Aquilo que nós, brasileiros, ficamos conhecendo, através do
cinema, como faroeste ou velho oeste foi, na verdade, um vasto território que o
Estado norte-americano foi desbravando e tomando posse ao longo de cerca de um
século. O governo dos EUA fazia vista grossa para quase tudo que acontecia
naquele território sem lei, onde imperava a força das armas. O pistoleiro, que
víamos no cinema, era, na verdade, a única possibilidade de um ponto de
equilíbrio entre a barbárie e a civilização. E este personagem, que o ator
Clint Eastwood tão bem encarnou, foi a peça fundamental para que o Estado
norte-americano implantasse suas instituições no oeste, que deixou de ser
velho, quando o capitalismo e suas leis por lá se implantaram. O pistoleiro
deixou de ser o fora da lei, ganhou a estrela de xerife, e a soldo do Estado
foi desarmando a população. Foi assim que o monopólio estatal da coerção foi
instalado, em que pese o porte de armas nos EUA ser uma instituição acima do
bem e do mal.
Já nosso Estado nunca
se preocupou em garantir o monopólio de sua força, pelo desarmamento de seus
cidadãos. Foi apenas em 2003 que o governo tomou uma medida efetiva, neste
sentido, com a aprovação do Estatuto do Desarmamento. Foi quando o Estado
entendeu que o monopólio da coerção é condição necessária para que a lei
funcione. A prova disso é que o Art. 6º, do Estatuto, proíbe o porte de arma de
fogo em todo o território nacional, salvo os casos previstos em lei. O Estatuto do Desarmamento foi uma tentativa,
tardia, de consolidar a ideia, das revoluções burguesas, de que uma sociedade
será tanto mais civilizada (e democrática) quanto menos precisar das armas. No
entanto, nós nunca tivemos certeza disso.
Em 2005 fizemos um
referendo, previsto no Estatuto. A ideia era que legitimássemos o que já
vigorava por força da lei e apreciássemos o Art. 35 que proibia a
comercialização de armas e munições em todo o território nacional. A pergunta
era: “O comércio de armas de fogo deve
ser proibido no Brasil?”. Quase 64% da polução disse não, enquanto 36%
afirmou sim. Os que eram a favor da comercialização venceram, mas quem levou
foi o “sim”, pois a restrição continuou. O Art. 35 foi excluído do Estatuto,
mas o porte de arma continua ilegal, salvo exceções. O cidadão que quer uma
arma deverá mantê-la em casa e registrá-la. Só consegue o porte de arma aquele
que não está no chamado grupo “de risco".
O deputado federal
Rogério Peninha (PMDB/SC) quer revogar o Estatuto, pois a lei não teria sido
eficaz para reduzir a violência no país. Ele diz que a aprovação do Estatuto
diminuiu a comercialização de armas, enquanto que a criminalidade só aumentou.
Para o deputado “não foi à retirada das
armas que diminuiu a criminalidade, pois ficou mais fácil para o criminoso, que
está armado, enquanto que o cidadão de bem praticamente não pode adquirir uma
arma”. Já Daniel Cerqueira, pesquisador do IPEA, afirma que não há evidências
de que a população armada evitará novos crimes. Ele diz que quanto mais armas
houver numa cidade, mais homicídios ocorrerão. Algo um tanto quanto óbvio, por
sinal. Daniel diz que revogar o Estatuto serve bem menos ao bem estar do
cidadão, e a segurança pública, e bem mais ao lucro de alguns, pois os
deputados que defendem o fim do Estatuto têm suas campanhas eleitorais
financiadas pela indústria armamentista.
Devido a uma visão
pacifista que tinha, continuo tendo, de como deve se dar nossa organização
social e política, eu disse sim ao referendo. Concordei, sigo concordando, que
o comércio e o porte de armas deve, sim, ser proibido no Brasil. A ideia
corrente que os altos índices de violência que temos se devem ao fato do
cidadão de bem ter sido desarmado pelo Estado, enquanto os marginais estam cada
vez mais bem armados, é frágil, eu diria mesmo que ela é nula. Se para
arrefecer a violência de cada dia, devemos aceitar que o cidadão de bem
enfrente a marginalidade de arma em punho, então vamos ter que, no limite,
entender que não precisamos mais das instituições coercitivas.
Se eu posso me armar
para enfrentar o bandido que vai tentar violentar a mim, a minha família e ao
meu lar, para que, então, preciso da polícia, que deve prender o bandido, e do
judiciário que deve julgar, condenar, culpar pelas situações de violência? Qual
a garantia que o cidadão de bem, que vai se armar contra a marginalidade, não
resolverá seus dilemas sociais e familiares de arma em punho? Se é normal
enfrentar um bandido armado, o que dirá resolver um briga entre vizinhos da
mesma forma? Somos uma sociedade de mentalidade autoritária. Não temos
maturidade política, muito menos visão democrática, que nos dê lastro para
entender que, armados, não poderemos tudo contra todos, i.e., que não
voltaremos ao estado de natureza. Se o Estatuto do Desarmamento for revogado,
para que nos armemos mais e melhor, no futuro vamos precisar de um pistoleiro, a la Clint Eastwood, para nos desarmar
pela força. Algo que o Estado já fez usando procedimentos democráticos.
AQUI É O
POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.
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