Reza a lenda que João Saldanha, técnico de futebol
responsável pela montagem da seleção brasileira de 1970, disse que preferia
treinar onze craques indisciplinados a ter que aturar onze pernas de pau bem
comportados. João Saldanha, conhecido pelas polêmicas que protagonizava,
respondia a uma provocação de Zagallo que, ao assumir a seleção tricampeã no
México, teria dito que encontrou um monte de craques indisciplinados e fora de
controle. Num tempo em que não era moda ser politicamente correto, João
Saldanha e Zagallo bateram boca durante algum tempo por nada, pois não
importava se o jogador era ou não um bom moço, o que interessava é que ele
jogasse muito bola.
Eu lembrei essa história por causa
da discussão que toma conta dos processos de transição de governo. Tenho visto
políticos, jornalistas e analistas discutindo sobre se é melhor montar um
governo de técnicos ou um governos de políticos. As pessoas gostam de elogiar governos
que se inauguram com perfil técnico. Os partidos e políticos estam tão
desgastados, por um cenário onde a corrupção é regra, que se tende a achar que
governos sem políticos é interessante, como se isso fosse possível. Mas, será
que na montagem de um governo se deve considerar esse dilema? O governo ideal
não seria aquele que se cerca de políticos com formação técnica e de técnicos
que entendem que é na dimensão política que se dá a ação governamental?
Tenho visto governos
enfrentarem problemas por não conseguirem fazer com que seus políticos e seus
técnicos se entendam. O governador Ricardo Coutinho que o diga, pois a alguns
problemas de seu primeiro ano de governo foi fruto desse falso dilema. A
tentação de oferecer um produto diferenciado à população tem sido maior do que
a necessidade de se conduzir a coisa pública com decisões políticas. O prefeito
de João Pessoa, Luciano Cartaxo, usou esse argumento para escolher muitos de
seus assessores. No início de sua administração, Cartaxo dizia: “Estou montando
um governo com perfil eminentemente técnico. Até os nomes políticos têm que
entender às necessidades das pastas para as quais foram indicados”.
Certo. O discurso é
bem feito, apesar da irritante obviedade. Mas, na prática Luciano Cartaxo
terminou tendo problemas na medida em que um eminente técnico não teria
obrigação de entender das coisas da política. De fato o político que ocupa uma
secretaria, apenas para atender demandas partidárias e/ou fisiológicas, pode
vir a ter um péssimo desempenho por não ter a menor ideia de como funciona a
máquina de sua secretaria.
A radiografia do
governo de Cartaxo nos dizia algo. Quando tomou posse ele indicou 29 nomes para
compor seu governo. Desses, 10 eram ligados ao PT, 09 foram indicados pelo
ex-prefeito Luciano Agra e os outros 10 atendiam a essas necessidades técnicas.
Cartaxo queria ter um governo triangular dividido entre políticos de sua cota,
da cota de seu principal aliado e os que são tidos como técnicos, ou seja,
despolitizados. Se Cartaxo conseguiu coordenar esses três setores tão
diferentes é algo a se verificar. Mas, eu duvido que uma equipe montada dessa
forma possa se manter coesa. Para não ficar espremido entre os três lados do
triângulo, Cartaxo terminou fazendo muitas mudanças em seu governo. Claro, ele
teve que atender demandas eleitorais.
O prefeito de Campina
Grande, Romero Rodrigues, anunciou, em janeiro de 2013, uma equipe com um
perfil mais técnico do que politico. Vejam que quando ele anunciou a equipe da
Secretaria de Saúde destacou o perfil técnico dos que estava nomeando. Romero
afirmava não haver interferência política ou partidária na escolha dos nomes
para a saúde. Dizia ele: “Todos os escolhidos foram por critérios estritamente
técnicos. Em momento algum questionei em quem estas pessoas votaram nas
eleições”. Certo. Importa que os técnicos tenham bom desempenho. Importa que
eles atuem libertos de ingerências políticas externas, de interesses econômicos
privados e até mesmo daquelas influências familiares que tanto atrapalham.
Mas, fundamentalmente, importa que o técnico entenda que para além e acima
dele e de sua visão científica e/ou acadêmica existe a dimensão política onde
escolhas precisam ser feitas para beneficiar pessoas, para gerar bem estar para
o cidadão. Interessa, ainda, que os políticos entendam que o conhecimento
técnico deve ser utilizado para gerar bem estar e não para beneficiar este ou
aquele interesse particularizado. Se o caro ouvinte quer saber o que eu
prefiro, digo que entre o craque desequilibrado e o bom moço perna de pau eu
fico com o craque de bola que é um bom moço. Eu sei que é difícil encontrar,
mas não é impossível. Basta saber procurar.
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