampla, geral e irrestrita" e que delitos cometidos na ditadura prescreveram. No STF, o Ministro Gilmar Mendes afirmou que punir torturadores traria insegurança jurídica ao país. O Ministro e a AGU pareciam (ainda parecem) temer que alguns acusados não aceitassem de forma passiva que deveriam ir a julgamento.

Na transição da ditadura para a Nova República estimulou-se a tese do esquecimento e do não revangismo, de deixar velhos problemas para trás e só se olhar para frente. Boa parte da sociedade comprou a ideia de um grande pacto em nome da democracia. Foi no governo do Gal. Figueiredo que se encaminhou a Lei da Anistia para o Congresso Nacional. Como Figueiredo não reconhecia a tortura como um delito, ela não apareceu no texto final da lei. Ou seja, se não houve crime de tortura não há do que se anistiar. Desde o governo de FHC que as pessoas e instituições se dividem em torno da matéria. De um lado, temos os que pedem a revisão da Lei da Anistia e a punição para quem, por exemplo, torturou e matou em nome do Estado.

Do outro lado há os que dizem que a anistia foi fruto de uma negociação entre a sociedade civil e o regime militar. É comum se lembrar do pacto feito para que ambos os lados tivessem como lema o esquecimento, e que só assim foi possível à democracia. Para a AGU as convenções e tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário, que têm a tortura como imprescritível se submetem à Constituição Federal. Ela entende que não interessa posições assumidas no passado se elas estão em desacordo com leis atuais. É a AGU que defende a União no processo aberto pelo Ministério Público Federal para punir os militares reformados Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Maciel por tortura, morte e ocultação de 64 cadáveres durante a ditadura.

No governo os favoráveis a punição são minoria. A presidente Dilma Rousseff, por ser ex-presa política, tendo sido submetida à tortura, se mostra a favor da punição. Mas, a AGU, o Ministério da Defesa, a Controladoria Geral da União e o Itamaraty são contra. Dilma afirma que na Lei da Anistia não foram contemplados os agentes que, durante a ditadura, cometeram lesão corporal, estupro, homicídio, ocultação de cadáver e tortura. Mas, a AGU diz que não dá para responsabilizar pessoas pelos delitos.

A AGU concorda com a tese do ex-ministro Nelson Jobim, segundo a qual: “nem a repulsa que nos merece a tortura impede reconhecer que se deve dar toda a amplitude ao esquecimento penal desse período negro da nossa história". A União é ré na questão da abertura dos arquivos da ditadura e já foi sentenciada a tornar público documentos do período. A Comissão da Verdade teve árdua tarefa nesse sentido. Mas, FHC alterou a legislação para o acesso público a documentos oficiais. Ele ampliou para 50 anos o prazo de divulgação de documentos tidos como “ultrassecretos” e oficializou o sigilo eterno, possibilitando, ainda, que uma Comissão Interministerial renove o prazo de confidencialidade sem restrições de tempo.

Lula alterou a lei, mas manteve sua essência autoritária. Ele reduziu o prazo de divulgação dos documentos “ultrassecretos” de 50 para 30 anos, mas prevendo uma renovação por mais 30 anos. Ou seja, os documentos podem ficar até 60 anos sem que a sociedade tenha acesso a eles. Lula manteve a Comissão Interministerial e o sigilo de documentos que possam ameaçar a soberania nacional. Numa palavra, ao meio-século imposto por FHC, Lula acresceu mais 10 anos. Sob um verniz democrático, temos uma espessa camada autoritária que impede que a sociedade civil tenha acesso às informações.
 
FHC e Lula, que concordam que nossa democracia está consolidada, não caminharam no mesmo sentido da Argentina, por exemplo, que abriu seus arquivos a toda sociedade e eles serviram de provas para que muitos fossem punidos. Se não temos mais ameaças de um revés autoritário só nos resta abrir os arquivos da ditadura e revolver nosso passado autoritário. Importa menos o que vamos lá descobrir. O que interessa é que tenhamos acesso em definitivo a esses documentos. Se esquecer do passado sem que ele esteja resolvido é grave, imagine o quão perigoso é fechar os olhos para erros cometidos no presente? O que será de nosso futuro se não queremos rever como foi nosso passado.

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AQUI É O POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.

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