É sempre a mesma
coisa. Recebo muitas mensagens, algumas anônimas, quando trato da tortura,
praticada pelo Estado durante a ditadura militar, e quando analiso os trabalhos
da Comissão Nacional da Verdade, que acaba de divulgar seu relatório final. Quando
discordo da ideia de que só uma intervenção militar seria capaz de moralizar o
Brasil e quando defendo que agentes públicos torturadores devem ser punidos o gilbergues@gmail.com recebe mensagens, algumas elogiosas
outras nem tanto. Ontem, depois que tratei do fato de Jair Bolsonaro ter dito
que a deputada Maria do Rosário “não merece se estuprada porque é muito
feia", recebi uma mensagem de um ouvinte anônimo concordando com as ideias
do deputado hitlerista.
Certa vez, um anônimo raivoso me mandou uma mensagem dizendo que as
mulheres, que lutaram contra a ditadura militar, só foram torturadas e
violentadas porque abandonaram filhos, pais e maridos para pegar em armas.
Segundo este ouvinte, sem identidade, se essas mulheres tivessem ficado em suas
casas nada disso teria acontecido. Esse argumento é idêntico ao de Jair
Bolsonaro que diz que o homem estupra a mulher porque ela o provoca com sua
beleza. Não me incomodam os comentários desses ouvintes anônimos. Até fico
feliz, pois como vivemos em uma democracia, eles podem dizer o que pensam,
mesmo que não venham à luz do sol. O que eles não entendem é que o anonimato é
próprio das ditaduras.
Com a divulgação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade temos
dois dilemas. Um, verdadeiro, trata do que faremos com os responsáveis por
crimes durante a ditadura. O outro, falso, é se existe alguma justificativa
plausível para a tortura. Devemos enfrentar nossas verdades, mesmo que alguns
queriam mistificá-las, deturpá-las, desmerece-las. Os responsáveis por crimes
durante a ditadura militar devem mesmo ser responsabilizados judicialmente.
Todos eles! É preciso não tergiversar.
Mas, essa discussão tem que passar ao largo das paixões mal humoradas
daqueles que tem alguma coisa a temer ou que nutrem algum tipo de saudosismo
ideológico dos tempos em que prender, torturar, matar e fazer corpos sumir era
coisa natural. Muitos dos que enfrentaram o regime militar com armas, ou não,
foram processados em tribunais militares de exceção. Muitos cumpriram longas
penas ou foram condenados ao exílio para que sobrevivessem à violência do
Estado ditatorial. Passados quase 30 anos do fim da ditadura militar não se tem
notícia de um único torturador que tenha sido punido por um crime que é tido
como de lesa humanidade. Os “Bolsonaros” e “Lobões” da vida dizem que “ninguém
era santo na época do regime”.
Um desses ouvintes sem nome me disse que “a esquerda não lutava pela
democracia, e sim por uma ditadura do proletariado”. De fato, foi assim mesmo.
Entre as décadas de 1960/1970 democracia, no Brasil, valia tanto quanto um
ventilador na Sibéria. As organizações de esquerda pegaram em armas para reagir
da forma que poderiam e queriam. Essa era a linguagem da época. A questão é:
porque pendurar um cidadão num pau-de-arara, de cabeça para baixo, para aplicar
choques em seu corpo despido? Sabe por que o Estado que tortura e mata seu
cidadão está cometendo um crime, independente do que ele tenha feito? O Estado
detém o monopólio da força, do uso da violência e da coerção para garantir a
lei, não para exterminar seus adversários.
O discurso de que há alguma justiça na tortura é perigoso e, no limite,
legitima a pratica da tortura estatal. Agora mesmo vemos os EUA enfrentando a
questão com o relatório do Comitê de Segurança do Senado que atesta que a CIA
torturava seus presos. Os americanos fazem o mesmo que nós. Ao invés de
condenarem esse crime hediondo, discutem se a tortura é ou não eficaz na
aquisição de informações contra o terrorismo. Aqui, gostamos de dizer que a
tortura é um eficiente mecanismo de investigação. Na época da ditadura havia
dois tipos de tortura. A boa, que resultava em informações que levariam a
prisão de subversivos, e a ruim que não gerava informações. Tortura inútil era
aquela em que o preso morria sem nada revelar.
A ideia de que o preso politico, ou
o bandido comum, só “abre o bico” se levar uns tapas, choques ou ficar
pendurado num pau-de-arara é sórdida porque apela para necessidades sentidas
por aqueles que sofreram algum tipo de violência. O Estado que usa a violência,
para extrair confissões, atesta sua incompetência em lidar com os que querem
subverter a ordem ou viver a margem da lei. A coerção é um monopólio legal do
Estado. Já a tortura é um monopólio não institucional estatal. O Estado
militarizado usou e abusou da tortura para alcançar as verdades que lhe
interessava, mas nossa sociedade, de procedimentos democráticos, não consegue
fazer valer outras verdades por meios legais. Apesar de que, eu tenho certeza
de que é melhor viver assim do que do outro jeito.
AQUI É O
POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.
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